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4 ANÁLISE DOS DADOS: OS SABERES DOCENTES PARA O ENSINO DA

4.2 A leitura e a compreensão de textos: o que fazem as professoras

4.2.1 A leitura e compreensão de textos nas atividades da rotina pedagógica nas salas de

4.2.1.3 A rotina do grupo da professora Lúcia

Como se pode ver no Quadro 4, Lúcia lia todos os dias (10/10) para as crianças. A marcação do calendário, a chamada, a escrita da agenda, a exibição de vídeos e a proposta de folhear livros de literatura também foram atividades presentes em todos os dias de observação. Assim, a rotina da sala da professora Lúcia parecia ser bastante estável ao longo da semana e o modo de conduzir cada uma dessas atividades era também praticamente o mesmo.

A primeira parte do dia era dedicada para que as crianças pudessem folhear livremente os livros de literatura. Em alguns dias, enquanto as crianças folheavam os livros, a professora preparava (escrevia) em seus cadernos atividades escritas voltadas para a alfabetização. Vejamos um exemplo dessas atividades presentes nos cadernos dos alunos:

Como mostra o exemplo acima, as atividades propostas giravam em torno da cópia de palavras e aprendizagem das letras. As atividades de casa seguiam o mesmo modelo das tarefas de classe. A professora tinha um repertório de figuras diferentes que colava no caderno

TAREFA DE CLASSE

BORBOLETA _______________

PINTE AS LETRAS QUE VOCÊ FEZ A B C D E F G H J K L

das crianças e a atividade proposta seguia sempre o modelo apresentado acima. Na atividade de classe as crianças eram auxiliadas individualmente pela estagiária da sala.

Vale destacar que essas atividades ocorreram com bastante frequência (6/10) e demandavam um tempo grande da professora visto que ela preparava o caderno de cada criança da sala. Enquanto isso ocorria, as crianças folheavam os livros livremente e considerando o tempo gasto para preparar os cadernos, vimos que muitas delas perdiam o interesse e procuravam brinquedos e outras atividades para fazer.

Em um dos dias observados notamos, porém, um melhor aproveitamento do tempo, pois enquanto algumas crianças folheavam livremente os livros de sua escolha, a professora fazia a leitura de livros para pequenos grupos de crianças.

Após essa primeira atividade a professora Lúcia organizava a sala em círculo e procedia a leitura de um livro escolhido dentre aqueles que as crianças estavam folheando. Após a leitura, as atividades de escrita da agenda, marcação do calendário e chamada se sucediam, sempre nesta mesma ordem.

Após ler o livro e realizar uma breve “conversa” com as crianças sobre o texto, ela seguia para o quadro e escrevia a agenda do dia, sem a participação das crianças. Assim, embora a agenda fosse parte da rotina desse grupo, assim como era no grupo da professora Selma, a forma de conduzir a atividade era bem diferente entre as duas docentes. Apenas ao final da escrita no quadro, a professora Lúcia chamava as crianças para ler junto com ela. Vale comentar que ao não solicitar a participação dos pequenos, perdia-se uma boa oportunidade para aprender sobre o sistema de escrita alfabética. Além disso, se a rotina atua como organizadora estrutural das experiências cotidianas é através da escrita da agenda que isso se explicita.

Uma pequena participação das crianças também foi registrada na atividade do calendário (10/10). Nesse momento, a professora questionava os alunos sobre qual era o dia da semana e escrevia no quadro. No que diz respeito à atividade da chamada (10/10), a professora escrevia os nomes das crianças presentes e ora solicitava que elas lessem os nomes, ora ela própria lia os nomes que escrevia. Em seguida, ela contava a quantidade de crianças e registrava no quadro o número de meninos e de meninas e solicitava às crianças que identificassem no mural da sala o numeral correspondente à quantidade de meninos e meninas presentes.

Retornando ao momento da conversa que ocorria logo após a leitura do livro de literatura, esta se resumia a perguntas literais sobre o texto, ocorrendo em sete das dez aulas

observadas. Como é ilustrado no fragmento abaixo essa proposta se dá dentro do que a professora Lúcia chamava de “roda de conversa” que, na verdade, também fica um tanto misturada com a escrita da “agenda do dia”. Vejamos:

A partir desse fragmento, vemos que a professora identificou como sendo a “roda de conversa” o momento em que ela questionou os alunos sobre o texto. A conversa, portanto, longe de ser planejada, quase nada contribuía para compreensão da história, já que se limitou a identificar o autor do texto, o tema do livro e o seu título.

Como já afirmamos, na amostra da pesquisa, essa foi a professora que mais lia para seu grupo de crianças e o tempo destinado a cada leitura variava em média de 15 a 20 minutos. Contudo, como já comentamos aqui, a exploração do texto se resumia, em grande parte, a perguntas literais e nenhum outro trabalho era feito a partir do texto. É interessante notar que as experiências pessoais e a história de vida da professora Lúcia, provavelmente, a levavam a ler diariamente para seus alunos. Vimos ainda que a professora avaliava que sua formação inicial era deficitária com relação ao ensino de compreensão. Vemos presentes aqui alguns componentes dos saberes docentes atuando sobre a ação pedagógica da professora. Assim, se por um lado, as experiências pessoais levavam a docente a perceber a importância

P – Oh, eu já escrevi agora a gente só vai ler. Presta atenção!!! Débora, Artur... pra não ficar perguntando o que vai fazer (referindo-se aos itens da agenda)

P – (lê o que estava escrito): Escola XXXX, segunda-feira, nove de setembro de 2013. Agenda do dia.

(A professora interrompe a leitura e comenta):

P: Tia já escreveu algumas coisas que a gente já fez e algumas coisas que a gente vai fazer ainda.

P: (retoma a leitura) Roda de história

P e A – Roda de conversa... (professora e crianças leem juntas)

P – Qual foi o nome do livro que a gente leu hoje? Qual foi nome do livro? O livro falava de quê? (a professora interrompe a leitura e questiona os alunos)

Crs – (inaudível)

P –Do gato! Quem escreveu o livro foi quem? A – Marcelo!!

P – Se um gato for! (título do livro)

P – Oh, (retoma a leitura) roda de história, tarefa. A gente já fez. Roda de conversa, chamada, lanchar, desenhar, brincar com massinha, recreio pra quem tiver assim (faz gesto de legal) pra quem não tiver desobedecendo....

de se estabelecer uma rotina com a leitura, por outro lado, a parca formação estabelecia alguns limites para a qualidade do trabalho desenvolvido pela professora.

Quanto à “exibição de vídeos” (10/10) percebemos que tal atividade esteve presente em todos os dias e a observação tinha uma função bastante clara: a de ocupar o tempo enquanto os alunos aguardavam a hora de ir para casa. A exibição se dava na última meia hora do turno, sem qualquer articulação com algum projeto ou tema que estivesse sendo tratado na escola.

A prática do desenho livre também era muito frequente quando comparada à rotina dos demais grupos participantes da pesquisa. Esta ocorreu em nove dos dez dias de observação. Assim, antes de ir para a sala de vídeo, a professora entregava cadernos aos alunos para que desenhassem livremente. Os cadernos ficavam no armário da sala e não eram identificados com os nomes das crianças. Elas desenhavam sem intervenção alguma da professora e em qualquer caderno! Assim, a grande frequência de desenho livre na rotina das crianças não é resultado da importância atribuída a essa atividade para os pequenos. O fato das crianças desenharem em qualquer caderno não permitia sequer que a professora acompanhasse a evolução do desenho dos seus alunos. Ao que parece, o desenho tinha o papel de preencher o tempo enquanto as crianças terminavam a atividade de classe e aguardavam o horário do lanche. Vejamos um trecho de observação de uma aula em que, após a leitura e a escrita da agenda, isso fica explícito:

Mais uma vez vemos que uma mesma atividade de rotina, neste caso o desenho livre, pode ser conduzida de forma muito diferente entre as professoras. No caso de Maria, ela solicitava o desenho das histórias lidas e, dessa forma, organizava uma memória dos textos

15:24h P - Agora a gente vai sentar pra desenhar.

15:39h (Todas as crianças estão desenhando e uma criança pede para brincar com joguinho, a professora responde que é hora de desenhar e comenta):

P – É uma preguiça tão grande de Ana. Vem desenhar, Ana! Ana – Desenhar o quê?

P – O que quiser!

15:56 – P – Quem terminou de desenhar pode pegar brinquedo.

(A professora circula pela sala observando as crianças e se haviam desenhado)

P – Cadê o desenho de vocês? (Questiona algumas crianças para poder confirmar se já poderiam ir brincar com brinquedos)

16:14 – (As crianças brincam com jogos de memória e encaixe e seguem fazendo isso até o momento em que a professora organiza a sala para a saída)

lidos nos cadernos de desenho de cada criança. No caso de Lúcia, o desenho livre se configurava claramente como apenas uma forma de manter as crianças ocupadas.

A categoria “outras atividades” foi contabilizada em oito aulas. No caso de Lúcia esta categoria corresponde a atividades como brincadeiras livres em sala e uso de jogos sem intervenção da professora e/ou intenção de aprendizagem de algum conteúdo, como, por exemplo, jogos de encaixe.