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2 Bases teóricas de sustentação do processo investigativo

2 BASES TEÓRICAS DE SUSTENTAÇÃO DO PROCESSO INVESTIGATIVO 2.1 Turismo e espaço urbano

2.3 O projeto de requalificação na cidade contemporânea

Podemos admitir que a cidade do século XXI já está desenhada, cabendo às gestões e aos profissionais do urbano a formulação de estratégias de intervenção nessa cidade, modernizando-a, conferindo-lhe novas qualidades que correspondem a novos desejos sociais. Como tal, toda intervenção urbana pode ser vista como um ponto de convergência entre o desenvolvimento econômico e o desenvolvimento social.

Para entender os atuais processos de intervenção dos espaços urbanos é preciso, no entanto, analisar a intensidade e a frequência das dinâmicas urbanas contemporâneas. Destacamos que uma das principais questões colocadas na pauta de discussões dos gestores, investidores e administradores sobre as intervenções urbanas é a garantia de sua qualidade aliada à valorização socioeconômica. Tais intervenções urbanas acabam recebendo diferentes denominações de acordo com a política de implantação dos projetos. Assim, a “renovação”, a “reestruturação”, a “revitalização” e a “requalificação”, entre outras, buscam a reinserção econômica dos espaços.

Uma intervenção urbana definida como “requalificação urbana” é relativamente recente no âmbito do planejamento urbano, estando associada ao interesse crescente pelo patrimônio histórico e ao processo de desindustrialização

das cidades. Trata-se de uma forma de atuação associada à cultura urbana e à capacidade de atração e desenvolvimento sustentável dos territórios, tendo em vista a regeneração dos tecidos físicos e sociais. Nesse sentido, a requalificação no contexto urbano será mais um objetivo ou um desejo do que um processo ou uma forma de atuação.

Os pesquisadores Arantes et al. (2000), no entanto, observam que os projetos de requalificação urbana miram especialmente a ampliação da capacidade produtiva e competitiva das cidades. Essas ações, conduzidas majoritariamente pelo setor privado associado ao poder público, constituem-se em estratégias de desenvolvimento destinadas a atender prioritariamente os interesses de alguns setores econômicos, como o imobiliário, o comercial e o turístico. Essa realidade é bem visível na ascensão de cidades-empresas voltadas para o turismo, como Gramado, no Rio Grande do Sul, e Campos do Jordão, em São Paulo.

Assim, a nova questão urbana está concentrada na problemática da competitividade urbana. Para atingir essa finalidade, a cidade é “vendida” como uma mercadoria, transformada em objeto comercializável de modo a atender os interesses do capital, que busca criar condições potenciais de consumo e lucratividade. Nessa perspectiva, um projeto de requalificação urbana deve abarcar um conjunto de requisitos indispensáveis a essa dinâmica. A parcela da população e/ou o espaço urbano que não atende a essa premissa passa a constituir um estorvo, um entorno social indesejável a ser superado.

Em geral, os projetos de requalificação urbana constituem uma carta de intenções para uma “cidade-espetáculo” visivelmente conectada à lógica global dos espaços urbanos, uma tendência que possui entre seus destaques cidades como Barcelona, Curitiba, Montevidéu e Buenos Aires, modelos de gestão e intervenção dominantes. O processo de formação das cidades-espetáculo depende da criação de um marketing de cidade bem construído e interiorizado na consciência coletiva da população. Sánchez (2003, p. 548) define a cidade-espetáculo como sendo:

[...] a cidade-mercadoria, a cidade vendida como produto no mercado. Para a potencialização dessa venda, uma combinação de transformações materiais e representações, reunidas em imagens-síntese, são acionadas como atributos mercadológicos do produto-cidade, construído por meio de [...]

A partir da formulação de um discurso de crise, justifica-se a necessidade de intervenções. Então, ao requalificar a imagem, o projeto de intervenção agrega a seus objetivos a transformação “de algumas áreas em ‘novas centralidades’, fragmentos urbanos transformados em nós de atividades e fluxos – empresariais, comerciais, de serviços – somados aos espaços da chamada ‘oferta cultural’, museus e centros de lazer” (SÁNCHEZ, 2003, p. 499). Para isso, é necessário um redesenho do lugar, com base em um modelo internacional, privilegiando a instalação de uma infraestrutura adequada e uma substancial atração de setores de prestação de serviços. Nesse discurso, a criação de equipamentos culturais e turísticos de grife torna-se a chave para o desenvolvimento dos espaços obsoletos.

Devido à “requalificação” engendrada no espaço urbano, os perfis de moradores e usuários se redefinem. A intervenção legitima a segmentação. No lugar dos antigos, instalam-se novos representantes em um processo conhecido como elitização (GARCIA HERRERA, 2001) ou gentrificação (VAZQUEZ VARELA, 1997; SÁNCHEZ, 2003). Os novos usuários, segundo Martínez I Rigol (2003, p. 1), caracterizam-se como:

[...] empleados en el creciente sector terciario, con un alto nivel de formación y con un nivel económico medio y alto, ocupaban barrios de la clase trabajadora contribuyendo al desplazamiento de la población residente.

Sánchez aponta também a existência de uma rede global na qual operam fluxos informacionais associados à cidade-tipo, imbricados nos processos constituintes de um mercado global de cidades. O capitalismo reorganiza a produção subordinada às cidades e aos centros de decisão, implica a compra e venda do espaço na escala mundial (SÁNCHEZ, 2003, p. 552). A ascensão desse mercado global ligado às finanças e aos serviços especializados contribuiu para a expansão das funções decisionais e da demanda por esses serviços a partir das empresas. Sassen (1998, p. 35) considera que a combinação da dispersão geográfica das atividades econômicas e da integração dos sistemas, que está no centro da atual era econômica, contribuiu para o papel estratégico desempenhado pelas grandes cidades. Estas não perderam suas funções de comando, pelo contrário, concentraram-nas. A cidade tornou-se o campo privilegiado para o setor financeiro e

de serviços especializados, construindo mercados, concentrando geograficamente as transações (SANTOS, 2002b).

Desse modo, as cidades não se internacionalizaram através da associação das condições locais ao capital produtivo e o financeiro na escala global. Trata-se, contudo, de um movimento contraditório, que amplia as diferenças intraurbanas pela centralização espacial e concentração do capital no território (CORRÊA, 1996). Do nosso ponto de vista, tanto a política de turismo do Prodetur para o estado do Ceará como o Projeto de Requalificação da Avenida Beira-Mar vão nesse caminho.