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O mercado de vinhos brasileiro se divide, de uma maneira geral, em dois grandes segmentos: a dos vinhos comuns, elaborados com castas não viníferas; e a dos vinhos finos, produzidos a partir de variedades de uvas viníferas. Contudo, a esfera dos vinhos finos ganhou ainda uma outra subcategoria: a dos vinhos que são produzidos em regiões geograficamente delimitadas e que, justamente por isso, ostentam os selos de indicações geográficas.

Antes de tudo, isto significa que aqueles vinhos que estampam em suas garrafas um selo de indicação geográfica respeitam uma normativa de produção e são obtidos a partir de insumos que são típicos de um determinado território e, assim, tornam-se, sobretudo, representantes de um padrão local. E, com isso, eles reduzem a incerteza dos consumidores, ao mesmo tempo em que absorvem para si uma dose de singularidade, de tipicidade, que os diferencia e distingue dos demais.

Entretanto, as próprias indicações geográficas se dividem em duas novas categorias, a saber: as Indicações de Procedência e as Denominações de Origem. Ambas, refletem normas de produção erguidas sobre a delimitação das regiões de produção com base no potencial qualitativo dos ecossistemas. De uma maneira geral, tal avanço se deu graças aos resultados de diversos trabalhos realizados, principalmente, na França e na Itália. E, a partir destes esforços, gerou-se um conjunto multidisciplinar de aspectos que tornou possível avaliar objetivamente o potencial vitivinícola de uma determinada região. Designa-se, no Brasil, esta abordagem acerca do meio natural, com vistas a escolher o melhor ecossistema vitícola, por Zoneamento Vitícola.

Nesse sentido, o Zoneamento Vitícola busca selecionar aquelas regiões que possuem melhor potencial para a produção vitivinícola, com base em suas características naturais típicas, como solo, relevo, clima e subsolo, que são analisadas dentro de um contexto de práticas agronômicas particulares. E tudo isso é feito para que se possa produzir um vinho diferenciado, mas também para que o consumidor saiba, de antemão, que está a comprar um produto carregado de singularidade.

A Lei de Propriedade Industrial (LPI nº 9.279), de 14 de maio de 1996, é o marco legal das indicações geográficas no Brasil34. Segundo ela, constitui Indicação Geográfica a Indicação de Procedência ou a Denominação de Origem, sendo que: Considera-se Indicação de Procedência o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território, que se tenha tornado conhecido como centro de extração, produção ou fabricação de determinado produto ou de prestação de determinado serviço. E considera-se Denominação de Origem, o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território, que designe produto ou serviço cujas qualidades ou características se devam exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluídos fatores naturais e humanos.

A LPI dá competência ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI – para estabelecer as condições de registro das indicações geográficas, as quais estão explicitadas na Resolução INPI nº 75. Observa-se que não há especificidades que diferenciem um pedido de reconhecimento de indicação geográfica de vinhos em relação a outros produtos.

Podem requerer uma indicação geográfica as associações, os institutos e as pessoas jurídicas representativas da coletividade legitimada ao uso exclusivo do nome geográfico e estabelecidas no respectivo território. De acordo com Tonietto (2007) são:

Requisitos específicos para efetuar o requerimento de uma Indicação de Procedência:  Elementos que comprovem ter o nome geográfico se tornado conhecido como

centro de produção do produto em questão;

 Elementos que comprovem a existência de uma estrutura de controle sobre os produtores que tenham o direito ao uso exclusivo da indicação de procedência, bem como sobre o produto a ser distinguido com a indicação de procedência;  Elementos que comprovem estar os produtores estabelecidos na área geográfica

demarcada e exercendo, efetivamente, as atividades de produção.

Requisitos específicos para efetuar o requerimento de uma Denominação de Origem:  Descrição das qualidades e características do produto que se devam, exclusiva ou

essencialmente, ao meio geográfico, incluindo os fatores naturais e humanos;  Descrição do processo ou método de obtenção do produto, que devem ser locais,

leais e constantes;

 Elementos que comprovem a existência de uma estrutura de controle sobre os produtores que tenham o direito ao uso exclusivo da denominação de origem, bem como sobre o produto distinguido com a denominação de origem;

 Elementos que comprovem estar os produtores estabelecidos na área geográfica demarcada e exercendo, efetivamente, as atividades de produção ou de prestação do serviço.

Portanto, um selo de indicação geográfica do tipo Denominação de Origem não admite que, em nenhuma hipótese, alguma parte do processo de produção tenha acontecido fora do meio geográfico delimitado. No caso dos vinhos, por exemplo, uma Indicação de Procedência pode admitir que parte das uvas utilizadas na vinificação seja oriunda de vinhedos de fora do território demarcado, bastando que a cantina faça parte tanto deste território quanto da entidade que regule o processo, e que esteja a produzir de acordo com a normativa de produção estabelecida por esta entidade. Logo, uma Denominação de Origem representa uma normativa de produção mais restrita e, por isso, os vinhos que a sustentam são aqueles que se encontram no topo da pirâmide de qualidade dos vinhos finos.

A figura 2, abaixo, apresenta o desenho da classificação de qualidade no mercado de vinhos finos:

Fonte: Tonietto (2000)

Figura 9: Pirâmide das indicações geográficas para vinhos de qualidade.

Nos dias de hoje, o mercado vinícola encontra-se cada vez mais mundializado, e as oportunidades de escolha que se abrem aos consumidores de vinho são cada vez mais amplas. Cabe, portanto, às vinícolas, incrementarem sua competitividade que, como demonstrou

Schumpeter (1984), passou da eficiência estática para a melhoria dinâmica. E, assim, as vantagens competitivas não se baseiam unicamente em insumos baratos e em economias de escala. Pelo contrário, estão cada vez mais associadas à capacidade das empresas em se aprimorar e em gerar conhecimento e inovação que proporcionem uma posição mais confortável frente à concorrência. Resulta disto que as vantagens competitivas (dinâmicas) estão cada vez mais atreladas às capacidades organizacionais das firmas.

Nessa perspectiva, lançar mão de um produto diferenciado pode representar a oportunidade de construir a ponte para nichos de mercado mais exigentes. Posto de outra forma, as indicações geográficas são estratégias que possibilitam agregar valor aos produtos de origem agrícola. E abrem oportunidades de diversificação que se traduzem, também, em novos mercados.

Diante disso, uma indicação geográfica pode abrir a possibilidade de se escapar à competição por preços em mercados consumidores não tão exigentes ou, não tão atentos a qualidade dos produtos. O que se torna fundamental, principalmente quando se trata de uma região vitivinícola aberta à concorrência internacional e caracterizada pela agricultura familiar, onde as unidades produtivas não se compatibilizam com a produção em larga escala, tal qual o Vale dos Vinhedos, na Serra Gaúcha.

Ao mesmo tempo, produtos que estampam selos de indicação geográfica reduzem a incerteza dos consumidores com relação à sua qualidade. Os signos distintivos dão a sinalização crível de que o produto guarda um certo padrão de qualidade, pois este reflete uma dada normativa de produção, que diz respeito tanto à vinha quanto ao vinho.

Dessa forma, o que emerge como elemento central das estratégias de indicações geográficas são, justamente, as diferenças regionais, pois, o princípio em que se baseia toda forma de certificação de origem controlada é a singularidade que se atribui ao produto. Por exemplo, o vinho do Vale dos Vinhedos é único por que carrega consigo características que só podem ser encontradas em um único lugar: o Vale dos Vinhedos.

Portanto, o que torna as estratégias de competição capitalista baseadas nas indicações geográficas tão promissoras repousa sobre o fato de que estas se baseiam em um atributo que não pode ser igualado: o território. Entretanto, quando nos referimos a um território não estamos a evocar, simplesmente, seus estoques de recursos naturais, mas também e, principalmente, suas

densidades econômicas, seu estoque de conhecimento contextualizado, sua forma de enxergar o mundo e de resolver problemas, ou seja, suas instituições35.

Não obstante, as estratégias de indicações geográficas estão, ao nosso ver, associadas ao conceito de concorrência capitalista, nos termos em que esta ficou definida na literatura schumpeteriana. Nesse sentido, uma indicação geográfica é uma salvaguarda contra a imitação, e garante a detenção de uma vantagem competitiva dinâmica praticamente impossível de ser plenamente replicada.

Nessa linha, a indicação geográfica é uma ferramenta coletiva de promoção mercadológica, de diferenciação de produto e de enfrentamento concorrencial. Mas, o mais importante, é que essa ferramenta não é apenas coletiva, mas também e, principalmente, localizada espacialmente. É no espaço, construído socialmente, que se encontram os elementos que podem ser capturados e trabalhados para virarem uma indicação geográfica, incluída aí a herança cultural que vem com a historicidade do lugar. Nesse sentido, o saber fazer local é de grande importância para uma indicação geográfica, pois faz parte do núcleo que a sustenta.

As indicações geográficas permitem, portanto, que um grupo de produtores, que tenha o mesmo território com substrato de sua existência, promovam seus produtos coletivamente, com forte apelo em atributos locais, como técnicas agronômicas e recursos naturais que são típicos do lugar. Ou seja, com forte apelo nesse substrato, nesse espaço onde as relações sociais se concretizaram para, historicamente, transformá-lo no que ele é.

Portanto, o que as indicações geográficas afirmam é que existem espaços com diferentes conteúdos, e que exatamente nessas diferenças é que residem as vantagens competitivas. Contudo, para que possam ser dinamizadas é necessário que as ações individuais estejam orquestradas e caminhem no mesmo sentido. Qual seja: o de enaltecer o território de maneira organizada, para que dele possam ser captadas as externalidades positivas que são, como aponta a literatura neomarshalliana, externas à firma, porém internas ao território.

Todavia, não basta apenas que os lugares tenham suas peculiaridades, e que estas sejam a fonte de vantagens competitivas. É preciso que esses lugares não estejam isolados, que não sejam hermeticamente fechados, inatingíveis ao mundo exterior. É necessário que participem das mudanças que ocorrem a todo instante no ambiente capitalista. Pois, não faz sentido pensar em

diferenças regionais como vantagens, se estas regiões não forem postas em contato, em oposição, em comparação. De que adiantaria que o vinho da região do Douro, em Portugal, ou do Vale dos Vinhedos, na Serra Gaúcha, tivessem cada um, sua singularidade, se não se pudesse mostrar, de fato, que estas singularidades existem?

Nesse sentido, o que aparece como um movimento que pôs em marcha diversas estratégias de indicação geográfica é o caráter cada vez mais global da competição, que aumentou o número de concorrentes em muitos mercados locais. E que passou a confrontar produtos obtidos a partir de técnicas e recursos específicos e diversos.