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CAPÍTULO II – FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A INFÂNCIA

2.2 Saberes docentes do educador infantil

Conforme vimos no item anterior, o professor da infância deve se apropriar de saberes necessários ao seu fazer docente, considerando o saber curricular, disciplinar, da formação profissional, experiencial e cultural. Desse ponto de vista, o saber profissional dos educadores constitui um corpo heterogêneo de conhecimentos, capazes de utilizar vários tipos de competências na sua atividade docente.

No entanto, ainda hoje, de um modo geral, permanece a idéia segundo a qual o saber do profissional para a infância restringe-se ao cuidar, advindade uma concepção de que as atividades pedagógicas para crianças na Educação Infantil estavam e estão associadas tradicionalmente ao trabalho feminino, a situações que reproduzem o cotidiano, ao trabalho doméstico de cuidados e à socialização infantil.

De maneira geral, as tarefas relacionadas ao cuidar relacionam-se a fazeres direcionados a aspectos afetivos de caráter maternalista e de obrigação moral, os quais parecem exigir pouca qualificação. Essa ideologia ainda está presente nos dias de hoje e camufla as precárias condições de trabalho dos profissionais da educação Infantil, esvazia o conteúdo profissional, desmobilizando os profissionais quanto a reivindicações o que não os leva a perceber o poder da profissão (KRAMER, 2002).

Nesse contexto, em que a própria identidade do profissional da Educação Infantil parece ainda descaracterizada, vários estudos têm mostrado que muitos profissionais da educação infantil não têm formação adequada, têm remuneração baixa e trabalham em condições bastante precárias. Esses profissionais recebem diferentes denominações que variam de berçaristas, auxiliares, babás, recreacionistas, tias e professoras (BRASIL, 1998).

Considerando a trajetória histórica da Educação Infantil, e motivados pela concretização de uma escola possível (DI GIORGI, 2001), relacionamos os tipos de saberes dos profissionais da educação infantil com seu tipo de identidade e formação, buscando uma formação desses profissionais e uma educação infantil de qualidade.

Localizamos, no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998), que o papel dos professores da primeira infância tem caráter polivalente, o que significa que cabe a esses profissionais trabalhar com conteúdos de naturezas diversas que abrangem desde os cuidados básicos essenciais até conhecimentos específicos provenientes

das diversas áreas do saber. Isso remete a expressão “educare”22 citada por alguns autores (ROSEMBERG in Brasil, 1994; OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2002) que expressa a ligação entre cuidado e educação.

Sobre essa característica polivalente, Oliveira-Formosinho (2002) aponta que os saberes dos educadores da infância envolvem conhecimentos, sentimentos e competências em níveis complexos, diferenciados, evolutivos e interdependentes de interações, relações e integrações.

A forma holística pela qual a criança aprende e se desenvolve, caracterizada pela globalidade, vulnerabilidade e dependência da família, impõe aos educadores da infância uma enorme diversidade de tarefas que transita do atendimento assistencial ao educativo.

Esse re-pensar sobre o papel do educador da infância e os saberes essenciais a seu fazer indicam que, hoje, essa discussão se amplia ao considerarmos que as crianças devem ser educadas e cuidadas num mesmo processo de educação intencional e humanizadora. Quando reportamo-nos a instituições de Educação Infantil, referimo-nos a um atendimento educativo em que o caráter pedagógico abrange intrinsecamente o cuidado das crianças pequenas. Isso implica que não há como só educar ou só cuidar, isso ocorre concomitantemente. Nessa proposição, está a defesa da máxima segundo a qual se educa cuidando e se cuida educando (MELLO, 1998).

Katz e Goffin (1990), citados por Oliveira-Formosinho (2002), enfatizam que a profunda interligação entre educação e cuidado, amplia o papel da educadora da infância em comparação com a dos professores de outros níveis educativos. Para esses autores, a educação para a infância pode ser caracterizada em sete elementos: responsabilidade do conjunto total das necessidades das crianças, diversidade de missões e ideologias, vulnerabilidade da criança, foco na socialização, relação com os pais, questões éticas que relevam a vulnerabilidade da criança e currículo integrado.

Oliveira-Formosinho (2002) aponta ainda que esse fazer pedagógico na infância exige que o professor interaja com vários parceiros (auxiliares, psicólogos, assistentes sociais, pais e mães, etc). Essa interação requer interfaces e representa uma singularidade da profissão, consistindo em mais um fator que contribui para a abrangência desse papel.

Com essa compreensão, o professor da primeira infância que tradicionalmente não era, e ainda muitos ainda não são reconhecidos como tal, atualmente vem consolidando sua identidade a partir de sua função como integrador de saberes, de papéis e de vivências de

22 Expressão fundida na língua inglesa, das palavras educar e cuidar, inspirada pela psicóloga norte-americana

interações alargadas, que requerem um processo de pesquisa, de renovação das disposições para aprender, sentir e fazer. Tais saberes requerem também a integração de afetos que sustentam a paixão de educar as crianças como cidadãos do mundo (ibid.).

Diante do exposto, é possível depreender que a prática docente depende da mobilização de que os professores fazem dos seus saberes no cotidiano do seu trabalho. Essa idéia é ratificada por Edwards (1999), segundo o qual uma gama de saberes que deve sustentar o papel do professor na Educação Infantil como parceiro, promotor de crescimento e guia, aquele que intervém conscientemente e intencionalmente, é crítico e reflexivo, pesquisador, companheiro, memória do grupo, escriba (aquele que documenta), organizador intencional, ouvinte, questionador, aquele que faz a interação entre família, comunidade e profissionais, mediador, co-participante (trabalha com as crianças e não pelas crianças), criador e ampliador de novas necessidades de conhecimento, negociador e aquele que confia na capacidade da criança, valoriza sua cultura, possui uma imagem positiva dela e dá a ela o direito de fazer escolhas e brincar.

Em síntese, na formação de professores, uma das questões essenciais é mobilizar os saberes para oferecer um atendimento à criança que integre os aspectos físicos, cognitivos, lingüísticos, afetivos e sociais entendendo que ela é um ser indivisível (KRAMER, 2002).

Nessa perspectiva e em linhas gerais, o projeto de desenvolvimento do professor se manifesta no microsistema, onde está a pessoa do professor, a pessoa do aluno e sua sala de aula; no mesosistema, na organização escolar, onde se estabelecem as relações com os companheiros de trabalho; no exosistema representado pelas outras escolas com que se mantém diálogo e, por fim; no macrosistema, nas crenças e valores da comunidade (BRONFENBRENNER, 1979 apud ARAÚJO, 1998).

Para ampliar essa reflexão, Bridget Somekh (1989, apud NÓVOA, 1997) defende a necessidade de articular a formação contínua com a gestão escolar, as práticas curriculares e as necessidades dos professores.

O desafio da formação de professores da Educação Infantil se torna ainda maior quando se percebe que a abrangência da tarefa pedagógica dos professores da infância requer um domínio teórico que vai além daquilo que poderia se tornar superficial, essa tarefa, um domínio de todos os aspectos que envolvem o desenvolvimento da criança como afetivo, psicológico, social, cultural e cognitivo. Assim, o domínio de saberes relacionados aos aspectos cognitivos envolve o conhecimento de como trabalhar em cada área de conhecimento, e uma delas é a Matemática, que focamos neste trabalho.