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CAPÍTULO II – FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A INFÂNCIA

2.1 Saberes docentes necessários a uma prática pedagógica humanizadora

Nos referenciais teóricos sobre formação de professores, nota-se uma necessidade de formar os professores a adquirirem atitudes, saberes e capacidades essenciais para o desenvolvimento de um trabalho eficiente. Nesse sentido, é preciso termos claro que o saber do professor não reside em saber aplicar o conhecimento teórico ou científico puramente, mas

transformá-lo em saber complexo e articulado ao contexto em que ele é trabalhado e produzido (FIORENTINI, 1998), articulado ao conhecimento curricular e pedagógico. Segundo Nóvoa (1997), “mais do que um lugar de aquisição de técnicas e de conhecimentos, a formação de professores é o momento chave da socialização e da configuração profissional” (p.18).

Os saberes dos docentes são um conjunto de conhecimentos, competências e habilidades que nossa sociedade julga suficientemente úteis ou importantes para inseri-los em processos de formação institucionalizada. De acordo com Nóvoa (1997), é preciso investir positivamente nos saberes que os professores são portadores, trabalhando-os de um ponto de vista teórico e conceptual, considerando que as situações que os professores enfrentam são únicas e exigem respostas únicas.

No entanto,

É preciso que saibamos que, sem certas qualidades ou virtudes como amorosidade, respeito aos outros, tolerância, humildade, gosto pela alegria, gosto pela vida, abertura ao novo, disponibilidade à mudança, persistência na luta, recusa aos fatalismos, identificação com a esperança, abertura à justiça, não é possível a prática pedagógico-progressista, que não se faz apenas com ciência e técnica. (FREIRE, 2000, p. 136).

Zeichner (1993) afirma que é preciso preparar os professores para a diversidade humana e aponta alguns saberes essenciais para isso. Segundo o autor, é essencial que os professores possuam conhecimentos socioculturais gerais sobre o desenvolvimento da criança, conheçam conceitos científicos necessários à sua prática educativa, bem como saibam aplicá-los em termos pedagógicos. Com esses saberes, o professor passa a ter a função de separar, selecionar e incorporar certos saberes escolares (TARDIF, 2002). Dessa ótica, é primordial ressaltar que os professores precisam de uma clareza acerca da sua própria identidade étnica e cultural, para poderem compreender as crianças, as suas necessidades e os seus direitos e, inclusive, a respeito das suas famílias.

Tardif (2002) explica que o saber é plural: os professores em suas atividades profissionais se apóiam em diversas formas de saberes: no saber curricular, disciplinar, da formação profissional, experiencial e cultural.

Em linhas gerais, sobre esses saberes, é possível salientar que:

• O saber curricular é proveniente dos programas e dos manuais escolares. • O saber disciplinar constitui o conteúdo das matérias ensinadas na escola

e, neste momento, nos remetemos a Freire (2000) quando diz que a tarefa docente não é apenas ensinar conteúdos, mas também ensinar a pensar

certo e que é preciso saber bem os conteúdos, mas não reduzir a prática docente ao puro ensino de conteúdos.

• O saber da formação profissional é adquirido por ocasião da formação inicial ou contínua, na qual as instituições fornecem algumas formas de saber-fazer e algumas técnicas, conferindo uma ideologia da profissão. • O saber experiencial é oriundo da prática da profissão, refere-se ao saber

especificamente desenvolvido no exercício da docência, ele está incorporado como uma cultura docente em ação que atua nas decisões individuais e coletivas e permite lidar com as situações concretas, muitas vezes imprevisíveis, que o professor defronta no cotidiano escolar. • E o saber cultural, que é herdado de trajetória de vida e de sua presença

numa cultura particular, onde o professor pode partilhar em maior ou menor grau com os educandos.

As diversas formas de saberes giram em torno da ética, discutida por Rios (2003) e Freire (2000), está relacionada ao saber fazer bem, ao compromisso, ao diálogo, a reflexão crítica, pois ensinar exige a aceitação do novo, reflexão crítica permanente sobre a prática envolvendo um movimento dinâmico e dialético. Os saberes também se referem à relação entre o fazer e o pensar sobre o fazer, explicitada no ciclo de Shön (apud PIMENTA, 2000) como conhecimento na ação, reflexão na ação e reflexão sobre a ação e sobre a reflexão na ação como uma forma metodológica para uma identidade necessária do professor.

Esse triplo movimento sugerido por Shön (1990) ganha uma pertinência acrescida no quadro do desenvolvimento pessoal dos professores e remete para a consolidação no terreno profissional.

Imerso nos diversos saberes está a autonomia discutida por Contreras (2002). De acordo com o autor, há uma autonomia relativa baseada na profissionalidade que envolve obrigação moral, compromisso com a comunidade e competência profissional que transcende a técnica.

O professor, segundo Fiorentini (1998), é produtor e elaborador de inovações curriculares que atende aos desafios socioculturais e políticos da época em que vive. Dada essa proposição,Zeichner (1993) ressalta a importância de preparar o professor para assumir uma atitude reflexiva em relação ao seu ensino e às condições sociais que o influenciam. Além disso, Nóvoa (1997) explicita que quanto maisse sublinha as características técnicas do trabalho dos professores, mas se provoca a degradação de seu estatuto e se retira margens importantes de autonomia profissional.

Tardif (2002) também apresenta três modelos da identidade dos professores: o tecnólogo do ensino, o prático “reflexivo” e o ator social. Segundo esse autor, o tecnólogo do ensino possui um repertório de conhecimentos formalizados, ensino estratégico mediante recursos da pesquisa, situa-se no nível dos meios e das estratégias de ensino. Freire (2000) faz uma crítica a essa idéia mostrando que “transformar a experiência educativa em puro treinamento técnico é amesquinhar o que há fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador” (p.37).

Por sua vez, o prático “refletivo” é capaz de lidar com situações indeterminadas e cria soluções novas e originais. Este professor está associado à imagem de professor experiente.

E o ator social, segundo Tardif (2002), é o modelo posto por Paulo Freire (2000) que apresenta a idéia do professor como aquele que é agente de mudanças, portador de valores emancipadores, que assume uma postura vigilante contra todas as práticas de desumanização, e que como criador, produtor de conhecimento e transformador, precisa aprender a aprender.

Pelo exposto, é possível concordar com Fiorentini (1998), segundo o qual o saber é estruturado, evolutivo e cultural. Estruturado porque é organizado conceitualmente através de uma rede de interconexões, cada pessoa cria sua própria rede associando tudo o que sabe ou sente em relação a uma idéia. É evolutivo, uma vez que é sempre provisório, não linear, é o sentido que damos à realidade observada e sentida. É cultural, contextualizado com caráter afetivo, pois o saber é invadido pela emoção, é assim que se pode odiar a Matemática e amar o Português.

Na realidade, a formação docente implica o domínio de múltiplos saberes. No entanto, esse conhecimento pode não ser suficiente para uma prática educativa humanizadora e promotora de desenvolvimento amplo e harmônico das crianças. A prática docente exige articulação ou, como explicita Tardif (2002), mobilização dos saberes que implica decisões, escolhas e intervenções. Ao mesmo tempo, é possível considerar que o saber docente pluralizou-se e diferenciou-se com o surgimento de subgrupos de especialistas e de docentes portadores e reivindicadores de saberes específicos como é o caso da Educação Infantil. Sobre essa questão, avançaremos no item subseqüente.