• Nenhum resultado encontrado

VISÃO INTERDISCIPLINAR DA ÁREA DE ESPECIALIDADE

612 FISIOLOGIA FISIOLOGIA HUMANA E COMPARADA

C. Relatórios produzidos no contexto do Processo de Bolonha

3.4.2. VISÃO INTERDISCIPLINAR DA ÁREA DE ESPECIALIDADE

Quando abordamos as disciplinas compartimentadas – com vocabulário, linguagem próprios de cada disciplina –, temos a impressão de estarmos perante um quebra-cabeças cujas peças não conseguimos encaixar umas nas outras a fim de vermos aparecer uma figura (Morin, 2001a:430).

Esta citação de Morin retoma as questões da – eventual – incompatibilidade entre a hiperespecialização e a interdisciplinaridade, sobre as quais já havíamos reflectido (ver 1.1.3). Reiteramos, novamente, a importância do diálogo e da partilha interdisciplinar. Descontextualizar e traçar fronteiras rígidas ao tentar definir uma área do conhecimento pode acarretar uma fragmentação artificial que não nos permite apreendê-la na sua dinâmica e na sua pertença a um todo que a caracteriza e do qual depende.

Do mesmo modo que existe permeabilidade entre as áreas, assim também circulam os seus termos e confluem os seus discursos. Efectivamente, um termo pode ser usado em mais do que uma área de especialidade, quer conservando, quer alterando, as características do conceito que o constitui: “un concepto puede formar parte de la estructura conceptual de distintas disciplinas conservando, cambiando o matizando sus características” (Cabré, 1999e:121).

As Ciências da Nutrição foram-se constituindo com uma relativa independência face a disciplinas conexas, por razões de necessidade de definição e circunscrição do seu objecto de estudo e de afirmação enquanto área do conhecimento. No entanto, esta ciência dos meados do séc. XIX converge em si conhecimentos, metodologias, discursos e terminologias de outras áreas, com as quais estabelece relações de reciprocidade dialógica: as Ciências da Saúde e da Vida; as Ciências Agrárias e a Engenharia Alimentar; as Ciências Físicas; e as Ciências Sociais, da Comunicação e da Educação.

176

Constituindo a nutrição um fenómeno fisiológico e metabólico humano, directamente dependente da alimentação e indispensável à vida, poderemos definir o conhecimento que sobre este é produzido como o estudo da ingestão de nutrimentos e de outras substâncias não nutrientes presentes nos alimentos; da sua acção e influência na e para a saúde e bem-estar humanos; assim como na e sobre a doença.

Consciente da interacção do estilo de vida – onde se inclui a alimentação –, do ambiente e das características genéticas na determinação da saúde ou da doença do ser humano, o especialista em Nutrição não deve, por conseguinte, encarar a alimentação e a nutrição humanas como fenómenos estritamente biológicos, mas, sim, como fenómenos humanos complexos e interaccionais:

Reduzir a alimentação/nutrição a uma mera actividade biológica é um dos obstáculos a que os conhecimentos científicos actuais se possam traduzir num padrão alimentar saudável. Este divórcio entre conhecimentos e hábitos alimentares deve-se, em grande parte, ao facto dos ensinamentos sobre alimentação/nutrição, excessivamente ‘medicalizados’, com frequência descurarem outros aspectos da escolha alimentar como os culturais, religiosos, sociais, psicológicos e económicos. É portanto fundamental que a alimentação/nutrição seja vista sob a sua perspectiva global, ecológica e não meramente biológica (Almeida, 2004:104).

Recentemente, na Universidade de Giessen, na Alemanha, foram debatidos novos princípios, objectivos e uma nova definição para as Ciências da Nutrição, de forma a esta poder abarcar e dar resposta aos desafios que caracterizam a sociedade do século XXI. Num artigo publicado em Setembro de 2005 na revista Public Health Nutrition, pode ler-se o seguinte:

Nutrition science is defined as the study of food systems, foods and drinks, and their nutrients and other constituents; and of their interactions within and between all relevant biological, social and environmental systems (Beauman et al., 2005:786).

177

Para além da importância da dimensão biológica – base da constituição desta ciência –, este documento defende, do mesmo modo, a integração das dimensões social e ambiental. A Declaração de Giessen assoma no seguimento de uma mudança de paradigma que tem vindo a afectar o conhecimento de uma maneira geral, e que se caracteriza pela compreensão da complexidade da realidade; pela crescente importância da interdisciplinaridade no avanço científico e tecnológico; e pela também crescente responsabilidade social da ciência para com o indivíduo, em particular, e para com o planeta, em geral. Esta nova tendência perspectiva a Nutrição além dos aspectos fisiológicos, bioquímicos e biomédicos que a compreendem, enquandrando-os, de igual forma, nas dimensões social, económica e política da humanidade, ou seja, num contexto integrativo que encara o ser humano como um ser biológico, psicológico e ambiental, no seu sentido mais lato:

The purpose of nutrition science is to contribute to a world in which present and future generations fulfil their human potential, live in the best of health, and develop, sustain and enjoy an increasingly diverse human, living and physical environment (Beauman et al., 2005:786).

Ao familiarizarmo-nos com as características e a especificidade da área em estudo – as Ciências da Nutrição – adquirimos, por conseguinte, uma visão interdisciplinar da mesma, perspectivando-a não de uma forma estanque e isolada na esfera no conhecimento, mas, sim, no diálogo que estabelece com outras áreas, sem, no entanto, a desprover da sua autonomia enquanto ciência com um objecto de estudo e com uma terminologia específicos. Para além disso, tendo em conta que muitos objectos de investigação só se constituem na sequência e/ou como consequência de uma perspectiva interdisciplinar, esta perspectiva por nós adoptada permitiu-nos melhor compreender a natureza heterogénea da subárea em estudo: Alimentos Funcionais.

178

Porém, a partir do momento em que se possui um certo número de instrumentos conceptuais que permitem reorganizar os conhecimentos, (…) há a possibilidade de começar a descobrir o rosto de um conhecimento global, mas não a fim de chegar a uma homogeneidade no sentido holista que sacrifica a visão das coisas particulares e concretas numa espécie de bruma generalizada (2001a:430-431).

Trata-se, segundo o autor, da ligação do todo com as partes e das partes com o todo, sem, no entanto, reduzir a ideia de globalidade à homogeneidade. Nesta linha de conta, tentámos reflectir na representação conceptual das Ciências da Nutrição uma visão interdisciplinar da mesma.