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O Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil (RCNEI) e as Diretrizes

2 MARCO TEÓRICO

2.3 Os documentos normativos: o que dizem sobre a leitura e o ensino da

2.3.1 O Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil (RCNEI) e as Diretrizes

Inicialmente é importante realizar uma breve contextualização do cenário em que o Referencial Curricular Nacional Para Educação Infantil surgiu. Temos como marco histórico em nosso país a Constituição de 1988, resultado de grandes lutas e embates sociais que buscavam reestabelecer os direitos sociais na busca da construção de uma sociedade mais democrática. A Constituição buscou assegurar a educação como direito subjetivo do ser humano e, partindo desse entendimento, foi elaborada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDBE) de 1996 que fixou, pela primeira vez na história do país, a EI como primeira etapa da educação básica.

Em decorrência desta lei, em 1998, o Ministério da Educação publica o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998) que tem como objetivo balizar as políticas voltadas para este segmento da educação. Desta forma, o referido documento institui como pressuposto para a EI o cuidar e o educar visando à formação integral da criança e considerando seu direito à infância.

O documento foi organizado em três volumes em que se procurou estabelecer os parâmetros a nível nacional para a prática pedagógica voltada para a criança de 0 a 611 anos.

O primeiro volume, introdutório, discute a concepção de criança, de educação, de instituição e de profissional que fundamentam a proposta como também os objetivos gerais para a EI. Cabe aqui destacar um dos objetivos gerais apresentado no documento:

Utilizar as diferentes linguagens (corporal, musical, plástica, oral e escrita) ajustadas às diferentes intenções e situações de, de forma a compreender e

ser compreendido, expressar suas ideias, sentimentos, necessidades e desejos

e avançar no seu processo de construção de significados, enriquecendo cada vez mais sua capacidade expressiva (BRASIL, 1998, p. 63, grifos nossos).

Nota-se que o documento enfatiza o processo de interlocução em que a compreensão

11 No ano em que o documento foi publicado, a EI abrangia as crianças de 0 a 6 anos de idade. Atualmente, com a lei 11.274/2006 que institui o ensino fundamental de nove anos, a EI passa a compreender o período de 0 a 5 anos e o Ensino Fundamental passa a incluir as crianças de seis anos.

está na base, ou seja, o ensino das diferentes linguagens, entre elas a oral e escrita, tem como finalidade levar a criança a melhor compreender o seu meio e ser por ele compreendida. Como já afirmava o educador Paulo Freire (1988), a leitura de mundo precede a leitura da palavra. Porém, para se ter maior autonomia nesse processo de compreender o mundo, a compreensão do texto escrito, elemento da cultura letrada pelo qual a humanidade representa a sua realidade, é um elemento essencial.

Ao final do primeiro volume o documento apresenta a estrutura geral do RCNEI que abrange as seguintes áreas nos volumes seguintes, a saber: volume 2 - Formação Pessoal e Social e o volume 3 - Conhecimento de Mundo.

O volume 2 discute, prioritariamente, as concepções que fundamentam os processos de construção da identidade e da autonomia da criança, bem como as orientações pedagógicas para tal desenvolvimento.

O terceiro volume, por sua vez, apresenta seis eixos de trabalho que devem orientar a prática pedagógica relativa às diferentes linguagens que a criança deve construir. Fixa os objetivos desses eixos como também os conteúdos a serem explorados e as orientações didáticas para os segmentos da creche e pré-escola. Como nosso objetivo de trabalho consiste em conhecer as concepções e práticas docentes referentes ao ensino de compreensão de texto nossa análise restringe-se ao que é apresentado nesse terceiro volume, mais especificamente, às orientações relacionadas ao eixo da linguagem oral e escrita.

Dentro desse eixo o documento apresenta algumas ideias e práticas presentes no contexto da EI e faz um breve histórico de tais práticas e concepções. Apontando para o resultado de recentes pesquisas, advoga uma nova perspectiva para o ensino e a aprendizagem da linguagem oral e escrita por crianças pequenas. Ainda de acordo com o Referencial, a língua é vista como um sistema de signos histórico e social permitindo-nos afirmar que o trabalho com a linguagem deve se dar de maneira dialética em que as questões culturais devem ser consideradas e que é por meio da linguagem que o sujeito interpreta e representa a realidade.

Os objetivos para o trabalho com linguagem oral e escrita estão organizados segundo a faixa etária, ou seja, crianças de zero a três anos (creche) e crianças de quatro a seis anos (pré- escola).

Ainda que as práticas no primeiro segmento da EI não sejam o foco da presente pesquisa, os objetivos colocados para as áreas de linguagem oral e escrita para a faixa de zero a três anos são os seguintes (BRASIL, 1998, p. 130):

 Participar de variadas situações de comunicação oral, para interagir e expressar desejos, necessidades e sentimentos por meio da linguagem oral, contando suas vivências;

 Interessar-se pela leitura de histórias;

 Familiarizar-se aos poucos com a escrita por meio da participação em situações nas quais ela se faz necessária e do contato cotidiano com livros, revistas, histórias em quadrinhos etc.

Considerando os objetivos colocados pelo documento, verificamos que desde a primeira etapa as crianças devem ser estimuladas a participar de situações variadas que lhes possibilitem relacionar-se com a linguagem de maneira plena. Desde muito cedo devem ouvir histórias e familiarizar-se com o uso de livros, revistas e suportes de diversos gêneros textuais. Desta forma, o processo de formação de leitor deve ocorrer desde o momento em que a criança entra nas instituições de EI e espera-se que este processo vá, paulatinamente, se ampliando e se consolidando.

No que diz respeito à segunda etapa da EI os objetivos estabelecidos no RCMEI são os seguintes (BRASIL, 1998, p. 138):

 Ampliar gradativamente suas possibilidades de comunicação e expressão, interessando-se por conhecer vários gêneros orais e escritos e participando de diversas situações de intercâmbio social nas quais possa contar suas vivências, ouvir as de outras pessoas, elaborar e responder perguntas;

 Familiarizar-se com a escrita por meio do manuseio de livros, revistas e outros portadores de texto e da vivência de diversas situações nas quais seu uso se faça necessário;

 Escutar textos lidos, apreciando a leitura feita pelo professor;

 Interessar-se por escrever palavras e textos ainda que não de forma convencional;

 Reconhecer seu nome escrito, sabendo identificá-lo nas diversas situações do cotidiano;

 Escolher os livros para ler e apreciar.

Como vemos, tais objetivos estão relacionados à ampliação gradativa das capacidades linguísticas de falar, escutar, ler e escrever. Como discutimos anteriormente o desenvolvimento da compreensão de textos escritos perpassa por tais capacidades linguísticas. Assim, para compreender textos é importante envolver-se em situações que possibilitem à criança ouvir histórias e outros gêneros textuais que ampliem seu conhecimento de mundo, assim como é necessário conversar sobre os textos lidos, elaborar e responder perguntas, relatar suas vivências, tal como está proposto no documento.

O documento ainda apresenta os conteúdos a serem abordados no domínio da linguagem apontando que a oralidade, a leitura e a escrita devem ser trabalhadas de maneira

integrada. Assim, os conteúdos e algumas orientações didáticas para o professor são discutidos em três blocos: “falar e escutar”, “práticas de leitura” e “práticas de escrita”. Queremos aqui destacar as orientações referentes ao bloco “práticas de leitura”, já que estas estão mais diretamente relacionadas ao nosso objeto de investigação. Contudo, acreditamos que os demais blocos também contribuem para o desenvolvimento da compreensão leitora e reiteramos a importância de um trabalho integrado.

As orientações destinadas ao professor destacam os aspectos a serem explorados com a criança pequena como:

 Participação nas situações em que os adultos leem textos de diferentes gêneros, como contos, poemas, notícias de jornal, informativos, parlendas, trava-línguas etc.

Participação em situações que as crianças leiam, ainda que não o façam de

maneira convencional.

 Reconhecimento do próprio nome dentro do conjunto de nomes do grupo nas situações em que isso se fizer necessário.

 Observação e manuseio de materiais impressos, como livros, revistas, histórias em quadrinhos etc., previamente apresentados ao grupo.

Valorização da leitura como fonte de prazer e entretenimento. (BRASIL, 1998, p. 140-141, grifos nossos)

Como destacamos acima, ao orientar que “as crianças leiam ainda que não o façam de maneira convencional”, o documento assume a noção de que a leitura é um conjunto de ações que vai além da decodificação, podendo envolver, por exemplo, a capacidade de fazer inferências. As sugestões feitas para o professor para os momentos de leitura, tais como: “comentar previamente o texto, levantamento de hipóteses a partir do título ou figuras e contextualização da leitura” também dão indicativos de que o conceito de leitura está intimamente relacionado à capacidade de compreender o texto. Contudo, tanto no que diz respeito aos objetivos estabelecidos, quanto nas orientações didáticas apresentadas, os aspectos que envolvem a compreensão leitora não são diretamente explicitados, ou seja, as orientações dadas ao professor não o levam a entender que a compreensão do texto pode ou deve ser um objeto de ensino. Por exemplo, os procedimentos didáticos sugeridos acima antes de iniciar a leitura para as crianças são indicados apenas para “enriquecer o momento da leitura”. Assim, não fica evidente para o professor por quais razões determinados procedimentos devem estar presentes nos momentos de leitura ou quais as relações entre essas ações e o desenvolvimento da compreensão das crianças.

Em síntese, pode-se concluir que o RCNEI não informa claramente ao professor que a compreensão de leitura é algo passível de ser ensinado já na EI e que, dessa forma, não resulta da simples exposição prazerosa à leitura de textos, em especial, de gêneros literários.

Mais recentemente o Ministério da Educação, partir da resolução n° 05 de 17 de dezembro de 2009, estabeleceu as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil. Com base nessa resolução, o MEC elaborou um documento (BRASIL, 2010) com o objetivo de orientar estados e municípios para organização de suas propostas curriculares para a EI de maneira articulada com as diretrizes curriculares nacionais da educação básica. Tal documento reúne, portanto, uma série de princípios, fundamentos e procedimentos para apoiar as políticas públicas de elaboração, planejamento, execução e avaliação das propostas curriculares de EI, apresentando os pontos centrais que uma proposta deve contemplar ressaltando que a diversidade deve ser respeitada e que os princípios éticos, políticos e estéticos devem estar presentes. Ao fazer isso, esperar-se que cada município, considerando suas particularidades, garanta por meio de suas propostas o acesso ao conhecimento e a aprendizagem de diferentes linguagens incluindo a linguagem oral e escrita.

O documento “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil” (BRASIL, 2010) apresenta, inicialmente, as definições de EI, criança, currículo e proposta pedagógica que adota, como também explicita certos princípios pedagógicos gerais que devem ser respeitados. Destacaremos, a seguir, alguns aspectos nesse documento que acreditamos ser relevantes para análise das propostas curriculares dos municípios de Recife e de Camaragibe que será apresentada na próxima seção.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil assim definem que a EI é a primeira etapa da educação básica e pode ser oferecida em creches e pré-escolas no período diurno em jornada integral ou parcial. Adota a concepção de criança como sujeito histórico e de direito que nas interações, relações e práticas cotidianas produz cultura e, desta forma, também se constitui como sujeito cultural (BRASIL, 2010).

No que diz respeito ao currículo, este se constitui, segundo o documento, em um

Conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, cientifico e tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 512 anos de idade (BRASIL, 2010, p. 12).

12 Com a ampliação do ensino fundamental de nove anos em 2006, a EI passou a compreender o período de 0 a 5 anos e 11 meses de idade. A partir dos seis anos a criança passa a frequentar o Ensino Fundamental.

Ainda segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil, o currículo deve ter como eixos norteadores as interações e a brincadeira, garantindo experiências, no campo da linguagem. Com relação especificamente à linguagem oral e escrita o documento menciona que nessa área as crianças devem “... vivenciar experiências de narrativas, de apreciação e interação com a linguagem oral e escrita, e convívio com diferentes gêneros textuais orais e escritos” (BRASIL, 2010, p. 25).

As orientações apresentadas no documento são bastante gerais, não nos permitindo realizar uma análise mais aprofundada sobre o tratamento dado a tópicos específicos como o que nos interessa aqui: a compreensão de textos. Na verdade, considerando a natureza do documento, entendemos que esse não seria, de fato, algo esperado, já que o documento pretende estabelecer diretrizes gerais a serem consideradas na elaboração das propostas curriculares. Porém, o próprio documento indica que cada linguagem deve ser abordada de maneira mais aprofundada e que a Coordenação Geral de Educação Infantil, “está elaborando orientações curriculares, em processo de debate democrático e com consultoria técnica especializada” (BRASIL, 2010, p. 31). Ressaltamos, entretanto, que o documento data de 2010 e, até o momento, nenhuma publicação que trate mais especificamente sobre o trabalho com linguagem escrita na EI foi publicada.