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O PROCESSO TERMINOGRÁFICO: PRÉ-TERMINOGRAFIA, TERMINOGRAFIA E PÓS-TERMINOGRAFIA

2. O PROCESSO TERMINOGRÁFICO

2.4. O PROCESSO TERMINOGRÁFICO: PRÉ-TERMINOGRAFIA, TERMINOGRAFIA E PÓS-TERMINOGRAFIA

Sabemos que grande parte da Química que hoje conhecemos seria impossível sem os desenvolvimentos da Física Quântica, que os dispositivos matemáticos de Riemann foram decisivos para a Física da Relatividade, que a Biologia de Darwin é devedora da Economia concorrencial de Adam Smith (Pombo, 2006:519).

Como anteriormente referido, é com base no modelo para o processo tradutivo, proposto por Gouadec, que apresentamos uma caracterização do processo terminográfico, tomando como exemplo específico a elaboração de uma base de dados terminológica sobre alimentos funcionais, destinada a um público não-especialista – o consumidor.

O modelo apresentado por Gouadec para a Tradução, acima referido, foi, contudo, concebido para o contexto profissional, englobando, assim, um conjunto de operações de gestão, de negociação e de contacto com o cliente, específicas da prestação de serviços. A presente investigação, por seu lado, está a ser desenvolvida em contexto académico, embora vise a futura aplicação industrial do produto que propõe. Assim sendo, para além da nossa proposta se basear apenas na divisão por fases do processo tradutivo – e não, dada a sua especificidade, nas etapas que constituem cada fase deste processo –, tão-pouco comporta etapas próprias da actividade empresarial.

No entanto, dado o actual debate e importância atribuída à relação do terminógrafo com o mercado de trabalho24, seja por uma crescente necessidade, por parte das empresas, da prestação de serviços em Terminografia, seja pela maior consciencialização, pelo terminógrafo, da relevância de iniciativas de difusão da sua actividade, além do contexto académico e/ou institucional, como

24 Atentemos, a título de exemplo, ao Seminário da Associação Europeia de Terminologia,

sob o tema “The Terminology Profession and the Marketplace”, que tomou lugar em Paris, em Fevereiro de 2009: www.eaft-aet.net/.

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forma de criar necessidades ainda não existentes e/ou ainda latentes no mundo empresarial, relativas os produtos que desenvolve e/ou aos serviços que presta, seria fundamental que, à caracterização que propomos, fossem futuramente acrescentadas as etapas que correspondem à execução do processo terminográfico em contexto profissional.

Propomos, por conseguinte, à semelhança do processo tradutivo, organizar e agrupar as várias etapas que constituem o processo terminográfico, em três grandes fases: a fase de pré-terminografia, a fase de terminografia e a fase de

pós-terminografia. Cada fase subdivide-se em etapas e, algumas destas, em

subetapas. Em termos gerais, poderemos atestar que na fase de pré-

-terminografia é desenvolvido um trabalho preparatório essencial à subsequente

fase executória de elaboração do recurso terminológico – fase de terminografia. A última fase – fase de pós-terminografia – compreende esforços desenvolvidos no sentido de impulsionar a aplicação industrial do recurso elaborado, e a sua posterior constante actualização.

A nossa proposta surge da necessidade de ser explicitamente considerada uma vertente comunicativa de análise no processo terminográfico, conjuntamente com as vertentes conceptual e textual.

A relevância da proposta recai, de igual forma, sobre a demarcação de três diferentes fases que constituem este processo, as quais, apesar de visarem objectivos distintos, se inter-relacionam e condicionam mutuamente, como demonstraremos mais à frente.

Esta segmentação vem, ainda, permitir salientar a importância – e também a morosidade – das várias etapas que antecedem as operações de recolha e/ou de elaboração de conteúdos a incluir no recurso terminológico em construção. Estas etapas iniciais encontram-se, pois, agrupadas numa primeira fase, considerada como preparatória – a fase de pré-terminografia.

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Do mesmo modo, a organização proposta possibilita a consideração de uma fase final, uma vez elaborado o recurso terminológico, que viabiliza a sua aplicação industrial – se for este o objectivo –, assim como a actualização dos conteúdos aí presentes – a fase de pós-terminografia.

Passaremos, de seguida, à sistematização – e posterior descrição – das três fases do processo terminográfico, e das etapas e subetapas que as constituem (Tabela 3). Estas etapas e subetapas estão adaptadas às nossas necessidades e objectivos específicos – de elaboração de uma base de dados terminológica sobre alimentos funcionais para o consumidor –, e é nessa óptica que serão apresentadas. Consideramos, ainda, importante, mais uma vez, salientar que a proposta se reporta a um recurso de natureza monolingue.

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Processo terminográfico

Fases Etapas e subetapas

p -t er m in o g ra fi a  estabelecimento de objectivos;

 representação conceptual da área de especialidade; o delimitação da subárea de especialidade;

 identificação dos contextos comunicativos na subárea de especialidade; o delimitação dos contextos comunicativos no discurso vulgarizado;

 constituição de corpora especializados;

o constituição do corpus e selecção do subcorpus em análise; o constituição do corpus de referência;

te rm in o g ra fi a

 arquitectura do recurso terminológico;  constituição da terminologia;

o elaboração de listas de formas;

o identificação de candidatos a termos por via de listas de formas simples; o identificação de candidatos a termos por via de listas de formas complexas; o identificação e sistematização de casos problemáticos e/ou de

particularidades terminológicas;  elaboração dos sistemas conceptuais;  elaboração de definições;

o elaboração de concordâncias;

o identificação de contextos ricos em informação conceptual; o identificação e destaque de características conceptuais; o sistematização das características conceptuais identificadas; o redacção da definição;

 preenchimento das fichas terminológicas;  validação dos conteúdos;

p ó s- te rm in o g ra fi a

 procedimentos para a aplicação industrial do recurso terminológico;  actualização dos conteúdos.

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A fase de pré-terminografia constitui, à semelhança da fase de pré- -tradução, uma fase preparatória, em que é realizado um conjunto de tarefas essenciais à execução da fase posterior – a fase de construção do recurso terminológico propriamente dita. Esta primeira fase abrange, para além da etapa de estabelecimento de objectivos, a representação conceptual da área de especialidade, a identificação dos contextos comunicativos e a constituição dos

corpora especializados. Nestas três últimas etapas enumeradas estão

compreendidas, respectivamente, as vertentes conceptual, comunicativa e textual de análise que compreendem o processo terminográfico.

No início deste processo, importa, pois, estabelecer os objectivos que o motivam. Apresentamos, abaixo, uma enumeração das questões que nos colocámos nesta primeira etapa, juntamente com as respectivas respostas25:

• Qual o problema inicial?

o A necessidade de informação ao consumidor, no que concerne géneros alimentícios com alegações de saúde, disponíveis no mercado – os denominados alimentos funcionais.

• Qual a possível solução?

o A elaboração de uma base de dados terminológica sobre alimentos funcionais.

• Qual a finalidade da base de dados terminológica?

o Constituir um instrumento de divulgação da ciência, ao fornecer informação complementar e adicional áquela que está presente na rotulagem dos supracitados géneros alimentícios.

• Qual a (sub)área de especialidade?

o Alimentos Funcionais, uma subárea das Ciências da Nutrição.

25 Ressaltamos que as perguntas e as respostas apresentadas se reportam ao contexto

113 • Qual(ais) o(s) público(s)-alvo?

o O consumidor.

• Qual(is) a(s) língua(s) de trabalho? o O português europeu.

Após o estabelecimento de objectivos, inicia-se a etapa de representação conceptual da área de especialidade em estudo – no caso concreto, as Ciências da Nutrição –, com base em fontes e recursos específicos, como forma de nos familiarizarmos com a mesma.

Porém, e em consonância com as etapas referidas por Rondeau –

première délimitation du sous-domaine (1984 :74) – e por Arntz, Picht e Mayer – Aufteilung des Fachgebietes in kleinere Einheiten (2004:219) –, para o processo

terminográfico, e dada a extensão das Ciências da Nutrição, considerámos, para a etapa em questão, uma subetapa de delimitação da subárea de especialidade. Esta etapa e subetapa, que constituem a vertente conceptual de análise do processo terminográfico, estão pormenorizadamente descritas no Capítulo III do presente trabalho.

A terceira etapa da fase de pré-terminografia compreende a identificação dos contextos em que a comunicação na subárea em estudo se processa, para posterior selecção daqueles contextos específicos em que o discurso vulgarizado é produzido. Esta constitui a vertente de análise comunicativa do processo terminográfico e está detalhadamente caracterizada na primeira parte do Capítulo IV.

A última etapa consiste na constituição dos corpora especializados, com base nos textos que são produzidos nos contextos comunicativos identificados na etapa anterior e é composta por duas subetapas: a constituição do corpus de estudo e a selecção de um subcorpus específico de análise, no âmbito do presente trabalho de investigação; e a constituição do corpus de referência. Esta

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etapa constitui a vertente de análise textual e é detalhadamente descrita na segunda parte do Capítulo IV.

As etapas acima enumeradas – com excepção da primeira –, que não se realizam necessariamente de forma consecutiva, mas, por vezes, em simultâneo, estão apresentadas e caracterizadas, no presente trabalho, ao longo de dois capítulos. A extensão de texto dedicada a estas questões permite retratar a importância da fase de pré-terminografia. Efectivamente, foi durante a realização destas etapas que adquirimos um conjunto de competências – a nível conceptual, comunicativo e textual – na área em estudo, que nos permitiram não só reunir e organizar os textos que serviram de fonte de extracção de informação, como também, a partir desta, identificar candidatos a termos e contextos ricos em informação conceptual, para a elaboração de definições – na fase de

terminografia.

A fase de terminografia, no seguimento do trabalho desenvolvido na fase anterior, é constituída por um conjunto de etapas que visam a elaboração, propriamente dita, do recurso terminológico. Aqui, em seis etapas, estão incluídas operações que vão desde a concepção da arquitectura do recurso terminológico, à validação dos conteúdos que o irão popular. Esta fase está descrita, em pormenor, ao longo do Capítulo V do presente trabalho.

A primeira etapa da fase de terminografia consiste, portanto, na concepção da arquitectura – no caso específico – da base de dados terminológica sobre

alimentos funcionais.

Definidas as questões estruturais do recurso, é iniciada a etapa de constituição da terminologia, que compreende as subetapas de elaboração de listas de formas e de posteior identificação de candidatos a termos por via de listas de formas simples e por via de listas de formas complexas. Estas listas são elaboradas com recurso a uma ferramenta do programa de análise lexical Oxford

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WordSmith Tools – WordList. A especificidade das ferramentas utilizadas e a

adequação do seu uso serão, de igual forma, reportadas ao longo do Capítulo V do presente trabalho.

Nesta etapa está incluída, ainda, uma outra subetapa – a identificação e sistematização de casos problemáticos e/ou de particularidades terminológicas – que passaremos a descrever. Esta subetapa é, em muito, semelhante à etapa referida por Cabré, denominada tratamiento y resolución de los casos

problemáticos (1993:269). Contudo, diferentemente da autora, estamos a

considerar aqui apenas operações de identificação e de sistematização, uma vez que consideramos que – e no que concerne os casos problemáticos – as operações de tratamento e de possível resolução de casos problemáticos serão executadas em etapas subsequentes, e não numa etapa específica, para que cada caso problemático possa ser analisado e tratado individualmente. Esta identificação e sistematização vêm, sim, permitir e facilitar o posterior tratamento de cada caso.

A terceira etapa da fase de terminografia consiste na elaboração dos sistemas conceptuais, com base na terminologia recolhida, a incluir na base de dados terminológica sobre alimentos funcionais. Arnzt, Picht e Mayer são, como já anteriomente referido, os únicos autores que incluem esta etapa na descrição do processo terminográfico que apresentam (ver 2004:219).

A esta etapa segue-se a etapa de elaboração de definições, a qual é constituída por cinco subetapas: a elaboração de concordâncias; a identificação de contextos ricos em informação conceptual; a identificação e destaque de características conceptuais; a sistematização das características conceptuais identificadas; e, por fim, a redacção da definição.

Na quinta etapa da fase de terminografia procede-se ao preenchimento das fichas terminológicas, que consiste, fundamentalmente, numa operação de

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insersão de dados, obtidos em resultado dos processos de constituição da terminologia e de elaboração de definições.

Por fim, consideramos a etapa de validação dos conteúdos por especialistas, ou seja, por membros da comunidade de nutricionistas, a qual visa a gestão da qualidade dos conteúdos presentes na base de dados terminológica.

A fase de pós-terminografia compreende, por último, etapas que visam a aplicação industrial do recurso terminológico, assim como a sua posterior constante actualização. É, pois, uma fase que decorre a médio e longo prazos e que pressupõe que os conteúdos presentes na base de dados terminológica, validados por especialistas, estejam prontos a ser disponibilizados ao público-alvo da mesma.

A primeira etapa da fase de pós-terminografia é, por conseguinte, referente aos procedimentos necessários para a aplicação industrial do recurso terminológico, através, por exemplo, da protecção da propriedade intelectual, do desenvolvimento de um protótipo e/ou de estabelecimento de contratos de licenciamento, por profissionais especializados em transferência e comercialização de tecnologia.

A segunda etapa concerne a posterior actualização da base de dados terminológica. Em nenhuma das caracterizações do processo terminográfico anteriormente analisadas é, com efeito, incluída uma etapa que compreenda a actualização dos conteúdos. Porém, ao considerarmos a natureza dinâmica do conhecimento (ver 1.1), não poderíamos propor uma metodologia de elaboração de uma base de dados terminológica que não previsse uma etapa de actualização da mesma. Efectivamente, o carácter dinâmico do conhecimento implica necessariamente alterações na sua estrutura, seja para incluir novos conceitos e/ou alterar conceitos já existentes, seja para eliminar conceitos previamente considerados. Estas modificações terão repercussões a nível terminológico e

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requerem, pois, uma constante actualização do recurso elaborado, evitando que este se torne inoperante.

A descrição desta última fase – centrada em objectivos de transferência de tecnologia e/ou de comercialização – não constitui, no entanto, objecto do nosso trabalho de investigação. Contudo, uma referência à mesma é feita na Conclusão deste trabalho, como forma, essencialmente, de apontar para trabalho futuro. O objectivo será de promover a aplicação industrial de um recurso terminológico elaborado e desenvolvido em contexto académico.

Para além disso, visa-se fomentar o desenvolvimento do processo terminográfico em contexto empresarial, com vista a que Terminografia se afirme no mercado de trabalho, crescentemente disponibilizando produtos e/ou serviços concorrenciais e de qualidade.

A proposta de descrição do processo terminográfico que apresentamos caracteriza-se, assim, pela sua organização em três grandes fases – a fase de

pré-terminografia, a fase de terminografia e a fase de pós-terminografia – e por

compreender três vertentes de análise – a vertente conceptual, a vertente

comunicativa e a vertente textual. Ao longo deste trabalho de investigação

centrar-nos-emos, no entanto, apenas nas duas primeiras fases supramencionadas e nas etapas que as constituem, e demonstraremos, de igual forma, como a consideração das três vertentes de análise na fase de pré- terminografia – uma fase preparatória – coadjuva e influencia o trabalho desenvolvido na fase de terminografia – a fase de elaboração da base de dados terminológica.

Efectivamente, havíamos acima referido a presença da vertente conceptual – através da etapa de representação conceptual da área de especialidade e da subetapa de delimitação da subárea de especialidade –, da vertente comunicativa – através da etapa de identificação dos contextos comunicativos – e da vertente

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textual de análise – através da etapa de constituição de corpora especializados – na fase de pré-terminografia (ver pág. 112).

Por seu lado, na fase de terminografia, a exploração do corpus em estudo – concretamente com vista à identificação de candidatos a termos e à identificação de contextos ricos em informação conceptual – é efectuada tendo em conta a sua organização por contextos comunicativos. Estão, portanto, também aqui presentes as vertentes textual e comunicativa.

Do mesmo modo, a vertente conceptual está presente nesta fase, na etapa de constituição da terminologia, particularmente na identificação de candidatos a termos, a qual é efectuada tendo por base, para além do critério de frequência, o critério de pertença à área de especialidade – ou seja, é verificado se as formas extraídas do corpus denominam um conceito da subárea de especialidade; na etapa de elaboração dos sistemas conceptuais; e na etapa de elaboração de definições, especificamente na identificação de contextos ricos em informação conceptual a partir de concordâncias efectadas no corpus e na identificação e destaque das características conceptuais.

CAPÍTULO III

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