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Criado a partir da necessidade de uma ação intersetorial que mobilizasse os diferentes níveis e entes do Estado e da sociedade civil em torno da questão socioeducativa, o SINASE constitui-se como um importante marco legal, cuja principal atribuição está na articulação e na responsabilização das diferentes políticas em torno do atendimento adequado ao adolescente em cumprimento de medida socioeducativa.

Partindo desta premissa, a Lei nº 12.594/2012 define claramente o SINASE como um sistema articulador das diversas esferas e ações do Estado:

Entende-se por Sinase o conjunto ordenado de princípios, regras e critérios que envolvem a execução de medidas socioeducativas, incluindo-se nele, por adesão, os sistemas estaduais, distrital e municipais, bem como todos os planos, políticas e programas específicos de atendimento a adolescente em conflito com a lei (§ 1º do Art. 1º).

Verifica-se, assim, que a grande contribuição que o SINASE objetiva oferecer, na condição de sistema articulador do atendimento socioeducativo, conforme representado na figura abaixo, está em seu caráter intersetorial:

Figura 1: O SINASE e a Política Intersetorial

Desta forma, o atendimento socioeducativo desenhado pelo SINASE e pela perspectiva da proteção integral consagrada no Estatuto da Criança e do Adolescente deixa de ser objeto exclusivo do sistema de justiça e de segurança pública e passa a ser uma questão na qual todas as demais políticas e esferas do Estado devem se implicar, passando a guiar-se pelo princípio da incompletude institucional22.

Por meio da figura 1, podemos perceber o contraponto com a política socioeducativa fundamentada na Doutrina da Situação Irregular, que se efetivava majoritariamente no âmbito do poder judiciário e policial. A distinção com a proposta do SINASE é clara ao incluir em seu sistema as ações da política educacional, o Sistema Único de Saúde - SUS, o Sistema Único de Assistência Social – SUAS, O Sistema de Segurança Pública e Justiça, subentendendo, também, outras políticas igualmente importantes como profissionalização, esporte e lazer, cultura etc.

Considerado como uma política relativamente recente, o SINASE define as competências e atribuições de cada ente federativo, atribuindo aos Estados a execução das medidas de semiliberdade e internação e, aos Municípios, a criação e manutenção de programas de atendimento em meio aberto, ou seja, a Liberdade Assistida (LA) e a Prestação de Serviços à Comunidade (PSC).

Conceitualmente, o SINASE reforça a natureza pedagógica da medida socioeducativa e os princípios da proteção integral consolidados na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Incentiva a composição de redes locais a partir da municipalização do atendimento socioeducativo em meio aberto que deve ser priorizado em relação às medidas restritivas e privativas de liberdade, salvaguardando o direito à convivência familiar e comunitária que se estabelece como uma de suas diretrizes pedagógicas.

Classificada como um dos seus princípios normativos, a municipalização do atendimento destaca a importância do protagonismo da comunidade e da família no processo socioeducativo, enfatizando que todo o acompanhamento, desde a fase inicial, deve ser prestado dentro ou próximo do limite geográfico do município. Assim, aponta que a efetividade das medidas de Liberdade Assistida e de Prestação de Serviços à Comunidade resulta da maior interação do adolescente com a comunidade, diferentemente das medidas de privação de liberdade que acabam por implicar em segregação.

22 O princípio da incompletude institucional surge como oposição ao caráter confinador das instituições totais

categorizadas por Goffman (1974), que se constituem como um fim em si mesmas e segregam o indivíduo do seu meio social. Segundo Abdalla (2013, p. 63), “a incompletude institucional é um princípio fundamental e norteador de todo o direito da adolescência que deve permear a prática dos programas socioeducativos e da rede de serviços”. Por meio deste princípio, busca-se a articulação com as demais políticas e esferas da sociedade civil a fim de atender as demandas socioeducativas dos adolescentes privados de liberdade.

Pela mesma razão, Antônio Carlos Gomes da Costa aponta a Liberdade Assistida como a medida com abordagem educativa mais promissora, pois “o melhor lugar para se educar para o convívio social é no próprio convívio social” (COSTA, 2006 D, p. 60). Assim, a Liberdade Assistida é definida pelo SINASE como promotora da inclusão e integração social do adolescente, tendo como objetivos “estabelecer um processo de acompanhamento, auxílio e orientação ao adolescente” (BRASIL, 2006a, p.44) e a reconstrução dos seus vínculos familiares e comunitários e da sua vida social através da escola, trabalho e profissionalização.

Outra importante iniciativa apresentada pelo SINASE foi a previsão de um Plano Nacional Socioeducativo com objetivo de orientar o planejamento, a execução e avaliação das ações socioeducativas a partir de uma matriz de responsabilidades e eixos de ação. Paralelamente, compete aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a criação de seus respectivos planos que, alinhados aos parâmetros nacionais e aos marcos legais, contribuirão para que a política socioeducativa se torne, efetivamente, um processo plenamente articulado e capaz de executar um sistema de responsabilização essencialmente educativo, que possa restituir direitos e colaborar com a interrupção da trajetória infracional (BRASIL, 2013a).

O Plano apresenta um marco situacional da política socioeducativa no Brasil, a partir dos indicativos apontados no levantamento do SINASE, em 2011, que registra o número total de 19.595 adolescentes em cumprimento de medida de privação e restrição de liberdade e 88.022 adolescentes cumprindo medida em meio aberto (Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade). Registra, ainda, o aumento percentual da taxa de medida de privação e restrição de liberdade, subindo de 4,5%, em 2010, para 10,6% em 2011.

Entretanto, adverte quanto à redução de atos infracionais contra a vida e a elevação daqueles ligados ao tráfico de drogas, sugerindo a aplicação indiscriminada das medidas de internação e semiliberdade em casos nos quais as medidas em meio aberto seriam mais adequadas, conforme a legislação vigente.

O gráfico 1 apresenta a evolução do número de adolescentes em cumprimento de medidas em meio aberto (Liberdade Assistida e Prestação de Serviços) em relação à quantidade de adolescentes em cumprimento de medidas privativas e restritivas de liberdade (Internação e Semiliberdade):

Gráfico 1: Evolução quantitativa da relação entre adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado e meio aberto.

Fonte: BRASIL, 2013a, p. 14

Pode-se perceber, a partir da análise dos dados apresentados no gráfico 1, que houve certa estabilidade no número de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado. Já em relação ao atendimento socioeducativo em meio aberto, percebe-se uma progressão significativa, com uma evolução, em 2011, superior ao dobro do número apresentado em 2009. Em termos comparativos, a progressão resultou na taxa de 4,5 adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto a cada 1 adolescente cumprindo medida em meio fechado.

O Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo (BRASIL, 2013a) o atribui a elevação do atendimento socioeducativo em meio aberto à expansão do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), apontando a progressão de 388 para 903 municípios que passaram a receber o cofinanciamento federal para executar o Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida de Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade23, em 2010, conforme a Resolução nº 7/2010 da Comissão Intergestores Tripartite (CIT). Contudo, apesar da expressiva elevação, os dados do Censo SUAS 2013 ainda comprovam que o Centro de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS) absorveu, conforme tabela 2 abaixo, apenas 48,4% do atendimento socioeducativo em meio aberto:

23 Serviço socioassistencial tipificado pela Resolução nº 109/2009 do Conselho Nacional de Assistência Social

(CNAS), no âmbito da Proteção Social de Média Complexidade, realizado pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) em âmbito municipal ou regional.

Tabela 2: Local de execução das medidas em Meio Aberto

SERVIÇO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS EM MEIO ABERTO NO BRASIL

Local de execução Quantidade %

Na própria sede do órgão gestor da Assistência Social 1085 30,4

No CREAS 1750 48,4

Em outra unidade pública 539 14,9

Em entidade privada 237 6,5

TOTAL 3611 100%

Fonte: BRASIL, 2014a, p. 36

A análise desses dados explica, em parte, algumas das constatações elencadas no Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo (BRASIL, 2013a) em relação às medidas em meio aberto. O marco situacional aponta os principais problemas na execução do serviço: falta de qualificação dos municípios para implementação da política, insuficiência de recursos, práticas desalinhadas do ponto de vista teórico e prático, uso inadequado do Plano Individual de Atendimento (PIA), desarticulação das políticas intersetoriais, entre outros. No âmbito dos recursos humanos, são destacados: quadro de pessoal desestruturado, insuficiente e incompleto, remuneração incompatível, alta rotatividade principalmente em virtude da carência de servidores efetivos, entre outros.