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Supervisão clínica em enfermagem: uma análise exploratória no contexto de uma UC

Neurocríticos

Marta Carvalho1; Wilson Abreu2 & Sandra Cruz3

1 Centro Hospitalar de São João, E.P.E., Enfermeira.

2 Escola Superior de Enfermagem do Porto, Professor coordenador principal. 3 Escola Superior de Enfermagem do Porto, Professor adjunto.

Autor correspondente: Marta Carvalho (martenf711@gmail.com)

Resumo

A Supervisão Clínica em Enfermagem (SCE) é ainda uma área de desenvolvimento em Portugal. Associada à qualidade dos cuidados e ao desenvolvimento pessoal e profissional dos enfermei- ros, a SCE encontra-se também associada a processos de gestão da qualidade das instituições de saúde. O ponto de partida do estudo agora apresentado baseia-se no reconhecimento da SCE como processo formal e estruturado de suporte profissional. O estudo de natureza qualitativa realizado teve como questão de partida “Em que medida, na perspetiva dos enfermeiros, a Su- pervisão Clínica em Enfermagem pode suscitar ganhos para a qualidade e segurança das práti- cas clínicas dos enfermeiros da Unidade de Cuidados Intensivos Neurocríticos (UCIN)?”. Como objetivos estabeleceram-se: analisar a opinião dos enfermeiros sobre a importância da SCE no contexto da UCIN; identificar as funções e estratégias da SCE que os enfermeiros da UCIN va- lorizam para a melhoria dos cuidados prestados e aumento da segurança dos doentes; indicar estratégias para a implementação de uma estrutura local de SCE. Da análise efetuada concluiu- se que os entrevistados associam a SCE à dimensão da qualidade e segurança dos cuidados, mas também ao facto de corresponder a um processo formal. Foi verificada alguma ambiguidade na distinção entre SCE e supervisão de estudantes. Salienta-se ainda a relação que emerge entre a SCE e os ganhos na prática clínica. Das funções da SCE adotadas no modelo de Proctor, os entrevistados consideraram a função formativa a mais importante no momento atual da UCIN. As estratégias de SCE e as características do supervisor identificadas possibilitaram também uma maior perceção dos conhecimentos dos entrevistados nesta área específica. As referências à estrutura e organização das sessões e às características destas permitiram a identificação de como se deve estruturar a SCE. De acordo com os dados recolhidos relativamente à organiza- ção, estrutura e benefícios que advêm da aplicação prática da SCE, foi possível elaborar uma estrutura para aplicação local da SCE.

Palavras-chave: Supervisão clínica; enfermagem; supervisão clínica em enfermagem; UCI

Abstract

Clinical Supervision in Nursing (CSN) is still a developing area in Portugal. Associated with quality of care and personal and professional development of nurses, CSN is also associated with the processes of the quality management of health institutions. The starting point of this study is based on the recognition of CSN as structured and formal process of professional support. This is in essence a qualitative study and was conducted as a starting question: “To what extent, in the perspective of nurses, the Nursing Clinical Supervision may be beneficial for the quality and safety of nurses’ clinical practice in the neurocritical intensive care unit (NICU)?”. In this regard, one has established as study objectives: to analyze nurses’ opinion on the importance of CSN in the context of NICU; identify the functions of the CSN that the NICU nurses consider important to the improvement of care and the increase of patient safety; identify strategies that maximize gains for clinical practice of nurses in NICU and that are capable of incorporating a local structure of CSN; identify strategies for implementing a local structure of CSN. Content analysis concludes that respondents associate CSN not only to the improvement of the quality and care safety, but also to the fact that it matches a formal process that has been suffering changes regarding its conceptual perception. It was found some ambiguity in the distinction between CSN and supervision of students. Note also the relationship that emerges between CSN and gains in clinical practice. Among the recognized functions of CSN adopted by Proctor, the formative function was considered the most impor- tant at the present moment of NICU. The CSN strategies and the identified characteristics of the supervisor enable a greater perception of respondents’ knowledge in this specific area. The references to the structure and the organization of sessions and their characteristics allow identification of how to structure the CSN. Thus, after the identification of the data provided by respondents regarding the organization, structure and benefits that may arise from practical application of CSN, it is considered that the local structure of CSN proposed in this study may contribute to improving patient care and safety in the practice of the NICU nurses.

Keywords: Clinical supervision; nursing; clinical supervision in nursing; Neurocritical ICU. Qualidade, Enfermagem e Supervisão Clínica

As origens da supervisão clínica remontam aos inícios do séc. XX (Hyrkäs 2002), apesar de que, no contexto da enfermagem, apenas em meados desse século é que se começou a inte- grar este processo na prática dos cuidados, tendo-se iniciado nessa altura uma investigação mais sistematizada sobre este assunto.

À medida que se foram desenvolvendo os processos de reflexão sobre SCE apareceram dife- rentes conceções de supervisão relacionadas com diversos olhares sobre o processo super- visivo. Diferentes experiências, conceitos e modelos foram desenvolvidos como forma de diminuir a possível confusão epistemológica entre a SCE e outros processos, como orientação de estudantes ou governação clínica.

vários são os autores que apontam para a importância da SCE enquanto processo do qual resultam subsídios para a melhoria da qualidade e segurança dos cuidados, assim como para o desenvolvimento pessoal e profissional dos enfermeiros (Cruz 2008, 2011; Hyrkäs 2012; Abreu 2007).

A qualidade é atualmente um atributo indispensável nas mais diversas práticas, sobretudo na área da saúde. Pode referir-se que a qualidade em saúde se deve basear na identificação das necessidades dos clientes e sua satisfação e não apenas na sua procura (Biscaia e Pisco 2001). Por sua vez, a qualidade dos cuidados de enfermagem pode ser avaliada através de padrões de qualidade propostos quer pelas instituições de saúde, quer pela Ordem dos Enfer- meiros (OE), quer pelos próprios profissionais, não desvalorizando a importância associada ao cliente dos cuidados de enfermagem.

A OE na sequência de diversas pesquisas efetuadas no País, reconheceu a importância da SCE como processo que pode contribuir para a melhoria da qualidade dos cuidados e trazer gan- hos para as práticas de enfermagem, definindo o Modelo de Desenvolvimento Profissional. Na literatura atual identificam-se várias definições de SCE. Opta-se agora por apresentar al- gumas das definições existentes. Abreu (2007, p. 177) define SCE “como um processo dinâmi- co, interpessoal e formal de suporte, acompanhamento e desenvolvimento de competências profissionais, através da reflexão”. Abreu (2007) refere ainda que a SCE “contribui para o au- mento da qualidade dos cuidados, da segurança do utente e da satisfação profissional” (p. 177). Hyrkas (2012) aponta para a importância da SCE enquanto processo através do qual resultam subsídios para a melhoria da qualidade e segurança dos cuidados, assim como para o desen- volvimento pessoal e profissional dos enfermeiros. Por sua vez, na visão da OE (2010) a SCE é entendida como um “(…) processo formal de acompanhamento da prática profissional, que visa promover a tomada de decisão autónoma, valorizando a proteção da pessoa e a seguran- ça dos cuidados, através de processos de reflexão e análise da prática clínica” (p. 5).

A SCE remete para práticas profissionais de qualidade, fornecendo apoio e suporte aos pro- fissionais de enfermagem, no sentido de proporcionar cuidados progressivamente mais se- guros. Ao permitir que os profissionais reflitam de forma partilhada sobre as suas práticas e problemas do seu exercício profissional, a SCE pode resultar em aumento de competências dos profissionais e em cuidados de maior qualidade. A investigação demonstra também que se pode associar a SCE ao aumento da satisfação profissional e à diminuição da ansiedade e stresse (Abreu 2007; Proctor 2006; Brunero e Stein-Parbury 2008).

Para que seja possível o desenvolvimento da enfermagem, e nomeadamente o crescimento da supervisão clínica nesta área do conhecimento é importante definir modelos que se pos- sam constituir como orientações específicas e estruturadas com vista a que os objetivos sejam atingidos. Grande parte dos modelos varia na filosofia e teoria adotadas.

O modelo de Proctor (1986) é provavelmente, o mais citado na literatura de enfermagem, sen- do o modelo no qual o investigador se baseou para a realização do estudo que aqui se apresen- ta. O modelo de Proctor consiste num modelo interativo de três funções:

• Formativa ou educacional que diz respeito ao desenvolvimento de competências e habi- lidades no supervisado, com base na reflexão da sua prática e o desenvolvimento de uma prática de enfermagem baseada em evidência (Winstanley e White 2003).

• Normativa, directiva ou administrativa é um elemento crucial de controlo de qualidade em todos os contextos de trabalho; promove e cumpre protocolos e procedimentos, desenvol- vendo standards e contribuindo, assim, para a auditoria clínica (Winstanley e White 2003).

• Restaurativa ou de suporte permite perceber e gerir o stresse emocional inerente à prática de enfermagem (Winstanley e White 2003).

O estudo agora apresentado foi realizado numa Unidade de Cuidados Intensivos Neurocríticos (UCIN). As UCIs, serviços de prestação de cuidados personalizados a doentes em estado crítico, onde são prestados cuidados complexos, implicando reflexão nas práticas e capacidades técni- cas muito desenvolvidas. Os enfermeiros de cuidados intensivos estão frequentemente sujei- tos a elevado stresse, consequência do próprio serviço onde executam funções, mas também das patologias e estado crítico dos doentes a quem prestam cuidados. Neste caso específico são prestados cuidados principalmente a doentes com patologia neurocirúrgica.

Metodologia

Para a realização do estudo que aqui se apresenta formulou-se a seguinte pergunta de par- tida: “Em que medida, na perspetiva dos enfermeiros, a Supervisão Clínica em Enfermagem pode suscitar ganhos para a qualidade e segurança das práticas clínicas dos enfermeiros da Unidade de Cuidados Intensivos Neurocríticos?”.

De acordo com o fenómeno em estudo utilizou-se o paradigma naturalista ou qualitativo. Neste caso específico o trabalho realizado centrou-se na metodologia:

• Quanto à abordagem: qualitativa; • Quanto aos objetivos: exploratória;

A colheita de dados foi efetuada através de uma entrevista semiestruturada. Os conhecimen- tos que os participantes possuíam sobre a problemática da supervisão não foram ampliados ou aprofundados.

Os objetivos definidos para este estudo foram:

• Analisar a opinião dos enfermeiros sobre a importância da SCE no contexto da UCIN; • Identificar as funções da SCE que os enfermeiros da UCIN valorizam para a melhoria dos

cuidados prestados e aumento da segurança dos doentes;

• Identificar estratégias que potencializam ganhos para a prática clínica dos enfermeiros da UCIN e que sejam passíveis de incorporar uma estrutura local de SCE;

• Indicar estratégias para a implementação de uma estrutura local de supervisão clínica em enfermagem.

A recolha dos dados decorreu entre os meses de fevereiro e março de 2012. A transcrição das entrevistas foi concretizada imediatamente após a realização das mesmas. Terminada a transcrição procedeu-se à análise de conteúdo dos dados recolhidos.

Os participantes foram 10 elementos de entre os profissionais de enfermagem da UCI Neuro- críticos do Centro Hospitalar São João E.P.E., escolhidos de forma intencional e de acordo com critérios de inclusão pré-estabelecidos.

Todos os procedimentos éticos relativos à confidencialidade e anonimato dos participantes foram mantidos, bem como foi pedida autorização à Comissão de Ética do CHSJ para a reali- zação deste estudo.

Análise e discussão dos resultados obtidos

A SCE, na perspetiva dos entrevistados, relaciona-se com a melhoria da qualidade dos cuida- dos na UCIN. A aplicação da SCE assenta num processo formal, baseado em normas de atuação estabelecidas que vão favorecer a aplicação prática da SCE, por tornar o processo tanto mais uniforme e semelhante quanto possível, concorrendo para o atingimento dos objetivos da SCE. A sistematização das intervenções de enfermagem, o aumento da segurança dos cuidados e a es- timulação e/ou procura de uma prática reflexiva são ainda condições concorrentes para a defini- ção de SCE referidas pelos entrevistados. No estudo realizado foi notória uma certa ambiguidade na definição do conceito de SCE pelos entrevistados, nomeadamente no âmbito da supervisão de estudantes.

Ressalva-se também a importância associada entre a melhoria dos conhecimentos e das com- petências, a sistematização dos cuidados, a redução do erro, a reflexão e o feedback e a aplicação da SCE, que resulta em ganhos na qualidade dos cuidados de enfermagem. Segundo os entrevis- tados, os ganhos em matéria de qualidade dos cuidados assentam na verificação dos pressupos- tos anteriores. verificou-se que a aplicação da SCE, na visão dos entrevistados, se relaciona com a melhoria de conhecimentos e competências a nível profissional, resultando em melhoria de cuidados prestados. Por outro lado, os entrevistados consideram que os erros são condições que inviabilizam o atingir da qualidade nos cuidados, podendo ser reduzidos a partir da reflexão na prática. A prática reflexiva é valorizada pelos entrevistados pois pode associar-se à promoção do crescimento profissional, permitindo perceber o que os profissionais fazem na prática e porque o fazem. Associado ainda à reflexão na prática encontra-se o feedback ao favorecer, na visão dos entrevistados, a relação entre o serviço, os profissionais e o supervisor, ao mesmo tempo que auxilia a comunicação.

Para além do referido anteriormente, a SCE pode ser também identificada segundo as funções que possui. As funções identificadas foram categorizadas de acordo com as funções predefinidas por Proctor (1986). Das três funções propostas, a função formativa (referida pelos entrevistados por se encontrar relacionada com o crescimento profissional devido à possibilidade de desenvol- vimento de conhecimentos e competências) foi a que obteve maior valorização por parte dos en- trevistados. Segundo estes, isto decorreu do estadio de desenvolvimento em que se encontrava a equipa da UCIN no momento de realização deste estudo. A vertente normativa foi associada à reflexão nos cuidados e à melhoria dos mesmos como consequência da normatização das prá- ticas, da criação e aplicação de protocolos. Centrada na gestão e na avaliação dos mesmos, foi considerada pelos entrevistados, fundamental para a evolução da enfermagem. A redução do

stresse, da ansiedade e burnout, o aumento do sentimento de pertença e a melhoria da qualidade

das relações interpessoais são referências dos entrevistados à função restaurativa da SCE. Relativamente às estratégias de SCE identificadas, ressalva-se, por um lado, a identificação do momento da passagem de turno como momento para a realização de sessões de SCE, e por outro, a vontade dos profissionais em participarem ativamente na formação e em realizarem formação em contexto de trabalho. Foram ainda referidas como estratégias de SCE o reforço positivo, a observação, a discussão de assuntos problemáticos e o acompanhamento dos pro- fissionais na prática clínica.

Relativamente às características do supervisor, os entrevistados valorizam características re- lacionadas com os conhecimentos, a capacidade de mobilização pessoal dos conhecimentos

e de ajudar os restantes elementos a mobilizar os conhecimentos, o ter formação na área da UCIN, mas também da SCE e o possuir conhecimentos científicos. O pensamento crítico tam- bém é valorizado pela sua associação a questões relacionadas com a capacidade de análise, de orientação, reflexiva e avaliativa.

Quanto à operacionalização da SCE, é importante referir que os entrevistados consideram relevante realizar as sessões em locais diferentes, nomeadamente dentro e fora do serviço, de forma sistematizada ou não, dependendo do objetivo da sessão, do supervisor, do supervisado e do próprio serviço, dos elementos de gestão e organização do serviço.

Quanto à periodicidade, duração e número de participantes de cada sessão, os entrevistados referem várias opções, estando também dependentes do objetivo de cada sessão.

Conclusão

A pertinência da supervisão clínica é cada vez mais discutida em enfermagem, sendo cada vez mais um instrumento de reconhecimento e valorização da profissão e dos profissionais de enfermagem. Enquanto área tão abrangente, consideram-se úteis várias abordagens nomea- damente a aplicação de um efetivo modelo de supervisão clínica num serviço ou em alguns serviços hospitalares e posteriormente verificar-se se os resultados obtidos correspondem ou não aos referidos no âmbito teórico da fundamentação da SCE. É ainda fundamental que a SCE se ajuste às particularidades das organizações e seja suficientemente flexível para po- der ser interpretada a nível das unidades de cuidados. Estudos que demonstram que a su- pervisão clínica pode contribuir para o desenvolvimento e para a promoção da profissão de enfermagem com base em estratégias de suporte e reflexão, visando o desenvolvimento dos enfermeiros.

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Idoneidade formativa de contextos de prática

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