• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO V – Análise dos dados

5.1 Educação Infantil: para quê, o quê e como?

5.1.2 O quê?

Quanto aos dados dos professores e orientadores pedagógicos sobre o que ensinar na Educação Infantil, os dados apontaram primeiramente que, para os professores entrevistados, o que deve ser trabalhado na Educação Infantil são os conteúdos das áreas específicas do conhecimento, destacando o trabalho de alfabetização (34,55%37), em seguida, o comportamento social e afetivo (25%38) e com menor freqüência mencionaram o trabalho com o lúdico (10,29%).

Os orientadores pedagógicos também mencionaram os pontos abordados pelos professores, porém num grau de importância distinto. Apontaram primeiramente o ensino dos conteúdos das áreas específicas do conhecimento e a recreação (24,19%39), em segundo lugar, apontaram o comportamento social e afetivo (22,58%40).

Os conteúdos da Educação Infantil mencionados pelos professores e orientadores não revelam a estrutura dos conteúdos apresentados na estrutura do RCN (BRASIL, 1998). O RCN, dentro dos objetivos gerais para a Educação Infantil, destaca dois eixos: a formação pessoal e social, com o desenvolvimento da identidade e da autonomia e o conhecimento de mundo, que envolve as áreas do movimento, música, artes visuais, linguagem oral e escrita, natureza e sociedade e Matemática.

Ao estabelecermos aproximações entre os dados obtidos nas entrevistas e os dados do Referencial, notamos que com relação a formação pessoal os professores e orientadores

37 Das 136 respostas obtidas na questão 2 na entrevista com os professores (Tabela 2). 38 Das 136 respostas obtidas na questão 2 na entrevista com os professores (Tabela 2).

39 Das 62 respostas obtidas na questão 2 na entrevista com os orientadores pedagógicos (Tabela 26) 40 Das 62 respostas obtidas na questão 2 na entrevista com os orientadores pedagógicos (Tabela 26)

não se aproximam da leitura do RCN e quanto às áreas do conhecimento não mencionam o movimento, a música, artes visuais e natureza e sociedade.

Ao observarmos os outros conteúdos mencionados pelos professores com pouca freqüência, encontramos as diferentes linguagens, como linguagem oral, música, desenho, história, teatro e dramatizações (13,97%41) e ao considerarmos esses dados, podemos afirmar que só não mencionaram o movimento e a natureza e sociedade. No entanto, em outras questões o movimento e a natureza e sociedade aparecem no discurso dos orientadores pedagógicos em forma de disciplinas (Tabela 26), quando afirmam que deve ser trabalhado todas as áreas do conhecimento sem distinção (24,19%42). O movimento é citado dentro da Educação Física. É interessante vermos que o currículo da Educação Infantil, segundo o RCN, não é dividido em disciplinas, mas os orientadores e professores falam só em disciplinas e não em áreas do conhecimento assim como é apontado no RCN.

Diante desses dados que indicam os conteúdos para o currículo da Educação Infantil, percebemos que para os professores, a recreação é importante, mas não é colocada como finalidade da Educação Infantil.

A idéia de se enfatizar o ensino dos conteúdos das disciplinas escolares, indica uma concepção de que a Educação Infantil, para o grupo pesquisado, é como uma pré-escola, “que parece afirmar que essa fase da vida não tem lá muita razão de ser, senão a de esperar pela verdadeira escolaridade” (ANTUNES, 2004, p. 41).

Segundo esse autor, não podemos chamar de pré aquilo que é fundamental. O espaço da Educação Infantil é para desenvolver o pensamento criativo, a socialização, é o lugar que permite a arte de fazer, onde se cria a consciência essencial do ser e das coisas, as bases do pensamento lógico, a abertura infinita das inteligências, a plenitude das capacidades cognitivas, emocionais e motoras, se vive o sentido da independência, o verdadeiro espírito da iniciativa, a sensibilidade para identificar, analisar e resolver problemas, a criação de hipóteses, a segurança na expressão de sentimentos e opiniões, o controle do corpo e a imagem positiva de si mesmo, que fundamenta a auto-estima. Tudo isso se constitui nos primeiros de vida, com o auxílio de professores preparados e em ambientes seguros.

É preocupante a pequena freqüência do lúdico no aspecto do conteúdo, pois é possível deduzir que, para esse grupo de professores, existe uma nítida separação entre brincar

41 Das 136 respostas obtidas na questão 2 na entrevista com os professores (Tabela 2).

e aprender. No entanto, podemos supor também que os professores relacionam o lúdico com à metodologia e não com o conteúdo.

Segundo Moura (1991), “ao optar pelo jogo como estratégia de ensino, o professor o faz com uma intenção: propiciar a aprendizagem” (p. 47), essa aprendizagem pode ser de um conceito, de uma regra ou até mesmo do jogo propriamente dito. É uma aprendizagem de apropriação de uma determinada cultura.

A intencionalidade também deve envolver a consciência do professor sobre o processo de desenvolvimento da criança, saber como ela aprende. É importante saber por exemplo, que os estudos de Vygotsky e Elkonin (1984), citados por Moura (1991), analisaram “o papel do brinquedo no desenvolvimento dos conceitos, demonstram o caráter evolutivo do jogo simbólico na criança e o papel que este exerce na evolução do pensamento abstrato” (p.47).

Na perspectiva histórico-cultural “a aprendizagem inicia-se a partir de brincadeiras nas quais se aprende a criar significações, a estabelecer comunicação com o outro, a decodificar regras, a expressar a linguagem, a tomar decisões e socializar-se” (LOPES, 2003c, p.11).

É interessante também o destaque que os professores dão à socialização e a à afetividade, pois trabalhar com estes aspectos subentende que valores não são explicados, mas sim praticados continuamente. Não há aulas de socialização e afetividade, mas há situações que exigem cuidados pedagógicos, intencionalidade, que podem advir, por exemplo, de projetos interdisciplinares. Segundo Antunes (2004)

não importa se os temas trazidos pela curiosidade infantil foram “os dinossauros”, “as profissões” ou “um dia na fazenda”, o que cabe ressaltar é que o tema escolhido deve suscitar questões que envolvam diferentes áreas do saber. (p.45).

Quanto ao currículo da Educação Infantil, Bujes (2001) alerta que cada vez mais o espaço da Educação Infantil está estimulando a escolarização precoce, com modelo da escola fundamental, com muitas atividades com lápis e papel, jogos ou atividades realizadas na mesa, alfabetização e numeralização precoce, o cerceamento do corpo, a rigidez dos horários e das distribuição das atividades, as rotinas repetitivas e empobrecedoras.

Na prática, a dimensão educativa está muitas vezes, numa atitude tímida e isolada, considerando a criança como ser ativo, capaz, pensante, criativa, aquela que tem necessidades próprias de sua fase de desenvolvimento e necessita muito mais do que uma educação escolarizada. Segundo Bujes (2001), “o que temos que deixar de lado é uma visão “escolar”

do currículo que toma como modelo as formas de trabalhar o conhecimento que herdamos do ensino fundamental” (p.20). Segundo a autora, o que deve compor o currículo da Educação Infantil são todas as ações, formas de expressão, de manifestação do gosto, da sensibilidade infantil, marcas estas que são vividas dentro e fora da Instituição de Educação Infantil.

Quanto ao “o que” ensinar na Educação Infantil, Machado (2001) nos motiva a partir sempre do princípio que a possibilidade de apropriação de conhecimentos pela criança se faz presente. Sendo assim:

Menosprezar a capacidade de elaboração subjetiva de cada ser humano ou a responsabilidade da instituição de educação infantil frente à gama de conhecimentos que serão colocados à disposição das crianças significa, no mínimo, empobrecer o universo infantil (p.26).

Quanto à preocupação excessiva em alfabetizar, apontada pelos orientadores pedagógico, podemos fazer algumas considerações. O problema não está no processo de alfabetização, mas na preocupação excessiva com ela. A partir dos dados coletados nas entrevista com os professores, pareceu-nos que o trabalho de alfabetização é muito exigido e enfatizado de forma muito sistematizada. A questão é avançar no processo de letramento, mas a partir de uma nova perspectiva. As pesquisas mostram que hoje as crianças pequenas podem avançar no processo de letramento. Segundo Oliveira (2007), “não se discute mais se a educação infantil deve ou não ensinar a ler, mas como o fará” (p. 229, grifos do autor).

O contato das crianças com a televisão, o computador, com os livros de literatura infantil, com a escrita de rótulos, de listas, de desenhos, de bilhetes, de palavras com letras móveis e com outros objetos permitem que as mesmas levantem perguntas sobre a função social da escrita, construam e trabalhem suas próprias hipóteses sobre ela, sem necessariamente copiar modelos.

Em síntese, é preciso ter uma perspectiva frente à Educação Infantil que valorize a infância da criança de zero a seis anos. Pensar num currículo para a Educação Infantil que contemple “o que” ensinar envolve a consciência de ampliar nas crianças suas competências, linguagens, cognição e socialização. É lugar da contraposição científica, artística, cultural e política do conhecimento. A partir desses aspectos é possível pensar na seleção de conteúdos que se vinculem com as dinâmicas das necessidades humanas.