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O processo técnico de cultivo da mandioca na região Bragantina

No documento Universidade Federal do Pará (páginas 37-45)

4.1 Cultivo de mandioca e a fabricação da Farinha de Bragança

4.1.1 O processo técnico de cultivo da mandioca na região Bragantina

A mandioca é cultivada por camponeses em pequenas propriedades em mais de 100

países de clima tropicais e subtropicais de vários continentes como: Africano, Asiático e

América Latina. Em 2012, a FAO estimou a produção de mandioca em dimensão global em

280 milhões de toneladas (FAO, 2013). Deste universo, 164,66 milhões de toneladas de

mandioca são produzidos por seis países. Entre os países maiores prodtos mundialmente, o

Brasil ocupa a quarta posíção (Quadro 1).

Tabela 1. Produção mundial de mandioca

Continente País Mil/Ton Em %

1º África Nigéria 54,83 34

2º Ásia Tailândia 30,02 18

3º Ásia Indonésia 23, 44 14

4º América Latina Brasil 23,24 14

5º África Rep. Dem. do Congo 16,61 10

5º África Gana 16,52 10

Total 3 6 164,66 100

Fonte: CONAB, 2017.

A soma da produção dos seis países é de 58,4% do total mundial. Com isso, é

indiscutível a capacidade destes países para rodução do tubéculo.

A localização dos seis países principais produtores de mandioca são nos continentes

considerados em desenvolvimento. Esse dado dá um noção sobre o perfil do sujeitos que

desenvolvem atividades da mandiocultura na escla globa. são populações pobres, com trabalho

familiar e comunitário, que estão em ambientes rurais. A produção está relacionada como os

hábitos alimentares das populações locais.

A mandioca tem uma grande importância na alimentação direta de populações

camponesas, além da garantia da comercialização em diferentes tipos de mercado.

Entre os estados brasileiros maiores produtores de mandioca, o Pará se destacou,

ocupando o primeiro lugar (Tabela 1) no ranking nacional em 2017 (IBGE, 2018, EMBRAPA,

2017). Mesmo com o Pará na posição de maior produtor de mandioca do Brasil, não se constata

políticas estatais específicas voltadas para o desenvolvimento produtivo e econômico do setor.

Tabela 2. Principais estados produtores de mandioca

Ranking Estado Produção (t) Àrea plantada (ha) Total em (%)

1º Pará

4.234.597 570.846

20,97%

2º Bahia

2.078.752 230.143

13,65%

3º Maranhão

1.315.554 293.945

10,74%

4º Paraná

3.046.721 125.716

8,93%

Demais estados 45,71%

Brasil 100%

Fonte:Silva (2019). Elaborado pelo autor com base nos dados da EMBRAPA, 2017.

O cultivo da mandioca está disseminado por todas as regiões do estado do Pará. No

território bragantino, a mandioca foi integrada ao Sistema Bragantino de Produção (SBP). Esse

sistema foi sistematizado pela Embrapa Amazônia Oriental na região bragantina no Nordeste

Paraense em parceria com os agricultores familiares a partir da observação do sistema de

produção praticadas pelas famílias.

O SBP tem como principal característica a diversificação de produtos por meio de

consórcios. Para Galvão (2008, p. 3), a lógica de produção do SBP é considerada como “um

modelo de produção agrícola inovador, envolvendo rotação e consórcio de culturas” que

ocorrem nas roças de inverno

1

. Nesta lógica de cultivo, a mandioca recebe destaque entre as

culturas alimentares que formam o mosaíco da produção.

Este sistema vem sendo divulgado por técnicos extensionistas das Emate´s, prefeituras

municipais e pela Embrapa Amazônia Oriental por meio da cartilha “Sistema Bragantino para

a Agricultura Familiar: Passo a Passo” (GALVÃO, 2008).

O SBP foi sistematizado levando em consideração:

as peculiaridades da agricultura familiar e empresarial, que tem como premissa básica

a recuperação de áreas degradadas, o uso do plantio direto, o aumento da

produtividade das culturas, a melhoria da qualidade de vida do agricultor e a

preservação ambiental (GALVÃO, 2008, p.13).

O Estado do Pará, ocupa uma área de 1.247.955,381 Km² o que representa 29,73% da

Amazônia brasileira e 14,65% do território nacional. O estado está dividido em seis

mesoregiões: Baixo Amazonas, Marajó, Metropolitana de Belém, Nordeste Paraense, Sudoeste

Paraense e Sudeste Paraense. A Região Nordeste Paraense corresponde a uma área de 83.316,02

km² em cinco microrregiões, a saber: a) Bragantina, b) Cametá; c) Guamá; d) Salgado e e)

Tomé-Açu é a considerada mais antiga fronteira de colonização do estado do Pará

(CORDEIRO, ARBAGE e SCHWARTZ, 2017).

A antropização da região foi acelerada com a construção da rodovia federal Belém –

Brasília como parte da estratégia do Plano de Integração Nacional (PIN) que previa o

povoamento da região amazônica. O dinâmico processo de deslocamento de populações de

outras regiões do país refletiu na transformação ambiental, social, cultural e político.

Tanto a pecuário como a cultura alimentar foram influenciadas por este contexto. As

características da ocupação espacial do território bragantino no passado faz que o SBP tenha

uma boa aceitação entre os camponeses. Possivelmente a aceitação tem relação com diversidade

cultivada. As espécies que constituem o SBP se relacionam com as espécies usadas na base da

alimentação humana da população do território, que são: o milho, o arroz, o feijão-caupi e a

mandioca.

A mandioca é o carro chefe do sistema. Mesmo que o SBP seja bastante popularizado

entre os agricultores no território bragantino, muitas famílias ainda cultivam a mandioca de

forma solteira ou não consociada (Gráfico 2).

1 Roçados de invernos são roças formadas no período do início do inverno que compreende o mês de novembro a

janeiro.

Gráfico 1. Roças cultivadas solteiras e em sistema de consócio

Fonte:Elaborado pelo autor com base nos dados coletados nas entrevistas.

Vale ressaltar que o plantio de mandioca consorciado com outros cultivos, não é feito

apenas no sistema bragantino. Muitos agricultores não conhecem ou não tem preferência pelo

SBP de cultivo, o que não determina que o plantio não seja consorciado. Os cultivos alimentares

mais utilizados em sistema de rotação e consórcio com a mandioca são: o milho, o feijão e o

arroz como representadas no gráfico 2.

Gráfico 2. Cultivos alimentares em sistema de consócio com a mandioca

Fonte:Dados de pesquisa de campo (2018).

Entre as espécies alimentares selecionadas para o cultivo consorciado o feijão-caupi foi

a cultura que maisse destacou. Em seguida aparece o cultivo do milho (nativo e híbrido), e em

terceiro o arroz nativo.

0 2

4 6

8

10

12

Solteira

Consóciada

0

2

4

6

8

10

12

Milho Feijão Arroz Outros

Ve

ze

s

que

a

s

cul

tur

as

f

o

ra

m

c

it

ada

s

A grande produção do feijão-caupi na região tem relação direta com o alto consumoentre

os camponeses e a preferência da população, porém, além de fatores da cultura alimentar

diretamente ligada a origem nordestina da ocupação da região, se associa questões como

facilidade de armazenamento e a adaptação da espécie às condições de solo com baixa

fertilidade.

O milho é plantado para o consumo humano e animal. No caso do consumo humano,

geralmente é consumido verde em diferentes pratos (mingau, pamonha, canjica ou no estado

assado e cozido) principalmente no período que antecede e durante a Semana Santa. Nesta

época, a procura aumenta consideravelmente, o que leva os agricultores produtores deste cereal

a organizar o calendário de plantio com período de colheita na Semana Santa. O consumo do

milho seco é comum na alimentação de pequenos animais de aves, de suínos e na

complementação alimentar dos equinos.

O arroz é o menos cultivado na região, na dieta das famílias rurais e urbanas no nordeste

paraense, bem como, na capital do estado o arroz é consumido diariamente. As explicações

mais recorrentes para o desinteresse do cultivo da espécie é a grande oferta do produto

processado a preço baixo

2

no mercado local. A segunda causa está associada a dificuldade de

comercialização do produto in natura e, por último, aparece a diminuição da fertilidade do solo

para o cultivo desta espécie. Estes fatores somados são causas que vem desmobilizando os

agricultores a cultivarem o arroz.

No item “outros” aparecem espécies cultivadas, como o Quiabo (Abelmoschus

esculentus), o Jerimum (Curcubita), o Maxixe (Cucumis anguria), a Melancia (Citrullus

lanatus) que foram citados entre uma e duas vezes pelos entrevistados. Essas espécies são

cultivadas em microambientes no interior do sistema e em quantidade menores que as demais.

Seu objetivo principal é o auto consumo familiar. Em casos excepcionais de produção de

excedente, os mesmos são comercializadas em diferentes mercados..

Se tratando do item “outros”, identificamos um caso específico em que o plantio de

mandioca foi consorciado com três espécies florestais. Este tipo de cultivo não é comum entre

os agricultores pesquisados, porém a experiência chamou a atenção. Esta modalidade de cultivo

– que envolve espécies alimentares e florestais – é denominada de Sistema Agroflorestal – SAF

(MARTINS, AMADOR e VIANA, 1998; RIGHI e BERNADES, 2015).

2 O arroz consumido na região em grande parte vem das produções do Sul, do Sudeste e Centro-Oeste do País.

Nos últimos anos o arroz vem sendo produzido em escala no Arquipélago do Marajó em experiências iniciais na

região de Ipixuna do Pará em área de reforma agrária como no Projeto de Assentamento Enalco.

As três espécies florestais: Maravuvuia (Croton Matourensis aubl.), Ingá cipó (Inga

edulis), Tapiririca (Tapirira guianensis) cultivadas no SAF foram introduzidas no sistema e

vem sendo chamado de “Roça de lenha para produção de bioenergia”, cujo o objetivo principal

é a produção de lenha para uso como combustão na fabricação de farinha e uso doméstico no

preparo de alimentos nas unidades familiares.

A roça de lenha para produção de bioenergia vem sendo desenvolvido pelo Técnico da

Emater/PA do Escritório Local de Bragança Adriano da Paixão Fonseca

3

em parceria com

agricultores participantes da Feira da Agricultura Familiar do município de Bragança Pará. As

experiências estão em fase inicial de teste, portanto, os resultados coletados são parciais (MCP,

2018).

Os municípios do Território Bragantino se destacam entre os municípios produtores de

mandioca no Pará (Tabela 3).

Tabela 3. Produção da mandioca nos municíos paraenense

Área plantada Produção

Municípios ha Ranking Municípios ha Ranking

Santarém 21.770 1º Acará 356.000 1º

Acará 18.300 2º Santarém 217.700 2º

Oriximiná 16.000 3º Oriximiná 192.000 3º

Juruti 12.000 3º Alenquer 170.000 4º

Óbidos 12.000 4º Óbidos 144.000 5º

Portel 11.000 5º Santa. Maria 140.000 6º

Viseu 10.330 6º Viseu 139.455 7º

Bragança 5.000 13º Bragança 75.150 15º

Augusto Corrêa 4.504 15º Tracuateua 45.120 27º

Tracuateua 3.010 22º Augusto Corrêa 45.050 28º

Santa Luzia do Pará 850 50º Santa Luzia 10.625 66º

Fonte: Adaptado pelo autor. EMBRAPA, 2017.

Diante da quantidade de municipios (144 unidades), da área total plantada (295.137

hectares) e do universo da produção (4.234.597 toneladas) do Estado no Pará, os municípios do

território ocupam posição considerável no Ranking estadual. Somando os cincos municípios do

território, a área total plantada foi de 23.694 hectares, o que representa 8%, enquanto a produção

foi produção de 315.400 toneladas, representando 7,4% do volume de total.

3 A proposta de “Roça de lenha para produção de Bioenergia” foi apresentada pelo Eng. Agrônomo e Extensionista

Rural Adriano da Paixão Fonseca por ocasião do intercâmbio entre os camponeses de Bragança e Igarapé – Açu

na comunidade do km 12 em 06 de fevereiro de 2018 (Igarapé – Açu).

Nos diferentes sistemas de cultivo consorciado, a mandioca é a principal espécie do

sistema. Com efeito, isso mostra o potencial da produção na região. A principal finalidade do

cultivo da mandioca é a fabricação da farinha, que no território bragantino conserva

características próprias que a destaca em relação às outras regiões do estado. As características

da farinha produzida no território lhe conferem fama e credibilidade no mercado local, regional

e nacional.

O itinerário técnico do cultivo da mandioca segue etapas que são conhecidas pelos

camponeses da região. No entanto, essas etapas podem sofrer pequenas variações em função da

situação específica de cada família. O primeiro passo é a definição da área para plantio. Os

agricultores definem a área a ser plantada, usando critério que se diferenciam de acordo com

cada família e a disponibilidade de área.

O principal critério é o pousio

4

ou terra descansada como é chamada pelos agricultores,

seguido da qualidade do solo da área escolhida e em terceiro o tipo de vegetação

(principalmente a altura da capoeira) e espécies vegetais

5

localizadas na área. Neste último, a

incidência de determinada plantas na área pode ser um indicador das condições do solo. Outro

fator levado em conta é o histórico da área (se já ocorreu doença da podridão, se é passível de

alagamento). Os critérios mudam de acordo com o tipo de roça a ser formada.

Definida a área, a formação do roçado acontece por meio de dois métodos. O primeiro

se baseia no método tradicional do uso de fogo para limpeza da área conhecida como corte e

queima. O segundo inclui tecnologias agrícolas com uso mecânico de equipamentos , também

chamada de mecanização de área.

A formação de roças no sistema de corte e queima é considerada uma prática complexa

que envolve as etapas: a derrubada, a queima e regeneração da floresta (VELTHEM e

EMPERAIRE, 2016). No nordeste paraense, considerando o perfil da floresta existente

acrescentamos a atividade da broca antes da derruba e a coivara após a queima. Isso não é uma

regra geral na formação dos roçados, mas muito comum entre os agricultores.

No sistema de mecanização de área, a patrulha mecanizada (trator com arado) faz de

dois a três cortes na terra e na maioria das vezes faz-se a correção do solo com aplicação do

calcário. O tipo de capoeira ideal para este tipo de sistema varia, não sendo um tipo apenas. De

acordo com o porte da vegetação se defini o tipo de maquinário

6

a ser usado.

4 Tempo de repouso entre um plantio e outro para reconstituição da biomassa e recuperação da fertilidade do

solo. É fundamental para sustentabilidade ecológica do ambiente.

5O tipo de vegetação é considerado como fator indicador de fertilidade do solo, por isso ocorre a escolha de tal

área.

Cumpridas as etapas de preparo da área, se inicia a seleção e escolha da variedade da

maniva a ser plantada. De acordo com as características do solo faz-se a seleção da maniva,

podendo ser macaxeira (mandioca mansa) ou maniva de mandioca brava, conforme experiência

que designe melhor adaptação as condições e finalidade do plantio. A opção pela macaxeira

tem a ver com o fato do ciclo de produção (plantio a colheita) ser curto, que varia em média de

seis a oito meses.

No caso do sistema corte e queima geralmente o plantio acontece após as primeiras

chuvas entre novembro e janeiro. As sementes de manivas são picotadas com medidas de 20cm

de comprimento, contendo de cinco a seis gemas. Disposta apenas uma semente grossa

(maniva) por cova, num espaçamento de 1m x 1m (1m entre covas e 1m entre linhas). No caso

das áreas mecanizadas, o solo para pré-plantação é trabalhado com arado e calcário. As hastes

medem de 13 a 20cm com 5 a 6 gemas plantadas com espaçamento de 0,5m x 0,5m (50cm entre

covas e 50cm entre linhas) (CESUPA, 2016a).

O modo de plantar é manual. É comum neste momento juntar todos os membros da

família para o plantio, dependendo do tamanho da área se envolve outras famílias através de

mutirões. O calendário de plantio da mandioca se divide em dois períodos, denominados de a)

roçados de inverno e b) roçados de verão. O primeiro período corresponde ao início das chuvas,

que vai de novembro a janeiro, enquanto o segundo vai do meado do mês de junho ao mês de

julho. Estes períodos podem oscilar de acordo com os intemperes naturais.

No uso das sementes para novos plantios, algumas famílias arrancam os pés de manivas

inteiro ao invés de cortá-lo, desta forma o tempo de vida do vegetal se prolonga. Essa técnica é

muito comum entre os agricultores familiares, principalmente em período em que os novos

roçados estão em fase de formação. Neste caso as hastes são acomodadas em pequenos feixes

com médias de 50 unidades, acondiciondas em local protegido do sol as margens do roçado ou

embaixo das árvores nos sítios. Este procedimento tem por finalidade esperar a maniva murchar

(perder o leite das hastes), processo que lhes asseguram maior fertilidade das sementes.

As variedades introduzidas são observadas atentamente pelas famílias, e, ao final do

ciclo produtivo comparam as vantagens e desvantagens das sementes adquiridas. Os testes são

fundamentados nos conhecimentos tradicionais, ou seja, os mais velhos das comunidades, ou

mesmo entre as famílias especializadas na produção de mandioca avaliam a diferença. Com

base no rendimento da mandioca e no trabalho gerado fazem o comparativo entre as variedades,

atestando e elegendo as mais rentáveis.

No documento Universidade Federal do Pará (páginas 37-45)