• Nenhum resultado encontrado

1. Histórico da formação docente para educação de adultos no Brasil

1.2. Concepções e orientações pedagógicas que deixaram sua marca na

1.2.3. O “realismo em educação”: concepções e características

O fenômeno denominado “realismo em educação” é um termo utilizado por Paiva (2003) para caracterizar que a questão educacional é percebida tanto a partir do ponto de vista interno como externo em sua relação com a sociedade. Sendo assim, apresenta preocupações voltadas tanto para as questões eminentemente pedagógicas quanto para a relação da educação com o âmbito externo, em sua relação com a sociedade. Prima-se aqui pela qualidade do ensino, fator indispensável para a preparação do homem em sua

8

vida no âmbito social, econômico e político, mas prima-se, também, pela importância do desempenho do sistema educacional e dos movimentos educativos na sociedade como um todo, pois se concebe que estes têm consequências no âmbito político, social e econômico vigente. Pelo fato de as abordagens anteriores não considerarem um ou outro fator constitutivo da relação com a educação (fator interno pelo “entusiasmo pela educação” e fator externo pelo “otimismo pedagógico”), elas se tornam “pouco realistas” (PAIVA, 2003, p. 41).

Ao lado das questões pedagógicas qualitativas da educação e da relação desta com a sociedade, os realistas em educação preocupam-se também com a expansão do sistema por meio da criação de movimentos educativos de caráter extensivo, que visem possibilitar aos contingentes populacionais marginalizados a conscientização política e a sua inserção na vida política do país. Atuam por meio de promoção de programas de massa ou por meio de movimentos que possibilitem oportunidades de educação popular, mas para uma educação de inclusão. Para isso, surge a necessidade de se buscar novos métodos.

Os representantes do “realismo em educação” constituem um grupo bastante heterogêneo em que se contrapõem posições no ponto de vista político. Conservadores e revolucionários podem fazer parte desse grupo. Esse é um fator de diferenciação se comparado aos representantes do “entusiasmo pela educação” e do “otimismo pedagógico”, que têm características de homogeneidade no sentido de os integrantes que os representam terem visões de mundo muito próximas.

Pode-se dizer que um dos primeiros grupos a configurar o “realismo em educação” é composto por alguns dos profissionais da educação liberais que, embora tenham, em determinado período, privilegiado somente as questões internas relativas à qualidade do ensino e às reformas dos sistemas educativos, tiveram, em outro momento, a percepção e a clareza de manter uma perspectiva externa ao sistema, bem como aos movimentos e a análise sobre eles. Anísio Teixeira é um dos profissionais da educação que representa esse grupo.

Outro grupo que compõe e representa o “realismo em educação” seria o da esquerda marxista. Esse grupo é bastante heterogêneo. Dentre seus representantes, estão alguns dos militantes do partido comunista que surge na década de 1920, os quais pensavam em uma forma de analisar como a ação educativa poderia contribuir para a transformação da sociedade, de modo que pudesse ocorrer uma revolução proletária.

Para esse grupo, para que a sociedade pudesse se transformar, as modificações deveriam ocorrer, primeiramente, na base econômica. Sendo assim, não poderiam compartilhar do ideário do “entusiasmo pela educação”, que colocava a educação como o principal problema do país que, uma vez solucionado, seria capaz de resolver todos os demais. Por outro lado, pelo fato de alguns dos educadores marxistas estarem comprometidos com o movimento renovador, não perdiam de vista os aspectos qualitativos do ensino, pois, para a educação poder contribuir no sentido de uma revolução proletária, era preciso preparar bem os homens. Nesse sentido, o método educativo deveria possibilitar uma conscientização sobre como é a sociedade e como ela funciona. Como representante desse grupo destaca-se de Paschoal Lemme, que atuou na área educacional até meados de 1960.

Na década de 1950, surgem os grupos de esquerda não marxista, como resultado das transformações ocorridas no país, como também pelo “intercâmbio ideológico entre cristãos e marxistas em consequência da evolução do pensamento social no seio da Igreja Católica” (PAIVA, 2003, p. 44). Assim como aos marxistas, há uma contestação da sociedade capitalista e de seus valores, por parte dos cristãos, que almejam uma sociedade menos repressiva.

Pode-se dizer que, em comum a esses três grupos, que caracterizam uma visão realista em educação, se faz presente a preocupação com o aspecto humanista para a realização do homem e a educação, obrigatória e gratuita, para todos, como um meio de possibilitar a participação do povo nas decisões políticas.

No âmbito das preocupações voltadas para a inclusão do adulto analfabeto ao meio social, econômico e político do país, há a preocupação com a busca de novas metodologias. Nesse contexto, as novas elaborações teóricas de Paulo Freire se destacam e se tornam revolucionárias. Muitos dos grupos que se dedicavam à alfabetização de adultos tomaram como base a proposta de alfabetização de Paulo Freire e, para que dela se apropriassem, investiram na formação de seus professores.

O quadro de professores da maioria dos grupos era composto por voluntários provenientes das próprias comunidades onde a educação se daria, bem como por jovens estudantes ou recém-formados, professores da escola regular ou intelectuais de diferentes áreas do conhecimento que participavam dos Movimentos de Cultura Popular9.

9 Adiante neste capítulo, abordar-se-á com mais detalhes o trabalho realizado pelos grupos que compõem

Nos Movimentos, a formação docente para o trabalho pedagógico junto ao aluno ocorria ao longo do desenvolvimento do trabalho, por meio de reuniões, por cursos ministrados com base no próprio material didático e nas orientações para seu uso, e também por programas de rádio.

Havia preocupações de uma formação não apenas relacionada ao conteúdo sistematizado a ser ensinado ao aluno adulto, mas também contemplando elementos voltados para o caráter político do fazer pedagógico e de sua relação com a conscientização do aluno, para que este pudesse transformar sua vida e a de sua comunidade. É uma formação que assume compromisso político na ação docente (FÁVERO, 2006).

O quarto grupo que compõe o fenômeno do “realismo em educação” é o representado pelos tecnocratas. Seus interesses estão voltados para questões relacionadas ao crescimento econômico. Pensam no aspecto técnico da educação, mas de modo mais geral, não somente no campo pedagógico, como os otimistas em educação. Seus representantes são economistas e, para estes, o papel da educação é aprimorar a qualidade do ensino por meio de currículos e métodos, visando à melhoria da capacitação de mão de obra, resultando em maior rentabilidade e eficácia. Eles se fazem presentes na década de 1960 com compromisso voltado para a ordem vigente (PAIVA, 2003).

Considerações sobre os três fenômenos

Essas são as categorias ou fenômenos educativos – “entusiasmo pela educação”, “otimismo pedagógico” e “realismo em educação” – que, ao longo da história da educação brasileira, com suas várias configurações nos diferentes tempos e espaços, mostram os valores e significados atribuídos à educação, bem como os valores e significados atribuídos aos educandos adultos e, consequentemente, os valores e ideologias a serem trabalhados pelos professores junto aos alunos, para que suas práticas estejam em consonância com as intenções de sedimentação ou transformação das estruturas socioeconômicas e políticas.

Cada um dos fenômenos educativos não acontece sozinho. Uma vez que eles fazem parte de uma dinâmica viva, estão em constante transformação; sendo assim, algum dos ideários predomina em um ou outro período, se conjuga e coexiste com

outros, em outros. Os fenômenos influenciaram os movimentos, as campanhas e os programas educativos e inseriram suas ideias e fundamentos que se fazem presentes, ainda hoje, nos cursos de formação de professores e nas práticas educativas.

Para a compreensão de como ocorreu a formação do professor de adultos à luz desses fenômenos educativos, explicitamos na sequência os principais movimentos, campanhas e programas de educação de massa.

1.3. Movimentos, campanhas e programas de educação à luz dos fenômenos