• Nenhum resultado encontrado

O produto esporte e seus processos comunicacionais

No documento Download/Open (páginas 94-100)

Capítulo III – O MUNDO DOS ESPORTES TAMBÉM SE

1. Definições e conceitos sobre o marketing esportivo

1.1. O produto esporte e seus processos comunicacionais

O consumo do esporte faz parte da maioria das nações e solidificou-se como um dos elementos sociais de grande impacto na constituição das identidades (tema a ser desenvolvido mais à frente neste capítulo). Assim, se o esporte é algo vivo na estrutura social, sua constituição deve ser considerada mutante. O esporte não pode ser analisado como se fosse um produto comum, em que o produtor controla todas as etapas, da produção à distribuição. O interesse social pelo esporte está, evidentemente, em sua imprevisibilidade, que é o ponto central capaz de garantir as emoções – a pedra preciosa para os processos comunicacionais.

Morgan e Summers (2008, p.180-183) apresentam como componentes especiais do esporte os seguintes aspectos: intangilidade (os eventos esportivos são intangíveis, gerando risco e desconforto para o público que sempre busca um bem físico que justifique o gasto financeiro), inseparabilidade (o produto é consumido enquanto é produzido), heterogeneidade (cada partida é diferente da outra, não existe um produto padrão idêntico ao outro) e perecibilidade (precisa ser consumido no ato que acontece). Esses componentes são fundamentais para que a emoção e a magia presentes no esporte despertem o interesse do consumidor por adquirir um produto (ou serviço) carregado de simbologias.

Outro aspecto interessante do produto esportivo, apontado por Dionísio (2014), é que a concorrência se faz necessária para que a existência do produto seja de alta qualidade. O autor explica que, sem um concorrente à altura, tanto para esportes individuais quanto coletivos, “a vitória está quase previamente definida, o que retira a incerteza do resultado e, com ela, o interesse do próprio espetáculo” (DIONÍSIO, 2014, p.262).

Esses aspectos corroboram a concepção de um produto diferenciado no mundo dos negócios, como explicam Morgan e Summers (2008, p.196):

Portanto, o produto esportivo é uma mistura complexa de elementos tangíveis e intangíveis, e a emoção desempenha um papel fundamental nas percepções do produto pelas várias partes interessadas, o que deixa os profissionais de marketing diante de uma tarefa difícil, já que muitos aspectos do produto esportivo estão fora do seu controle.

O esporte, visto como um produto a ser consumido, é de difícil administração. Em sua estrutura encontram-se desde os elementos básicos para que o esporte exista, como os praticantes (jogadores e técnicos) e a estrutura física (quadras, campos, piscinas, raquetes, bolas etc.), até os gestores, dirigentes, associados (no caso de clubes), patrocinadores e a mídia, sem esquecer o público, aquele que faz com que a máquina (e a economia) se mantenha viva.

Cada um desses componentes constituintes do esporte requer uma estratégia comunicacional específica, e este pode ser considerado um grande desafio para os profissionais de comunicação que atuam nesse segmento. Não adianta criar, apenas, um planejamento geral para lançar ou posicionar uma marca esportiva1, é preciso determinar estratégias específicas para cada um de seus públicos, sempre com base em um planejamento maior que direcionará os objetivos de cada ação. Todas essas ações devem ser interessantes e envolventes, a fim de despertar o engajamento do seu público estratégico, o que faz com que a emoção esteja sempre presente como uma espécie de fio condutor vital para que a comunicação esportiva se realize com sucesso.

Incentivar a prática esportiva é a principal forma de manter as modalidades vivas no seio social e uma boa estratégia de comunicação para com a sociedade em geral. Esportes que passaram a ser vistos como violentos, menores ou desnecessários para a sociedade deixaram de existir ou sequer adquiriram um status de “popular”. Determinar estratégias para que as pessoas pratiquem as modalidades é fundamental para despertar as paixões pelos times e atletas e para movimentar a indústria de materiais, roupas e acessórios de cada modalidade. Siqueira (2014) afirma que, para o esporte permanecer vivo, é preciso investir em praticantes, torcedores e consumidores. Estes últimos devem ser estimulados de acordo com seus interesses, sejam eles quais forem: “elevação da autoestima, dissociação do dia a dia, entretenimento, interesse econômico, valor estético, inclusão social, união familiar” (SIQUEIRA, 2014, p.35-36).

No campo administrativo encontram-se os gestores, dirigentes e associados. A relação entre esses componentes deve ser mantida tendo, acima de tudo, o interesse pela elevação social da modalidade, do clube ou do atleta, o que nem sempre acontece. Variados são os casos, especialmente aqui no Brasil, de dirigentes que

1 Para “marca esportiva” devem-se compreender clubes, modalidades, atletas e empresas produtoras de

desviam dinheiro das federações em seu benefício próprio. O caso mais emblemático do país é o da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que foi foco de investigações e de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que buscavam descobrir os desvios financeiros da instituição. Os clubes de futebol brasileiros também passam, frequentemente, por questões semelhantes em que o dinheiro arrecadado com patrocínios, direitos de imagem, ingressos, entre outras formas, não contempla os gastos com folha de pagamento e manutenção da estrutura, abrindo espaço para dúvidas a respeito da forma como o dinheiro é administrado. Apesar de toda a má reputação da administração do futebol brasileiro, esse tipo de situação não se limita a essa modalidade. O ano de 2014 foi marcado para o vôlei brasileiro por um escândalo de desvio de dinheiro na Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) que culminou com a suspensão do patrocínio do Banco do Brasil, protesto dos atletas e investigações nas contas da instituição2. Vale destacar, também, todo o caso de corrupção envolvendo a FIFA, que culminou em prisões de dirigentes internacionais e foi amplamente divulgado pela mídia em 2015.

Além de toda a complexidade administrativa inerente ao esporte e das implicações das más gestões e da corrupção, os profissionais da comunicação esportiva ainda precisam relacionar-se, e comunicar-se, no âmbito gerencial, com os associados. Esse tipo diferenciado de torcedor também passa a ser “dono” do time e age com forte influência nos processos esportivos, principalmente exigindo resultados em campo ou quadra, o que, segundo Morgan e Summers (2008, p.21), acarreta mais dificuldade para o trabalho dos profissionais de marketing.

Os patrocinadores são outro público de interesse dos profissionais de

marketing esportivo, pois são eles os maiores responsáveis pela arrecadação

financeira que permite ao produto esporte ter sua continuidade.

O poder de atração mundial do esporte revela um potencial mercadológico muito vasto, pois a maioria das pessoas demonstra, de uma forma ou de outra, algum interesse por ele. Esse nível de interesse produz a identificação pessoal com o esporte discutida anteriormente, tornando-o também um produto bastante atrativo para investidores, por exemplo, os patrocinadores e a mídia. (MORGAN; SUMMERS, 2008. p.179)

2 Informações sobre o caso de gestão na CBV foram obtidas em:

<http://espn.uol.com.br/noticia/467403_banco-do-brasil-suspende-contrato-com-a-cbv-apos-relatorio- da-cgu-confirmar-denuncias-do-dossie-volei-da-espn>. Acesso em: 05 jan. 2015.

Os patrocínios podem ser realizados por empresas de qualquer segmento, entrando aqui o conceito de comunicação esportiva (e não de marketing esportivo) debatido no início do capítulo. Siqueira (2014, p.40-47) analisa diferentes formas de esse patrocínio esportivo ocorrer, destacando 11 delas. 1) Name Rights: quando uma marca (seja de qual segmento for) dá seu nome para um evento ou para um arena esportiva, por exemplo; 2) Publicidade em uniformes e equipamentos; 3)

Merchandising: como anúncios em placas ao redor do estádio, dentro das arenas e

quadras, em telões nos campos etc.; 4) Direitos promocionais: para realizar ações promocionais ou de experiência com as marcas durantes os eventos esportivos; 5) Cotas de ingresso; 6) Hospitalidade: como a aquisição de camarotes em arenas; 7) Cotas de transmissão: colocando comerciais dentro das transmissões televisivas e radiofônicas; 8) Direitos de comercialização: possibilidade de vender produtos e serviços dentro dos eventos, normalmente comidas, bebidas e suvenires; 9) Utilização de base de dados: adquirindo a base de dados de fãs e sócios, as marcas ampliam sua lista de possíveis consumidores a serem impactados; 10) Conteúdo exclusivo: utiliza fotos, imagens e símbolos dos eventos em suas ações publicitárias; 11) Associação com a marca: a mais intangível das formas de patrocínio.

Ainda que seja, provavelmente, a menos tangível de todas as propriedades de patrocínio, o direito de associação de uma marca comercial a um atleta, equipe ou evento esportivo é, em última instância, o principal ativo de patrocínio, sobretudo no posicionamento de marcas, como “o combustível oficial da Stock Car” ou “a cerveja oficial da Copa América”. (SIQUEIRA, 2014, p.47)

O autor destaca, ainda, a permuta como uma forma bastante comum de patrocínio praticado por empresas que atuam produzindo equipamentos, roupas e acessórios esportivos (caso das duas marcas estudadas nesta pesquisa). A importância dessa forma de ação é que “mais do que a exposição de marca e a aquisição de outros direitos comerciais, o patrocinador tem a oportunidade de demonstrar o seu produto em ação, estreitando a relação entre a marca comercial e a marca esportiva” (SIQUEIRA, 2014, p.40).

As empresas de mídia são mais um importante público com o qual os profissionais de marketing esportivo precisam relacionar. Elas são as responsáveis pela divulgação e transmissão dos eventos esportivos, contribuindo para ampliar a

massa de público das modalidades, além de serem responsáveis pelo pagamento dos direitos de imagem, uma importante fonte de arrecadação financeira.

Para os esportes mais prósperos, os direitos televisivos estão hoje no centro de uma lucrativa rede de negócios que movimenta bilhões de dólares anualmente – de forma direta e indireta. Com isso, todos os setores do segmento esportivo ganham: jogadores, agentes, organizadoras de eventos, anunciantes, patrocinadores e as próprias emissoras de televisão”. (AFIF, 2000, p.113)

Devido à sua importância, os veículos de comunicação também são um público que influencia de maneira direta na organização e produção do produto esporte, como comentam Morgan e Summers (2008, p.189):

Questões como o horário (mudar o horário do jogo das partidas para que não coincidam com outros programas de grande audiência), as regras do jogo (tornar o jogo mais aberto e rápido) e mesmo a forma do jogo foram afetadas em uma variedade de modalidades esportivas por causa da pressão de executivos de redes de televisão, que são obrigados a mostrar retornos financeiros em seus investimentos.

De maneira geral, todas essas relações com públicos tão distintos tornam o esporte um produto diferenciado que exige esforços específicos dos profissionais de comunicação que atuam nesse segmento. Diferentemente da maioria dos produtos disponíveis para o consumo, o esporte, visto dentro dessa perspectiva mercadológica, torna-se atrativo sob ponto de vista social e comunicacional justamente por suas características exclusivas, e esses diferenciais também se fazem presentes no relacionamento das marcas esportivas com seus públicos consumidores.

O consumidor do esporte, como mencionado anteriormente, consome esse produto (ou serviço) por variados motivos, mas todos carregados de simbologias e aspectos intangíveis. Assim como em outros segmentos, como o automobilístico ou o de produtos de alto luxo, o esporte sempre é consumido a fim de garantir satisfações simbólicas. Mesmo no caso de praticantes que buscam apenas a atividade física, a fim de melhorar a saúde, encontra-se aí a simbologia da aquisição de uma vida saudável.

A paixão pelo time ou pelo atleta-ídolo são exemplos da importância que o esporte pode ter na vida dos consumidores. Muitas pessoas dedicam grande parte de suas vidas para o consumo de produtos e serviços esportivos, assistindo a partidas em estádios ou pela televisão, comprando camisas, bolas, raquetes ou suvenires, e até

mesmo tatuando o nome ou os símbolos dos times em seus corpos. A importância do esporte na vida do consumidor pode ser tão grande a ponto de determinar seu comportamento em diferentes áreas da vida social – escolha por morar em determinado bairro, ou por não usar determinadas cores em roupas etc. Dionísio (2014, p.260) afirma que

ao contrário dos bens de consumo, dos serviços ou dos mercados

business to business, de uma forma geral, o mercado do desporto é

pautado por enorme envolvimento e paixão do público, onde o “produto” é, de facto, relevante na vida das pessoas.

Diferentemente dos consumidores de produtos comuns, os consumidores esportivos desejam a imprevisibilidade. Nenhuma pessoa quer comprar um carro e ter uma surpresa quanto ao desempenho do motor, ou comprar um perfume e só descobrir depois se o aroma combina com sua personalidade. Os consumidores esportivos, porém, compram ingressos para ver o seu time vencer ou perder, e essa incerteza de resultado é o que garante boa parte da diversão e da emoção que eles buscam.

Os consumidores esportivos querem ver seu time ou atleta preferido vencerem as competições, mas sabem que, se isso não acontecer, o espetáculo não deixou de existir. Mesmo diante de um adversário superior, as torcidas comparecem às quadras e estádios e incentivam o seu time durante toda a disputa como uma forma de participarem da produção daquele produto, no caso. o evento esportivo. E essa participação acontece de forma real e efetiva, pois são inúmeros os depoimentos de atletas sobre a importância da atuação da torcida para a garantia de determinado resultado ou para o desempenho de um time durante uma competição. A expressão “jogar em casa” não é utilizada à toa, pois, diante de sua torcida, quase todos os times apresentam um desempenho melhor.

Essa sensação de contribuição na produção do produto só pode ser sentida pelo consumidor do produto esportivo. “O orgulho e a satisfação emanados pelos torcedores que assistem à seleção de seu país se tornar a melhor do mundo não são sentimentos que podem ser criados artificialmente ou naturalmente atribuídos a coisas como roupas, cervejas ou empresas aéreas” (MORGAN; SUMMERS, 2008, p.289). Cientes desse conceito, empresas de diferentes segmentos lançam mão do universo esportivo para atribuir às suas marcas elementos capazes de despertar o interesse de

seus públicos. Esse movimento estratégico, que utiliza o esporte como uma ferramenta comunicacional, é mais uma relação entre esporte e comunicação.

No documento Download/Open (páginas 94-100)