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Supervisão colaborativa – conceções dos enfermeiros

Germana Pinheiro1; Ana Paula Macedo2 & Nilza Costa3

1 Centro Hospitalar Tâmega e Sousa, E.P.E., Enfermeira.

2 Escola Superior de Enfermagem da Universidade do Minho, Professor coordenador. 3 Universidade de Aveiro - Departamento de Educação, Professor catedrático. Autor correspondente: Germana Pinheiro (germanapinheiro@sapo.pt)

Resumo

A supervisão colaborativa fundamenta a permanente transformação dos conhecimentos e práticas profissionais, numa perspetiva coformativa e desenvolvimentista. Neste âmbi- to, o presente estudo tem como objetivo compreender as conceções dos enfermeiros sobre a supervisão colaborativa na prática de cuidados. Assim, optou-se por uma investigação de natureza qualitativa e interpretativa, especificamente um estudo de caso, integrando como participantes uma equipa de Enfermagem de um serviço de Medicina Interna de um centro

hospitalar da região norte de Portugal. Na recolha de informação recorreu-se à triangulação

de diferentes técnicas, nomeadamente a análise documental, a observação não participante e a entrevista semiestruturada. Os enfermeiros participantes referem que colaborar se apro- xima de partilhar, trabalhar em equipa e ajudar o Outro, existindo privilegiados momentos colaborativos na prática de cuidados, designadamente: as passagens de turno, as reuniões e a formação em serviço. A supervisão emerge, ainda, como uma realidade longe da prática de cuidados e os enfermeiros tendem a possuir uma visão verticalizada do processo supervisivo. Conclui-se que apesar dos conceitos de supervisão e colaboração tenderem a despontar de modo espontâneo e informal na prática de cuidados, encontram-se intimamente relaciona- dos com o contínuo desenvolvimento profissional dos enfermeiros.

Palavras-chave: Supervisão; colaboração; enfermagem. Abstract

The collaborative supervision founds a permanent transformation of knowledge and pro- fessional practices in a co-formative and developmental perspective. In this context, this study aims to understand the perspective of nurses on collaborative supervision in caring practices. It was used a qualitative and interpretative method, specifically the case study, integrating as participants a nursing team of an internal medicine service in a hospital in

the north region of Portugal. For data collection it was used the triangulation of different techniques, namely document analysis, non-participant observation and semi-structured interview. The participants indicate that collaboration is based on sharing, team working and helping the others, having collaborative moments in caring practices, particularly the shift report, meetings and training in workplace. Supervision emerges also as a distant re- ality from caring practices and nurses tend to have a vertical view of supervision practices. We conclude that although the concepts of supervision and collaboration tend to emerge so spontaneous and informally in caring practices, they are intimately related to continuous professional development of nurses.

Keywords: Supervision; collaboration; nursing. Enquadramento

Sendo a Enfermagem uma ciência que age num meio em constante mutação, torna-se fun- damental que se abandone o individualismo e se valorize a partilha, a interação e a reflexão coletiva. Neste âmbito, Roldão (2007) menciona que o trabalho colaborativo em contexto pro- fissional se organiza “como um processo de trabalho articulado e pensado em conjunto, que permite alcançar melhor os resultados visados” (p. 27). Neste contexto, o trabalho colaborati- vo entre os enfermeiros pressupõe uma relação recíproca, onde a partilha de metas, compro- missos e diferentes pontos de vista, conduz à resolução mais efetiva dos problemas da prática de cuidados (Hanson e Spross 2009). Deste modo, na prática de cuidados ocorrem momen- tos coformativos privilegiados, que fomentam a atualização e expansão dos conhecimentos profissionais (Abreu 2007; entre outros). Destes pode-se salientar as passagens de turno, as reuniões em serviço e a formação em serviço, que apesar de não estarem livres de conflitos ou divergências, constituem espaços de formação coletiva em contexto de trabalho (Macedo 2012). Deste modo, o encontro do Eu com o Outro permite expandir os horizontes pessoais limitativos e encontrar a solução mais adequada para os problemas da prática de cuidados. Referindo-se aos contributos da colaboração, Hargreaves (1998) expõe que a colaboração promove a satisfação pessoal e profissional, a autonomia profissional, a eficiência e eficácia acrescidas e o desenvolvimento profissional contínuo. Neste âmbito, Boavida e Ponte (2002) mencionam que a colaboração potencia “condições para enfrentar, com êxito, as incertezas e obstáculos que surgem” (p. 3) no contexto profissional. Assim, a colaboração ao longo do tempo pode ser tanto gratificante como desafiadora.

O Conselho de Enfermagem (2010), em analogia com o mencionado por diversos autores (Abreu 2007; Macedo 2012; entre outros), reconhece a importância da supervisão ao longo de todo o processo de desenvolvimento profissional dos enfermeiros. Neste processo, supervisor e supervisionado refletem coletivamente, com vista à “compreensão partilhada dos fenóme- nos” (Conselho de Enfermagem 2010, p. 7). Alarcão e Roldão (2010) advogam que a supervisão em contexto profissional necessita passar de uma visão “vertical” para uma “supervisão in- terpares, colaborativa, horizontal” (p. 19). Com isto, as autoras consideram que a supervisão em contexto profissional ganha “(…) uma dimensão colaborativa, auto-reflexiva e autoforma- tiva (…)”, consoante os profissionais se tornam “(…) investigadores da sua própria prática (…)” (p. 15). De acordo com Sullivan e Glanz (2005), a supervisão colaborativa em contexto profis- sional apoia-se em dois princípios essenciais, designadamente: a democraticidade e a liderança

com visão. Neste âmbito, o processo supervisivo ganha uma dimensão colegial e horizontal,

pois os profissionais podem rodar nos papéis que desempenham e no tempo de manutenção, em função do momento ou da problemática. Nesta perspetiva, a relação entre supervisor e supervisionado assenta numa “atmosfera afectivo-relacional e cultural positiva” (Alarcão e Tavares 2003, p. 61), promotora de um processo supervisivo cordial e empático, onde os in- tervenientes se corresponsabilizam pela reflexão das práticas, com vista ao desenvolvimento pessoal e profissional mútuo e continuado. Este estilo supervisivo configura-se num tipo não

standard, aproximando-se de um cenário integrador, assente nos “(…) valores de bem comum e

os direitos universais” (Sá-Chaves 2009, p. 51).

Por conseguinte, a nossa perspetiva de supervisão colaborativa entre os enfermeiros apro- xima-se do processo supervisivo preconizado Sullivan e Glanz (2005), onde a análise críti- co-reflexiva, dialógica e horizontal das práticas, estimula o permanente desenvolvimento profissional de toda a equipa de Enfermagem e do contexto de trabalho.

Finalidade

A supervisão colaborativa reconhece a importância da criação de pontes de colaboração en- tre os profissionais, de modo a estimular a (des/re)construção das práticas e o contínuo desen- volvimento profissional, através de processos de mediação entre supervisor e supervisiona- do, que integrem a partilha de saberes, experiências e objetivos profissionais. Todavia, e de acordo com a experiência profissional em contexto da prática de cuidados, percebemos que a colaboração e o processo supervisivo desenvolvidos pelos enfermeiros encontram constran- gimentos capazes de pôr em causa uma prática supervisiva dentro de uma perspetiva cofor- mativa e desenvolvimentista. Neste sentido, a tónica deste artigo é colocada nas conceções de enfermeiros sobre a supervisão colaborativa na prática de cuidado.

Metodologia

A complexidade do objeto de estudo conduziu-nos a uma investigação interpretativa e quali- tativa, onde selecionámos o método do estudo de caso (Yin 2010), pois focamo-nos nos signifi- cados que os participantes atribuem às situações vivenciadas.

Para o desenvolvimento deste artigo foi utilizada parte das informações recolhidas durante a realização de um estudo mais alargado (Pinheiro 2012), no período de setembro a novembro de 2011, que integrou como participantes uma equipa de Enfermagem constituída por 29 enfer- meiros de um serviço de Medicina Interna de um centro hospitalar da região norte de Portugal. Qualquer investigação implica questões éticas essenciais, neste sentido, para além da autori- zação formal da instituição hospitalar, foram protegidas as identidades e obtido o consenti- mento informado dos participantes, bem como garantida a confidencialidade e a autenticida- de das informações recolhidas.

Numa primeira fase, analisámos documentos referentes à formação em serviço e seis atas das reuniões em serviço. Numa fase posterior, efetuámos sete observações de passagens de tur- no e uma observação direta de uma sessão de formação em serviço, inserida numa reunião em serviço. Esporadicamente ocorreram observações ocasionais ou conversas informais. Durante o período das observações utilizámos uma grelha de observação, constituída por

dois comportamentos/discursos observáveis, especificamente: i) dinâmica do grupo; ii) prá- ticas colaborativas entre os enfermeiros. Para uma compreensão mais abrangente do objeto de estudo, considerámos relevante triangular a análise documental e a observação direta, com entrevistas semiestruturadas. Na impossibilidade de entrevistar todos os elementos do caso, a escolha das unidades de análise baseou-se numa seleção intencional, atendendo ao tempo de experiência profissional, ao tempo de serviço, às funções desempenhadas no serviço e à experiência em supervisão. Neste seguimento, foram realizadas oito entrevistas semiestruturadas. Durante as quais, tivemos por base um guião de entrevista composto por: i) caraterização dos entrevistados; ii) conceções dos enfermeiros quanto à formação contínua e ao desenvolvimento profissional; iii) conceções dos enfermeiros quanto à supervisão; iv) conceções dos enfermeiros quanto às práticas colaborativas em contexto profissional. Após a leitura geral dos documentos escritos consultados, das anotações recolhidas e das transcrições das entrevistas, recorremos à técnica de análise de conteúdo, de modo a aceder ao significado da informação recolhida. Assim, foi construído um sistema categorial de modo progressivo (vala 1986), durante o qual utilizámos o software de análise qualitativa WebQDA (Web Qualitative Data Analysis).

Análise e discussão de resultados

Os participantes revelam que as conceções de colaborar se aproximam de partilhar, trabalhar em equipa ou ajudar o Outro, emergindo no discurso dos enfermeiros um reportório partilha- do em torno de colegas ou equipa. Estudos no âmbito da Enfermagem encontraram conceitos semelhantes (Costa 1998).

Observamos que na prática de cuidados emergem momentos colaborativos de eleição, especi- ficamente as passagens de turno, as reuniões e a formação em serviço, enquanto espaços pro- motores da partilha de saberes e experiências, bem como do debate e reflexão colegiais. Estas conceções parecem aproximar-se da perspetiva de colaboração em Enfermagem proposta por Hanson e Spross (2009). Nestes momentos colaborativos o clima relacional foi, essen- cialmente, positivo e de abertura ao Outro. Consideramos que este clima relacional se apro- xima da “(…) atmosfera afectivo-relacional e cultural positiva (…)” de que nos fala Alarcão e Tavares (2003, p. 61), promotora da horizontalidade relacional, essencial no âmbito da supervisão colaborativa em contexto profissional. Todavia, apuramos que estes momentos colaborativos vo- cacionam-se, fundamentalmente, para a resolução de problemas emergenciais, pelo que tendem a escassear as ocasiões de diálogo crítico-reflexivo ou o confronto de ideias. Assim, pensamos que estas práticas de colaboração remetem para a colegialidade artificial e congenialidade (Hargreaves 1998), tornando-se limitativas ao longo do tempo. Para além disto, ao se restringirem à equipa de Enfermagem, remetem para o conceito de cultura balcanizada preconizada por Hargreaves (1998), pois tendem a fechar-se à reflexão multiprofissional.

Quando inquiridos quanto aos contributos da colaboração, os enfermeiros evidenciam: i) o re- forço do espírito de equipa; ii) a expansão dos conhecimentos; iii) a reformulação das práticas; iv) a melhoria dos cuidados prestados. Em analogia, vários estudos concluem que a colabora- ção potencia a construção coletiva do conhecimento e a renovação profissional (Hargreaves 1998; Alarcão e Tavares 2003; Hanson e Spross 2009; Alarcão e Roldão 2010; entre outros). No entanto, analisamos que este trabalho colaborativo tende a ser vivenciado de modo espon-

tâneo e informal na prática de cuidados, enquanto oportunidades naturais e oportunas de

aprendizagem ao longo da vida.

Apesar de a supervisão merecer um interesse cada vez mais efetivo por parte das instituições de saúde (Abreu 2007), continua a transparecer como uma palavra ainda longe do léxico dos enfer- meiros da prática. Em nosso entender, para tal contribui não só as conceções de supervisionar, que se aproximam de inspecionar ou controlar, o que remete para uma visão verticalizada do pro- cesso supervisivo, como a ausência da figura do supervisor em contexto da prática de cuidados. No entanto, alguns enfermeiros reconhecem a orientação no processo supervisivo e associam o supervisor clínico à enfermeira-chefe e aos pares.

Para que o processo de supervisão promova a reflexão sobre a prática, torna-se fundamental que se implemente uma diversidade de estratégias supervisivas. Neste contexto, os enfermeiros sa- lientam o questionamento, a observação, a reflexão, o feedback e a adequação ao nível de desen- volvimento. O que pensamos configurar-se num estilo supervisivo do tipo não standard e num

cenário integrador (Sá-Chaves 2009).

Quando inquiridos sobre um bom supervisor, os enfermeiros salientam uma diversidade de ca- raterísticas consideradas como essenciais, entre as quais evidenciamos: conhecimentos atualiza- dos, competências relacionais, promoção da autonomia, referencial nos cuidados e parceiro nos cuidados. Assim, consideramos que existe um paralelismo entre a imagem que os entrevistados possuem de um bom enfermeiro supervisor e as caraterísticas destacadas por Alarcão e Tavares (2003), no âmbito dos supervisores de comunidades aprendentes.

verificamos que um elevado número de participantes possuem formação em supervisão. No en- tanto, quando entrevistados quanto às motivações pessoais e aos contributos, constatamos que a formação em supervisão adquiriu um caráter de obrigatoriedade para a formação de enfermeiros tutores no âmbito dos ensinos clínicos, pelo que tendem a atribuir-lhe um valor secundário no seu processo formativo.

No que se refere ao impacto da supervisão, verificamos que emergem apenas contributos positi- vos, nomeadamente: gestão de sentimentos, qualidade dos cuidados e desenvolvimento contínuo do supervisor e do supervisionado. Deste modo, pensamos que a supervisão adquire uma dimen- são coformativa e desenvolvimentalista (Alarcão e Roldão 2010; Macedo 2012; entre outros). Os enfermeiros parecem percecionar a supervisão colaborativa como um “(...) ideal a ser atingido” (entrevista – enfermeiro D). Em nosso entender, esta perspetiva pode dever-se não só às dificul- dades em construírem uma verdadeira cultura colaborativa, como também à desvalorização da informalidade do trabalho colaborativo na prática de cuidados. Contudo, alguns participantes pensam que a supervisão colaborativa é viável. Neste contexto, um dos enfermeiros menciona “(…) eu acredito que isto funcione” (entrevista – enfermeiro E). Quanto aos papéis a assumir, exis- tem enfermeiros que assumem que poderiam ser supervisores, outros supervisionados e outros consideram possível, dependendo do momento e da problemática em reflexão, a rotatividade de papéis. O que para nós constitui uma das condições essenciais à implementação da supervisão colaborativa na prática de cuidados.

Considerações finais

Concluímos que a colaboração e a supervisão constituem conceitos que estão intimamente relacionados com o desenvolvimento profissional dos enfermeiros. Apesar de tenderem a emergir de modo espontâneo e informal na prática de cuidados, comprometendo o seu cará- ter formativo e desenvolvimentalista, pensamos que potenciam processos de auto e hetero- formação, essenciais a equipas de Enfermagem aprendentes e Instituições de Saúde qualifi- cantes.

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