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4 ANÁLISE DOS DADOS: OS SABERES DOCENTES PARA O ENSINO DA

4.2 A leitura e a compreensão de textos: o que fazem as professoras

4.2.1 A leitura e compreensão de textos nas atividades da rotina pedagógica nas salas de

4.2.1.2 A rotina do grupo da professora Maria

Ao analisarmos a rotina da professora Maria verificamos que a marcação do calendário foi realizada com maior frequência que as demais atividades (8/10) durante os dias observados. A segunda atividade de maior frequência foi a tarefa de casa/classe, presente em sete das dez aulas observadas (07/10).

A rotina do grupo nos pareceu próxima de uma rotina de escolas de Ensino Fundamental que apresentam uma prática muito tradicional, ou seja, inicialmente a professora solicitava que os alunos colocassem os cadernos sobre o birô e iniciava a atividade de classe. Enquanto a turma estava envolvida na atividade de classe, a professora corrigia os cadernos de casa e colava nova atividade para casa. As atividades voltavam-se predominantemente para questões de apropriação do sistema de escrita alfabética.

Outra categoria com uma frequência significativa neste grupo foi a de “outras atividades” (8/10), tais como: massinha de modelar, brincadeiras livres, atividades de informática, música, entre outras.

Destacamos na rotina da turma da professora Maria a baixa frequência das “rodas de conversa” (2/10), tão presentes na sala da professora Selma. Além disso, percebemos que a professora realizava tal atividade, aparentemente, sem uma finalidade clara, somente com a preocupação de que as crianças relatassem alguma novidade. A professora apenas ouvia e, diferentemente do que vimos na sala da professora Selma, não parecia haver um engajamento de sua parte com vistas a realmente promover um diálogo entre todos os participantes da roda. O extrato, a seguir, ilustra o nosso ponto de vista:

Como percebemos acima, a professora era apenas uma ouvinte que conduzia “a atividade de conversa”, dando a palavra a cada criança. Assim, ela pouco questionava seus alunos de maneira a promover uma verdadeira conversa e o desenvolvimento da linguagem oral. Como discute Martins (2010), a interlocução entre professores e crianças na EI tende a se efetivar de maneira precária considerando muito pouco a dimensão dialógica da linguagem. Em seus dados, a conversa na roda se resumia a respostas (muitas vezes em coro) às poucas perguntas feitas pela professora.

No que diz respeito às “atividades orais de apropriação do sistema escrita alfabética” estas ocorreram duas vezes durante o período de observação (02/10), por meio da exploração da letra de músicas infantis, expostas na parede. A professora solicitava às crianças, por

P: Pronto?! Vamos lá!? O que vocês fizeram ontem? Ontem foi que dia? A: Domingo

P: Domingo! Domingo é dia de passear, de ficar em casa, de brincar... (Um aluno levanta a mão)

A: Deixa eu falar, tia!

A: Eu fui pra casa do meu primo

P: Foi? Peraí viu que Luana pediu pra falar. Diga... A: Ontem eu fui fazer feira lá na Cobal.

P: Fazer feira. Com quem?

A: Com meu pai com minha mãe (...) comprei morango. Comi dois P: Foi? Senta, Gilson! Dá pra aguardar, Antônio!

A: Tava gostoso! (a professora balança a cabeça confirmando o que a criança disse) P: Hum, hum. Terminou? Jair!

J: Fui pra praia.

P: Foi pra praia. Qual foi a praia? (a criança fica em silêncio). Sabe não, o nome da praia? (a criança continua em silêncio)

A: Camaragibe

P: Camaragibe não tem praia, não, menina! Sabe não, Jair, o nome da praia? (a criança permanece em silêncio)

P: Sabe não, né...Antônio? A: Já disse!

P: Disse o quê? Você disse pra mim, mas seus colegas nenhum escutou. A: Foi o batizado do meu irmão.

P: Hum, hum. Daniel!

A: Fui brincar com brinquedo.

P: Foi brincar com brinquedo aonde? A: Em casa.

P: Maria Esmeralda...

A: Eu fui pra praia, depois (inaudível) P: Foi? (,...) Camilo...

exemplo, que identificassem certas palavras e explorava sílabas iniciais. Considerando que as atividades em classe e para casa também envolviam o ensino do sistema de escrita temos nove atividades desse tipo em dez aulas.

Podemos concluir que, diferentemente do que vimos na sala da professora Selma, a ênfase do trabalho da professora Maria estava na alfabetização das crianças. A esse respeito, há que se considerar que o grupo da professora Maria era o último ano da EI e, provavelmente, a cobrança maior dos pais com respeito à alfabetização tem um impacto nas atividades que prioriza e em como ela organiza seu tempo pedagógico.

Nessa direção, observa-se ainda que as atividades mais lúdicas como música e brincadeiras livres se mostram escassas na rotina do grupo da professora Maria. A alta frequência da categoria “outras atividades” se deve às aulas de informática que ocorriam nesta turma duas vezes por semana.

Observando o Quadro 4, vemos ainda alguns momentos em que o jogo didático esteve presente nas aulas da professora Maria (05/10). Mais uma vez pudemos perceber o quanto o trabalho voltado para a alfabetização era enfatizado, pois esses jogos tinham como foco o trabalho de apropriação do sistema de escrita alfabética, em particular, o desenvolvimento da consciência fonológica. Assim, observamos as crianças jogando o bingo do som inicial da caixa de jogos do CEEL, “rimanó” (dominó de rimas) e caça-rimas.

As atividades de leitura tiveram uma frequência significativa (7/10). Assim como Selma, a professora Maria afirmava ler em média duas ou três vezes por semana para as crianças. Verificamos a leitura de gêneros textuais como histórias, regra de jogo, notícias e letra de música. Para os momentos de leitura, a professora sempre organizava a turma em semicírculo e as histórias foram os gêneros mais lidos.

No fragmento abaixo, a professora Maria, ao final da leitura, tenta recapitular todos os eventos da história, se atendo a informações bem específicas ao invés de discutir a questão principal que ela própria formula, mas não explora, que era saber qual era o frio da margarida. Vejamos o trecho selecionado:

A professora termina a leitura do livro A – Conta de novo!

P – Como era o nome da historinha? A – Margarida.

A2 – A margarida A3 – Da margarida A4 – Margarida fri...

P – Friorenta. A margarida friorenta. Porque que ela era friorenta? Vê se tu presta atenção!!! (a professora fala com um aluno)

As – Por que ela vivia com frio

P – Por que ela vivia com frio. (a professora confirma). Mas só que a margarida... A – Tremia mais

P – Tremia muito e a menina fez o quê com ela? Quem foi que contou pra menina que a borboleta tava com frio?

A – A borboleta azul

P – A borboleta azul. Que foi que a menina fez? A – Pegou!!

A2 – Levou pro quarto dela

P – Ela trouxe a margarida pro quarto dela, não foi?! E aí o que foi que aconteceu quando ela chegou no quarto?

A – Ela continuou morrendo de frio.

P – Continuou morrendo de frio. Aí que foi que a menina fez? A1 – Deu o casaco a ela e uma casa.

Após a leitura das histórias, vimos que a professora Maria sempre conversava com as crianças dentro do padrão “professora pergunta e criança responde”, ou seja, não havia uma conversa realmente significativa sobre o texto, tal como sugerem Brandão e Rosa (2010b). Em seguida, ela também solicitava que as crianças desenhassem sobre a história. Para isso, cada criança dispunha de um caderno de desenho devidamente identificado. Assim, a categoria “desenho sobre o texto lido” ocorreu em quatro dos dez dias observados (4/10).

Vale ressaltar que as crianças desenhavam de forma solitária, sem qualquer intervenção da professora ou solicitação de que elas mostrassem seus desenhos para os colegas retomando o conteúdo da história e possibilitando a construção de novos significados sobre o texto ouvido. Além disso, o tempo de leitura e “conversa” sobre o texto lido na sala da professora Maria era em média de 40 a 50 minutos. Assim, por vezes, as crianças, claramente, demonstravam cansaço e se desinteressavam pela atividade É importante para o professor que, mesmo procurando recuperar junto com as crianças o texto lido, considerar o tempo de concentração que as crianças nessa idade têm. Os aspectos ligados ao próprio desenvolvimento infantil como, por exemplo, o tempo de espera ou o tempo utilizado em uma única atividade deve se adequar às necessidades dessa faixa etária.

Destacamos ainda que entre as leituras realizadas, uma consistiu em uma releitura de história e a exploração do texto com as atividades de sempre: conversa (perguntas-respostas) e desenho.

Vale frisar que a possibilidade de ouvir histórias já conhecidas tem um bom potencial para o trabalho de compreensão, pois ao escutar a releitura de um texto, as crianças podem tomar consciência de pontos antes não percebidos ou bem compreendidos. Além disso, as crianças, comumente, gostam de ouvir as mesmas histórias. Este é um bom exemplo de que é

possível contribuir para o desenvolvimento da compreensão das crianças na EI num contexto significativo e lúdico, ou seja, sem que isso signifique, necessariamente, um ensino pautado num controle excessivo ou em uma predominância de atividades com a linguagem escrita em detrimento do trabalho com outras linguagens que também precisam ser valorizadas na EI.

Por fim, atividades como a reescrita coletiva de textos ou o reconto feito oralmente pelas crianças e/ou pela professora não foram registradas durante os dias observados.