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para Na intervenção na toxicodependência consideramos central a reconstrução da subjectividade do sujeito, perdida, eventualmente, na trajectória de consumos de drogas.

2.1. O proibicionismo e a dessubjjectíwação do toxicodependente

«...a materialidade do fenómeno droga inscreve-se, assim, na própria construção histórico-social do objecto.»

Cândido da Agra46

O "problema da droga" constitui-se em função das sucessivas "operações ideológicas" de que os consumidores de drogas são objecto (Agra, 1993).

A discursificação sobre as drogas tornou-se extrema nos nossos dias, não correspondendo a um maior conhecimento do fenómeno mas a um saber perscrutador que, mais que pretender compreender o uso e abuso de drogas, pretende dominar e normalizar os indivíduos. Um saber produzido por outrem no exercício de funções de disciplinação do corpo social, e que, ao identificar, controlar e estigmatizar, contribui para a dessubjectivaçào do indivíduo.

Tal como Helen Nowlis (197547) afirma, de modo desmistificador, a compreensão do

fenómeno da droga implica a consideração da substância, do indivíduo e, ainda, do contexto, diferentes vertentes dum sistema complexo. O fenómeno da droga como objecto problemático não é apreensível apenas ao nível da substância e dos seus efeitos sobre o indivíduo, sendo necessário equacioná-lo também a partir da dimensão social que o envolve.

Considerar a construção social do fenómeno da droga implica, de modo incontornável, reflectirmos no impacto social do proibicionismo. O regime proibicionista, mais do que

46 Agra (1993, p. 197)

47 Brochura de conteúdo básico, sem ser simplista, e didáctico mas não "doutrinário", editada

lograr diminuir o consumo de drogas, gerou novas dificuldades, designadamente ao nível do utilizador. Para além da mestria relacionada com a própria substância, o indivíduo que utiliza drogas necessita de aprender a lidar com as questões legais e suas consequências ao nível económico e social.

Neste contexto, assiste-se historicamente ao desenvolvimento de uma rede de implicações que fazem emergir o fenómeno com a sua dimensão problemática48 - a

toxicodependência, os toxicodependentes e "outras figuras desviantes" complementares, o que aparece bem descrito, já no princípio do século XX, aquando da ruptura do quadro legal vigente49:

«Los adictos arruinados actuán como agentes provocateurs para los camellos callejeros, siendo recompensados com regalos de heroína o credito para sus suministros. La Ley Harrison creó al camello y el camello créa adictos» (Schless, 1925, cit. in Szasz, 1990, p.25850)

A lógica repressiva, transversal às sociedades ocidentais (apesar da maior ou menor tolerância das leis reguladoras), assenta na presumível "perda de controlo" do indivíduo que utiliza drogas:

«The drug abuser is a person lacking adequate internal controls over his drug use; hence he requires - for his own protection as well as for the protection of society - external restraints upon it. This, then, justifies the prohibition of "dangerous drugs", the incarceration and involuntary treatment of "addicts", the eradication of "pushers", and much else besides.» (Szasz,1998, p. 181)

48 Cf. "Historia de las drogas" (Escohotado, 1994) - pretendemos ressaltar que os opiáceos foram

usados de forma generalizada sem a conotação problemática que hoje em dia têm. Estabelecendo um paralelismo possível com a "repressão" da sexualidade, lembremos que também a masturbação foi vista como causa e sintoma de doença mental tendo a sua "perigosidade" desaparecido quando essa crença foi dissolvida.

49 A Lei Harrison de 1914 sobre estupefacientes promulga o controlo da venda de ópio, morfina e

cocaína e institui a necessidade de prescrição médica.

50 Szasz (1990) refere-se, em texto-apêndice à sua obra, às reflexões, de 1925, de Robert A.

No entanto, o regime proibicionista, e o discurso por ele sustentado acerca do fenómeno da droga, sublinha, ele próprio, as dificuldades de controlo dos próprios utilizadores. Por um lado, há um modo de compreensão circular que coloca a droga como causa e consequência da "perda de controlo": a utilização de drogas ilegais causaria insanidade mental e, simultaneamente, o "abuso" de drogas seria atribuído a sintomas psicopatológicos. Por outro lado, as drogas no domínio do interdito ficam por aprender, ou seja, a socialização das drogas é comprometida pela necessidade de ocultação social. As regras e prescrições sociais sobre o uso das drogas sobrepõem-se à gestão pessoal dos próprios actores.

O modo problemático de utilização das drogas é, então, favorecido pela regulamentação do "prazer das drogas", a que não é alheia a perspectiva moral51.

O modo de encarar o uso e abuso de drogas, e os seus efeitos adversos, depende da estratégia moral adoptada, e é de acordo com esta que decorre o jogo entre autoridade institucional e autonomia pessoal face às drogas. Isto é: um modelo de abordagem baseado na autoridade tem subjacente a incapacidade ou irresponsabilidade do indivíduo que utiliza drogas e, consequentemente, advoga a sua protecção e orientação; um modelo baseado na autonomia pressupõe que o indivíduo é autodeterminado, responsável e com capacidade de decisão face às drogas.

Como diz Thomas Szasz (1998), a lógica repressiva das drogas alimenta-se da tendência humana para reagir à perda (ou ameaça) de controlo de uns com a intensificação do controlo pelos outros, criando assim "a spiraling symbiosis of escalating controls and counter-controls" (p. 176).

51 Todo o potencial acto de prazer para o sujeito tende a suscitar uma regulamentação de raiz

moralista. A propósito da regulação do prazer aproximamo-nos da leitura de M. Foucault acerca da questão da sexualidade (Foucault, 1994), procurando traçar um paralelismo face ao fenómeno da droga. Note-se que, segundo o autor, a sociedade, aparentemente repressiva da sexualidade, foi desde sempre incentivadora da exposição do sexo pela palavra, pela confissão, pelas leis de interdição, produzindo o desvio, criando o comportamento desviante, fazendo emergir o sujeito desviante.

As teorias interaccionistas da desviância ressaltam, efectivamente, que não há acções desviantes em si e que a sua designação como tal depende do contexto, dos processos sociais que sustentam a "etiqueta" e das consequências sobre quem é denominado desviante. Neste sentido, a desviância constitui uma "acção colectiva" (Becker, 1973) que decorre essencialmente da construção de significados na vida social quotidiana do sujeito: «(...) people ordinarily take into account what is going around them and what is likely to go on after they decide what they will do (...)" (Becker, 1973, p.182). Dito de outro modo, a emergência de comportamentos desregulados implica também a existência de instâncias reguladoras.

Nesta perspectiva, também chamada de labelling approach, existe o desenvolvimento dum processo de etiquetagem face ao desvio que se reforça com o tempo e se estrutura como estigma (Goffman, 1988; Becker, 1973). A "etiquetagem" decorre a partir de signos exteriores ou atributos (comportamento ou característica) que um indivíduo manifesta, passíveis de serem percebidos como desviantes. A etiqueta imputada pelo Outro captura, ou contamina, o próprio indivíduo, como se este não mais pudesse agir senão como desviante. Qualquer conduta é, então, vista pelos demais, e por ele próprio, como desviante, ampliando-se o desvio e constituindo-se o estigma social do indivíduo.

A formação do estigma é, segundo Goffman (1988), um procedimento de objectivação de uma reacção social, que estabelece a ligação entre a moral social e a experiência pessoal. No mesmo sentido, Jock Young (1971) explica como, de diversas formas52,

nomeadamente através da profecia de auto-realização, a "reacção social" produz, em parte, o desvio e os seus efeitos ampliadores: «[estes] ocorrem quando as oportunidades são forçosamente restringidas e a identidade do indivíduo, assim como as suas noções,

52 Ampliação do desvio através da reacção social: 1. Anomia: que actua pela restrição das

oportunidades para se conformar; 2. Abuso de drogas: que actua através da redução das capacidades para se conformar; 3. Rebelião: que actua pela remoção do desejo de se conformar; 4. Isolamento: que actua pelo desenvolvimento de oportunidades de desvio; 5. Profecias de auto- confirmação: que actua pela restrição de oportunidades não desviantes e o reforço de acções, capacidades e desejos numa direcção desviante.

os seus desejos e capacidades, são radicalmente alteradas numa direcção desviante.» (Young, 1971, p. 116). Ou ainda, como diz Becker (1973), o labelling coloca o indivíduo em circunstâncias que, tornando-se-lhe cada vez mais difícil continuar rotinas normais do dia a dia, leva-o a acções desviantes.

Porém, Matza (1969), na sua obra "Become Deviant" (cit. in Young,1971), chama a atenção para o facto de o indivíduo poder transcender os constrangimentos que lhe são infligidos e transformar, através da sua interpretação, as reacções sociais que recebe, tornando-as de um modo ou de outro, significantes.53

A lógica científica, regendo-se pela mesma moral dominante, tende a reproduzir a lógica da "reacção social à desviância" e, em particular, à utilização de drogas, considera Szasz (1998). Diz o autor que os "cientistas sociais das drogas" adoptam uma postura ambígua face ao poder na medida que tendem a opôr-se aos poderes estabelecidos, à autoridade moral, mas oferecem-se como protectores substitutos, em nome da autoridade científica.

As instituições sócio-sanitárias, inclusivamente, mais do que minorar a estigmatização a que o consumidor está sujeito, intensificam o controlo do indivíduo. Funcionam como dispositivos de normalização na medida em que se especializam em diferenciar, vigiar e disciplinar os indivíduos que usam drogas, utilizando uma "microfísica de poder" que se insinua nos mais pequenos detalhes do tratamento (Foucault, 1997)54. Contribuem para a

construção do uso de drogas como problema, legitimando o saber/poder instituído em torno da perspectiva da "perda de controlo" como característica intrínseca das drogas.

53 Matza (1963, cit. in Young, 1971) refere-se a três atitudes possíveis do consumidor de drogas

face à reacção social: 1. A atitude do "reformador" que se identifica ao "normal", fazendo do consumo um segredo, justificado pela ignorância da sociedade; 2. A atitude do "ideológico" que assume um postura de "rebelde", que justifica como alternativa de vida à sociedade repressiva; 3. A atitude do " doente", incapaz de controlar as suas própria acções, justificando a utilização de droga como solução para os problemas de personalidade.

54 Cf. Bourgois (2000) em que o autor analisa os programas de metadona numa perspectiva

foucauldiana, desmontando o quanto de "disciplinação de corpos e almas" existe no tratamento da dependência de drogas; cf. também estudos específicos sobre mulheres, citados no capítulo II, que focam o biopoder implicado no tratamento das mulheres, em particular no tratamento com metadona (Friedman e Alicea, 1995; Rosenbaum e Murphy, 1990).

Tal como na lógica de poder presente na regulação da sexualidade (Foucault, 1994), parece-nos que, ao nível do fenómeno das drogas, o prazer individual é modelado pelo poder e pelos seus dispositivos de controlo, justificando a estabilidade da ordem vigente, a importância de medidas e discursos repressivos e a necessidade do prejuízo de alguns em prol dum grupo dominante, a quem são reservados os benefícios. Para os dispositivos de poder e saber sobre as drogas não importa a compreensão dos significados dos consumos ou medidas efectivas de diminuição do consumo (não obstante tratar-se de questões tão perseguidas nos circuitos mediáticos). O que está em causa, reinvocando Foucault55, é antes a disciplinação do indivíduo. Através da vigilância

do toxicodependente56 alcança-se todo o corpo social e cumpre-se a "ortopedia social"

que caracteriza o poder nas sociedades modernas (Foucault, 1997).

Afinal, mais do que de repressão, no sentido da anulação do desvio, é de produção de figuras desviantes que se trata, produção de diferença em relação a uma normalidade. Através do saber da diferença atribui-se um poder social distinto, determinante dos discursos dominantes ou subordinados, das acções a reproduzir ou a controlar (Foucault, 1997, 1994).

Quando o indivíduo, nomeadamente o toxicodependente, perde o domínio da representação social que de si é feita, para além da capacidade de gestão da substância, constitui-se verdadeiramente como sujeito desviante - reúne em torno de si atributos, estatutos e estigmas definidos socialmente e confirmados subjectivamente. O sujeito perde o controlo do seu corpo, da sua imagem, do seu comportamento, enfim, da autoria da sua vida. É a dessubjectivação do toxicodependente.

55 Invocamos, e reinvocamos Foucault, a propósito das drogas traçando um paralelismo a partir do

conhecimento por ele produzido a propósito de outros objectos de estudo, como sejam a sexualidade e a delinquência.

56 O toxicodependente "disciplinado" serve, ele próprio, a "sociedade disciplinar", à imagem do que

acontecia com o delinquente do século XIX que servia como "observatório político" para a gestão de interesses do poder vigente (Foucault, 1977, cit. in Carvalho, 2001, p.112).

Szasz (1998), que assume uma perspectiva liberal face à utilização de drogas, considera que a dimensão problemática se dissolveria ao deixar de se considerar as drogas como más em si mesmas e de se atribuir perturbações aos seus utilizadores:

«(...) only insofar as we are able and willing to accept men, women, and children as neither angels nor devils, but as persons with certain inalienable rights and irrepudiable duties, shall we are able and willing to accept heroin, cocain, and marijuana as neither panaceas nor panapathogens, but as drugs with certain chemical properties and ceremonial possibilities.» (Szasz ,1998, p. 181).

A partir dos autores referidos, colocamo-nos num posicionamento radicalmente oposto às opções dominantes na sociedade ocidental. Este tem, não só o mérito de enfatizar a forma como o poder constrói o saber, como também apontar a necessidade de mudança

na "vontade de poder", para que a sociedade possa reconquistar a capacidade de integrar culturalmente, de modo não problemático, as drogas.

A ênfase no "dizer a droga"57, que decorre do discurso de normalização da existência, faz

com que se ganhe em desviância o que se perde em subjectividade dos utilizadores de droga (Agra, 1993). "Ouvir a droga" será, pelo contrário, deixar falar a experiência da droga e permitir que esta seja passível de uma integração e gestão criativa na vida do actor consumidor. A dessubjectivação do toxicodependente poderá dar lugar, de novo, ao indivíduo como "sujeito da sua experiência".

57 Apropriação das expressões "Dizer a droga, ouvir as drogas", que dão título à obra de Agra

2,2. O Toxicodependente c o m o Actor Social; da autopolesís ao fogo trágico na trajectória do toxicodependente

A racionalidade fenomenológica não impõe que o conhecimento da realidade seja depurado da subjectividade, mas sim que esta lhe seja restituída (Fernandes, 1998).

O indivíduo, actor social, é agente do conhecimento e não simplesmente seu objecto, sendo o seu comportamento significante. O acesso a esse sentido não está inscrito na acção em si mesma, fazendo-se, de modo privilegiado, através do discurso do actor sobre as suas acções. É na manipulação de significados pelo indivíduo, na relação consigo próprio e com os outros, que o comportamento se constrói, e reconstrói, num trajecto aberto a diferentes possibilidades.

A perspectiva do Interaccionismo Simbólico58 coloca a ênfase no "exame directo do

mundo social" para compreender o comportamento, tomando como objecto: «lo que las personas hacen y experimentan, individual y colectivamente, al dedicarse a sus respectivas formas de vida.» (Blumer, 1982, p.26).

O comportamento de consumo de drogas constitui-se, sob este olhar, como acto simbólico:

«(...)depende do sentido que faz para o sujeito (o modo como o inscreve na sua história, na sua cosmovisão), depende da forma como ele interacciona esse comportamento enquanto símbolo de alguma coisa em si e da reacção que os outros lhe devolvem também enquanto símbolo.» (Fernandes, 1998, p.42).

58 Segundo o Interaccionismo Simbólico (Blumer, 1982), o significado das acções requer uma

interpretação activa que implica considerar o "significado do comportamento", a "interacção social" com os outros significativos e a auto-interacção. Não sendo os significados fixos nem intrínsecos às acções, o próprio processo de interpretação é essencial para a compreensão do comportamento, já que tem implicações nos sentidos iniciais.

A utilização de drogas pode constituir-se como uma forma de exprimir a sua posição social e a sua significação existencial, face a si e aos outros, traduzindo um "estilo de vida" (Manita, 2001). Convocando o domínio ético, Agra (1995b) define o conceito:

«0 conceito de "estilo" ou de "forma" de vida, instituindo o sujeito como actor e criador de si próprio obriga à introdução do valor e da responsabilidade, de liberdade no quadro explicativo do fenómeno droga.» (p. 58)

Há uma dimensão de temporalidade nesta conceptualização pois o "acto simbólico" inscreve-se num continuum biográfico, que se traduz quer no conceito de "carreira", quer no de "trajectória".

O conceito de "carreira", adoptado pela Escola de Chicago59, pressupõe que a carreira

desviante tem uma caracterização sobreponível à carreira tradicional, quer em termos de sequência, quer de progressão: «(...) one enters the deviant world, gain skills, earns a living, and so forth (...)» (Rosenbaum, 1981, p. 30). No conceito de "trajectória" revela-se, também, este mesmo sentido sequencial do estilo de vida ligada à utilização de drogas:

«Cada sequência caracteriza-se por interacções próprias: a sequência de iniciação, a de confirmação do estatuto do consumidor habitual e a construção de identidade de toxicómano.» (Agra, 1995b, p.57)

C. da Agra, questionando o "saber rapsódico"60 prevalecente no domínio do

conhecimento das drogas, procura uma compreensão complexa, das causas aos processos, do comportamento do sujeito:

59 Conceito originalmente ligado aos domínios vocacional e profissional que é extrapolado para a

carreira desviante por Becker (1973); o autor, na sua obra "Outsiders", exemplifica o conceito de carreira em diversos mundos desviantes, indicando a existência, em todos eles, de um processo de "aprendizagem social" que a realização de uma carreira desviante implica: I.Ter a ideia; 2. Ser "baptizado"; 3. Ter "estilo de vida".

60 Cf. Agra (1995a,b), onde se refere a "saber rapsódico" como justaposição de saberes

disciplinares (psicológico, biológico e social), redutor da complexidade do conhecimento do fenómeno da droga.

«Pensar complexamente é contrariar a obrigação de suspender o antagonismo dessa bipolaridade [do determinismo/indeterminismo, da irresponsabilidade/responsabilidade], (...) adoptar a forma de espirito científico que acolhe a contradição, o paradoxo, a dialéctica e a multiplicidade dos níveis de análise.» (Agra, 1997, p. 162)

A Teoria do Sujeito Autopoiético (Agra, 1991, 1993 ) articula conceitos da teoria dos sistemas com princípios fenomenológicos, considerando, concretamente, os conceitos de "auto-organização" e "autopoiesis" na definição de sujeito autopoiético61. A TSA permite

articular o determinismo e o livre arbítrio que caracterizam todo o "sistema finalizado":

«Os indivíduos são fruto do jogo da determinação e da indeterminação, são fruto de causas externas que não controlam mas também da sua causalidade interna, sobre a qual podem tomar decisões. São à uma autor e produto da sua história - singulares, irredutíveis à lógica causalista clássica e ao prognóstico fechado.» (Fernandes, 1998, p.53)

A TSA conceptualiza o indivíduo como um sistema que é constituído por três subsistemas fundamentais: o sistema de personalidade (forma), o sistema de acção (conteúdo) e o sistema de significação (sentido). A organização complexa destes sistemas (auto- organizados e finalizados), todos eles com estratos hierarquizados mas interdependentes, permite compreender o sujeito autopoiético como uma entidade "capaz de se criar a si própria".

O sistema de personalidade é a matriz do sistema psíquico (constituída por sete estratos sucessivamente mais complexos, do neuropsicológico ao político) cujo objectivo é "dar uma significação psicológica ao substrato biológico e ao superestrato sociocultural":

«0 sistema psicológico surge, assim, como elemento de ligação e integração entre o biológico e o social mas, mais do que isso, como sistema criativo, produtor de vias de possibilidade e de

61 Cf. definição de sujeito autopoiético: «(...)entidade finalizada, dotada de capacidade de auto-

organização, isto é, capaz de se criar a si própria, de se transformar e evoluir para uma melhor e mais eficaz prossecução das suas finalidades e projectos.» (Manita, 2000, p. 18).

construção de alternativas de fuga aos condicionalismos, quer biológicos, quer sociais» (Manita, 1998, p.24)

O sistema de acção materializa as condições de possibilidade, definidas por essa matriz psíquica, em comportamentos. Da interrelação entre o sistema de personalidade e o sistema de acção emerge o sistema de significação, que traduz, em diferentes planos, os sentidos resultantes da relação entre personalidade e comportamento. Sentidos que se organizam de forma narrativa e, por vezes, se estruturam "à luz da transgressão".

O Sistema de Significação traduz-se, então, em quatro planos de significação existencial que, por sua vez, se podem concretizar em quatro posições de significação transgressiva. Vejamos mais detalhadamente os diferentes Planos de Significação Existencial, onde convergem variáveis individuais, contextuais e temporais que condicionam os sentidos em que os actos se inscrevem (Manita, 2000, p.19):

1. Piano de Significação Existencial Ontológico

É o registo da significação positivista da realidade das coisas e dos factos, "o sujeito existe pelo seu acto". O comportamento é heterodeterminado e não intencionalizado. O sujeito não se organiza em função de uma intencionalidade própria.

2» Plano de Significação Existencial Deontoiógico

É a lógica do sujeito como objecto de determinação social, em que "a natureza do sujeito é como a de todo o mundo". O comportamento está de acordo com as normas convencionais, da ética grupai. O sujeito reconhece a natureza normativa exterior ao seu comportamento.