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PARTE II – DIAGNÓSTICO DO CONFRONTO DOS PROGRAMAS DE RECUPERAÇÃO FISCAL COM A CONSTITUIÇÃO

CAPÍTULO 6 O SIGNIFICADO DOS PRINCÍPIOS NO SISTEMA JURÍDICO

No capítulo anterior, descrevemos as razões pelas quais se conjetura do conflito das normas dos Programas de Recuperação Fiscal com a Constituição, entrevendo-se que esse conflito se corporifica contra o núcleo de - princípios estruturantes - da superlei.

Assim, torna-se importante verificar as características daquela espécie de normas, os princípios, contra as quais se embatem os Programas de Recuperação Fiscal. Para isso, será necessário revisar o significado dos princípios jurídicos na hermenêutica constitucional contemporânea, sua importância, localização e tipologia, para que se compreenda a relevância daquele embate e suas conseqüências para o sistema jurídico.

Em seguida, deverão ser analisados os conteúdos dos princípios que se presume confrontados pelos Programas, intentando revelar a natureza e o modo como ocorre o confronto, para que se encontre uma solução jurídica para sua superação.

A noção157 de princípios como tipos de normas jurídicas é bem conhecida na ciência do Direito, mas o entendimento de suas funções na integração do sistema jurídico tem se modificado ao longo do tempo e das conformações sociais.

O interesse pelos princípios regentes dos sistemas jurídicos vem se acentuando nas últimas décadas, à medida que se desfazem os antigos padrões enrijecidos de comportamento social, repercutindo na seara do Direito pela influência renovadora do pluralismo político, direitos de minorias, conquistas tecnológicas, ideologia hedonista e globalização, entre outras, que resultam nas demandas de submissão dos interesses individuais aos coletivos, do direito reflexivo, do pluralismo jurídico ou mesmo da realização de um direito alternativo.

157 “Lembro ainda a propósito da distinção que cumpre estabelecermos entre conceito e noção, as observações de

Norbert Elias [1994:26]: ‘Conceitos matemáticos podem ser separados do grupo que os usa. Triângulos admitem explicações sem referência a situações históricas. Mas o mesmo não acontece com conceitos como ‘civilização’ e ‘Kultur’. Triângulo é conceito; não é jamais pensado na dinâmica da História; é o universal sem a negatividade dos particularismos. ‘Civilização’ e ‘Kultur’ são noções.” GRAU, Ensaio e Discurso, 2003, p. 228

Essas demandas buscam fundamento de legitimação jurídica no apelo à atuação das normas constantes da Constituição, lei superior elaborada sob justificativa de representação igualitária das aspirações de toda a sociedade, onde estão traçadas as diretivas essenciais à realização daquelas aspirações.

Parte dessas diretivas se encontram num dos conteúdos constitucionais comumente conhecido como – ‘princípios’ -, que podem ser entendidos, em primeira vista, como normas depositárias dos valores fundamentais preferenciais158 de um sistema jurídico, cuja obediência e aplicação substanciam a realização da ideologia159 predominante vigente e acreditada numa determinada sociedade.

Nessa descrição sintética acima, percebe-se que a compreensão completa da noção de princípios exige o esclarecimento de sua interação com os três elementos culturais referidos: os valores, a ideologia e o sistema jurídico.

6.1 – Valores, Ideologia e Sistema Jurídico

A compreensão da interação dos Princípios com os elementos mencionados exige antes, que se realize um bosquejo do ambiente em que medram, o meio cultural.

158 “Por isso, os princípios obrigam seus destinatários igualmente, sem exceção, a cumprir as expectativas

generalizadas de comportamento. Os valores, por outro lado, devem ser entendidos como preferências intersubjetivamente compartilhadas; expressam a preferenciabilidade (Vorzugswürdigkeit) – o caráter preferencial – de bens pelos quais se considera, em coletividades específicas, que vale a pena lutar e que são adquiridos ou realizados mediante ações dirigidas a objetivos ou finalidades. Daí dizermos que valores são bens atrativos – não são normas (1992/311-312).” GRAU, O Direito Posto e o Direito Pressuposto, 2000, pp. 78/79

159 “Já podemos extrair mais duas conclusões: (1) o próprio saber se uma norma, explícita ou implícita,

consubstancia ‘princípio’ é uma decisão inteiramente subjetiva, de cunho ideológico; e (2) no que concerne ao conjunto dos princípios existentes em dado sistema, a distribuição hierárquica é função da estrutura axiológica daquele que interpreta; equivale a reconhecer, é função da sua ideologia.” CARVALHO, Tributo e Segurança Jurídica, 2003, p. 353

6.1.1 - Cultura e Valores

O termo cultura pode ser definido como aquilo que se aparta do natural160, isto é, a grosso modo, seria possível identificar duas fontes de informações para produção do conhecimento humano.

A primeira seria a natureza, que é o ambiente físico circundante existente que se apresenta ao alcance da percepção dos aparelhos sensoriais humanos, que se torna fonte de conhecimento básico para as estratégias de sobrevivência física da espécie. O estudo organizado das informações dessa origem é realizado pelas ciências naturais.

A outra fonte de informações seria a cultura, que se constitui do próprio conhecimento acumulado, concebido a partir da atividade mental humana espontânea ou metódica, por fenômenos conscientes ou inconscientes, que se torna apreendido por processos de memória individual e coletiva, para utilização oportuna contra os desafios de sobrevivência que a espécie enfrenta na sua experiência existencial. Os estudo das informações dessa origem se desenvolve nas ciências culturais.

O Direito como objeto de conhecimento decorre puramente da atividade mental humana, isto é, o Direito se desenvolve no âmbito da cultura, e a ciência jurídica, portanto, deve ser classificada como ciência cultural, tal como outras ciências sociais, das quais a

160 Cultura (lat. cultura) ... 3. Enquanto se opõe a natura (natureza), a cultura possui um duplo sentido

antropológico: a) é o conjunto das representações e dos comportamentos adquiridos pelo homem enquanto ser social. Em outras palavras, é o conjunto histórica e geograficamente definido das instituições características de determinada sociedade designando ‘não somente as tradições artísticas, científicas, religiosas e filosóficas de uma sociedade, mas também suas técnicas próprias, seus costumes políticos e os mil usos que caracterizam a vida cotidiana’ (Margaret Mead); b) é o processo dinâmico de socialização pelo qual todos esses fatos de cultura se comunicam e se impõem, em determinada sociedade, seja pelos processos educacionais propriamente ditos, seja pela difusão das informações em grande escala, a todas as estruturas sociais, mediante os meios de comunicação de massa. Nesse sentido, a cultura praticamente se identifica com o modo de vida de uma população determinada, vale dizer, com todo esses conjunto de regras e comportamentos pelos quais as instituições adquirem um significado para os agentes sociais e através dos quais elas se encarnam em condutas mais ou menos codificadas. 4. Num sentido mais filosófico, a cultura pode ser considerada como esse feixe de representações, de símbolos, de imaginário, de atitudes e referências suscetível de irrigar, de modo bastante desigual, mas globalmente, o corpo social.” JAPIASSU & MARCONDES, Dicionário Básico de Filosofia, 1991, p. 63

ciência do Direito também faz parte. As ciências sociais são aquelas que se voltam para o estudo da atividade humana em sua agregação grupal, organizada sob o poder da razão.

Tratando-se de ramo de conhecimento cultural, o Direito se produz a partir das representações e necessidades da vida social, tornando-se então componente do ambiente cultural construído para garantir a sobrevivência grupal da espécie.

A estratégia de sobrevivência grupal exige a fixação de objetivos de interesse de todos, para que se promova a necessária união do esforço comum no sentido dessa sobrevivência, que será tanto melhor quanto seja a capacidade dos indivíduos e da força de união que os consolida.

Esses objetivos devem ser tanto perceptíveis como desejáveis para todos os indivíduos, com o significado do bem de todos e de cada um, e devem estar imiscuídos no consciente e inconsciente161 desses indivíduos, com força capaz de motivar a ação individual e coletiva em prol da sua realização como modo de vida.

Esses objetivos orientam o sentido do que é bom e justo para aquela sociedade e se constituem nos - Valores - idealizados pelas ciências sociais, entre estas, a Ciência Jurídica, como necessários à promoção do bem comum ou a felicidade geral.

Se a sociedade encontra um de seus pontos de união na perseguição de valores que signifiquem um estado de vida melhor e mais seguro para existência grupal, então, o Direito, como ciência desenvolvida para organização e estabilização da sociedade, só encontra sua razão de ser, quando destinado a realizar e garantir aqueles valores.

Quanto aos Valores, o estudo de sua origem e construção nas sociedades humanas é tarefa da filosofia162, na sua subseção da axiologia, que por sua vez, se desdobra pelos campos da ética, da estética e da filosofia da religião.

161 CUNHA, Limites ao Poder do Estado, 2001, p. 180

162 “O campo da filosofia divide-se portanto em três partes: teoria da ciência, teoria do valor e teoria da visão de

O estudo organizado dos valores exige uma sistematização racional para permitir sua compreensão pelo próprio estudioso e de seus interlocutores, que, assim como em outros campos do conhecimento, declina por se estender em tentativas de determinação de uma classificação e/ou de uma hierarquia dos valores, havendo mesmo aqueles que consideram que essa ordenação deve ser a tarefa definitiva do filósofo163.

Os valores apetecíveis ao ser humano e seu grupo são de diversas qualidades segundo as realidades da experiência existencial e comportam variadas classificações. Por outro lado, a coexistência de diversos tipos de valores, em princípio, concorrentes, na necessidade de busca e preservação pela ação humana, demanda a formulação de uma ordem de prioridades do que é mais ou menos valioso, ou seja, fixação de uma hierarquia.

A análise da valiosidade entre valores pode ser desenvolvida por vários critérios comparativos, como aqueles sugeridos por Max Scheler164, onde: - os valores mais duradouros são mais importantes que os mais transitórios; - os valores menos divisíveis na participação coletiva são mais relevantes que os que permitem desfrute mais divisível; - os valores que fundamentam outros valores são superiores aos valores neles fundamentados; - os valores que realizam satisfação mais profunda valem mais que os superficiais e - os valores que são percebidos no plano ‘espiritual’ são mais elevados que os percebidos por meio dos aparelhos sensoriais.

163 “Todas as ciências devem doravante preparar o caminho para a tarefa futura do filósofo, sendo esta tarefa

assim compreendida: o filósofo deve resolver o problema do valor, deve determinar uma hierarquia dos valores.” NIETZSCHE, Genealogia da Moral, 2003, p. 46

Entretanto, a estruturação de uma hierarquia de valores165 atuante numa sociedade, que unifique o esforço de todos para alcance do bem geral, resulta da operação conjunta de todo o acervo integrado de crenças e experiências comportamentais, técnicas, científicas, morais, religiosas, costumeiras e jurídicas daquela sociedade, consolidado a partir das estratégias que significaram sua sobrevivência e seu equilíbrio interno com sucesso.

Esse acervo cultural será ordenado por aquela estrutura hierárquica de valores que se constitui em expressão da ideologia dominante, que funciona como pólo magnético de orientação daquela hierarquia166.

6.1.2 - Ideologia e Direito

A noção de ideologia pode ser entendida como a de um conjunto de convicções intelectuais concebidas como ideais para direcionamento de um grupo social. O termo ideologia167 surge como denominação de uma eventual ciência das idéias, tendo assumido nos tempos atuais um sentido positivo168, ou significado fraco169, pelo qual seria guia legitimado

165 “Estas mundividências e mentalidades, que guiam os interesses cognitivos predominantes e as apreciações

dos acontecimentos, incluem, além de componentes racionais, também componentes irracionais. Elas encontram- se, em especial numa situação de interdependência face a interesses e relações de poder variáveis, e também face a estados anímicos variáveis, como, p. ex., face a sentimentos de superioridade ou ressentimentos baseados na nacionalidade, estrato social, raça ou religião, ou então face a aspirações do poder, angústias existenciais e esperanças no futuro. Conseqüentemente, na nossa interpretação dos factos influem também valorações. A tabela de valores torna-se talvez mais evidente nas ideologias que dividem a humanidade, ou grandes partes dela, de acordo com o modelo maniqueísta, num ‘império da luz’ e num ‘império da escuridão’: p. ex., em crentes e ateus, ou num bloco marxista e num bloco capitalista.” ZIPPELIUS, Teoria Geral do Estado, 1997, p. 7

166 “Porém, esquemas ideológicos de explicação e interpretação não servem apenas para compreensão do mundo.

Eles convertem-se também em ‘modelos de orientação’, pelos quais se guia a acção. Deste modo, podem intervir sobretudo na determinação da estrutura social e da evolução econômica.” Idem, p. 50.

167 “Ideologia (fr. Ideologie). Termo que se origina dos filósofos franceses do final do século XVIII, conhecidos

como ideólogos (Destutt de Tracy, Cabanis, entre outros). Para os quais significava o estudo da origem e da formação das idéias. Posteriormente, em um sentido mais amplo, passou a significar um conjunto idéias, princípios e valores que refletem uma determinada visão de mundo, orientando uma forma de ação, sobretudo uma prática política.” JAPIASSU & MARCONDES, Dicionário Básico de Filosofia, 1991, p. 127

168 WOLKMER, Ideologia, Estado e Direito, 2000, pp. 95 a 97

das ações político-sociais ou um sentido negativo, ou significado forte, no qual é descrita como forma ilusionista de dominação de elites.

A afirmação da ideologia predominante170 ocorre através dos processos sociais que buscam e conseguem um equilíbrio estável na sociedade, capaz de garantir a segurança, a paz e a ordem progressista necessária a sua sobrevivência, o que não significa, necessariamente, a conquista definitiva dos valores idealizados, como seriam, para as sociedades contemporâneas, o igualitarismo pleno, a liberdade política ou a disponibilidade dos bens materiais mínimos para todos.

Desse modo, uma ideologia predomina apenas por um estágio temporário em que garante um certo equilíbrio dinâmico, que perdura até uma nova ordem estruturante se impor, implantando uma nova ideologia e a mudança da tábua de valores a perseguir.

Tendo sido a pauta de valores construída, organizada, hierarquizada e acreditada segundo uma ideologia, aquela pauta se torna então disponível ao aproveitamento das ciências sociais, seja para sua compreensão extensiva, seja para sua crítica modificadora, seja para o enfrentamento dos conflitos internos do sistema ou seja para sua utilização aplicativa, como largamente se exercita na praxis política e jurídica da vida social.

O Direito, alinhado como ciência social, naturalmente se orienta pela pauta de valores hierarquizada pela ideologia dominante, e, muito mais que suas congêneres humanistas, resiste à compreensão da natureza não neutra171 de sua própria construção e sobretudo de sua aplicação, em virtude do intrínseco idealismo necessário à afirmação de sua autoridade para

170 “Fica claro, a partir de agora, que não obstante a complexidade de uma conceituação do fenômeno ideológico,

toda ideologia é, por conseguinte, não só o reflexo simbólico permanente das condições e representações ético- culturais reais e imagináveis, como também da própria racionalização e legitimação de uma estrutura socioeconômica que predomina em determinado momento histórico-político.” WOLKMER, op.cit., 2000, p. 104

171 “A literatura política ou jurídica, desta forma elaborada, não é ‘cientificamente neutra’, como se

autoproclama, eis que, confundindo o conceito com a realidade, revela-se não só não científica como comprometida com a manutenção do statu quo.”AZEVEDO, Aplicação do Direito e Contexto Social, 1998, p.20

determinação de condutas e limites à liberdade dos indivíduos, função esta inexoravelmente fundamental na organização de sociedades civilizadas172.

Embebido de ideologia, valores e escala hierárquica de prioridades fundamentadas na predominância dos interesses das elites dirigentes, o Direito, sobretudo o positivado ou dogmático, reflete sempre as regras de dominação deste grupo173 e tende a se tornar tanto mais anacrônico, defasado da realidade, quanto mais se mantenha impermeável às reformulações sopradas da atividade social, causadas pelas progressivas modificações e adaptações de demandas e interesses em competição.

O esforço impeditivo do obsoletismo progressivo de um ordenamento jurídico dependerá, portanto, da sua capacidade de absorver os reclames da sociedade que representa174, que se inicia na atividade intelectual de doutrinadores e juristas, e mais adiante, pela positivação legislativa e da Constituição.

Desse modo, um sistema jurídico deverá manter-se em permanente interação com a realidade social, para que seu funcionamento e aplicação estejam o mais próximo possível da tolerabilidade social, ao invés de, no sentido contrário, precisar se valer cada vez mais de sua potência impositiva para exercer sua função regente da sociedade.

172 “A conduta social, tal como no fundo o comportamento humano, não é regulada suficiente e seguramente

através de instintos. Por isso devem criar-se artificialmente modelos de conduta, segundo os quais os indivíduos possam harmonizar as suas ações de maneira socialmente tolerável, previsível e segura. Apenas as ‘instituições’ desenvolvidas no decorrer da evolução cultural, isto é, as ordenações normativas de conduta aplicáveis aos variados âmbitos da vida, complementam as disposições de conduta herdadas, no sentido de formar modelos de conduta de sociedades complexas. Só as ordenações normativas de conduta fornecem uma certeza de orientação, indispensável para uma convivência proveitosa. Sem ela, não há estabilidade social. A sua falta inquieta também psiquicamente os indivíduos.” ZIPPELIUS, Teoria Geral do Estado, 1997, p. 48.

173 “A Ciência do Direito não consegue superar sua própria contradição, pois enquanto ‘ciência’ dogmática

torna-se também ideologia de ocultação. Esse caráter ideológico da Ciência Jurídica se prende à asserção de que está comprometida com uma concepção ilusória de mundo que emerge das relações concretas e antagônicas do social. O direito é a projeção normativa que instrumentaliza os princípios ideológicos (certeza, segurança, completude) e as formas de controle do poder de um determinado grupo social.” WOLKMER,op.cit,2000, p. 151

174 “Não é possível que o jurista, doutrinando, postulando ou aplicando as leis, precise abster-se da crítica e

desinteressar-se dos efeitos de seu trabalho, como condição de sua cientificidade. Não é possível erigir o mundo jurídico separado do mundo histórico. A Ciência jurídica, assim concebida, gira em torno do próprio eixo, ao invés de gravitar em torno da sociedade, vedando a consideração crítico-valorativa das instituições e, em razão disto, dificultando sobremodo a evolução do direito. Torna-se, assim, um discurso morto sobre uma realidade tida como inerte, porque deformada. Ao jurista que professa uma tal ‘ciência’, torna-se impossível instrumentalizar as transformações reclamadas pelas necessidades sociais.” AZEVEDO, Aplicação do Direito e Contexto Social, 1998, p. 22

Essa interação do sistema jurídico com as mudanças sociais permitirá que este acompanhe as transformações nas ideologias dominantes, que se instalam sucessivamente na dinâmica social e reorganizam a pauta de valores e prioridades, pelas quais o Direito deverá ser criado e aplicado.

6.1.3 - Sistema Jurídico e Princípios

Em revisão da noção de ‘sistema jurídico’, é ilustrativo recordar o significado atribuído à palavra sistema175 no âmbito mecânico, onde é largamente aproveitada para descrever o funcionamento de uma engrenagem ou sua estrutura, sugerindo um complexo limitado de elementos estáticos ou dinâmicos em funcionamento sincrônico.

A palavra sistema é utilizada e definida, neste sentido, em quase todos os ramos de conhecimento, sejam estes dedicados ao estudo de objetos materiais ou ideais, sempre com as características da unidade e da organização, natural ou artificial176.

No jargão jurídico corrente, a expressão ‘sistema jurídico’ costuma ser utilizada para atribuição de caráter unificado, completo e harmônico, necessário ao funcionamento de um

175 Sistema (do lat. tardio e do gr. systema, de synistanai: juntar) 1. Em um sentido geral, conjunto de elementos

relacionados entre si, ordenados de acordo com determinados princípios, formando um todo ou uma unidade. Ex.: sistema solar. 2. Conjunto de pensamentos, teses, doutrinas, desenvolvidos articuladamente e formando uma unidade lógica: o sistema de Hegel. Por vezes, em sentido pejorativo, a palavra ‘sistema’ é utilizada para designar um conjunto de idéias científicas ou filosóficas interligadas e formando um todo: o sistema de Newton, o sistema de Descartes. Sistema é um termo mais amplo do que teoria: o sistema de um autor é o conjunto de suas teorias, na medida em que elas se ligam entre si e remetem uma à outra. JAPIASSU & MARCONDES, Dicionário Básico de Filosofia, 1991, p. 226.

176 “Há duas características que emergiram em todas as definições: a da ordenação e a da unidade; elas estão uma