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3. ESPECIFICIDADES DA DEFICIÊNCIA VISUAL

3.3. O Sistema Háptico

As experiências sensórias em geral são a base para a organização psíquica. Dois são os sentidos especialmente importantes para a pessoa com deficiência visual (OCHAITA e ROSA, 1995): a audição e o tato. Juntamente com a visão, a audição é responsável pela compreensão das distâncias dos objetos e pessoas, por isso ouvir para o cego é fundamental para perceber a localização das coisas e para aprendizagem.

Com o manuseio de diferentes objetos, com texturas, tamanhos e formatos variados a atividade cerebral é estimulada o que permite o conhecimento de si e daquilo que o cerca.

No caso da audição, esta capta qualquer estímulo vindo do ambiente e também promove o estímulo do cérebro para que este aprenda a filtrar as informações sonoras. Ao estimular essas habilidades as consequências da deficiência visual podem ser amenizadas ou superadas.

Com o objetivo de elucidar algumas questões sobre a percepção tátil não intencionamos mostrar superioridade de um dos sentidos em relação aos demais, nem mesmo compartilhar da ideia de que o tato substitui a visão, pois se o canal perceptivo difere não há como compará-los. A aprendizagem através desse sistema traz peculiaridades ao desenvolvimento cognitivo de pessoas com deficiência visual e é este o caminho que iremos seguir.

Ao tocar não necessariamente temos o intuito de fazê-lo, por exemplo, ao vestir uma roupa não nos atentamos ao contato entre o tecido e a pele, pois o objetivo é outro. Essa falta de intenção é conhecida como tato passivo, no qual a informação é imposta sobre a superfície da pele, como a sensação do calor, através de experiências comuns ou “normais”. Quando há intenção, busca pela sensação do toque é o que Gibson (1966) denomina de ativo. Nesse caso, o sistema perceptivo háptico capta a informação, não somente pelos receptores da pele, mas também aos receptores dos músculos e tendões, o que permite a interpretação do que esta sendo tocado.

Para Kastrup (2007) o tato pode ser considerado o sentido que para a pessoa com deficiência visual se torna o mais apropriado para fornecer as referências para se deslocar no espaço e, portanto, deveria ser por meio dele que a maior parte do conhecimento espacial deve ser reconstituído.

O conhecimento de mundo se dá através do contato com as coisas. No caso de bebês cegos a exploração do meio é mais lenta e muitas vezes precisa ser estimulada. Essa precoce estimulação promove o refinamento do tato o que irá resultar em um maior aproveitamento deste sentido. Schiff e Heller (1991) afirmam que a percepção é uma realização que pode depender do desempenho estimulado.

Além das diferenciações já citadas, o sistema háptico é o principal responsável por transmitir informações termais, de pressão e de peso. Devemos pensar para além da performance das mãos, mas na sua função sensorial. Ao tocarmos um objeto os limites visuais e táteis se aproximam, pois como afirmam Machado e Winograd ( 2007):

A mão tem uma função importantíssima na estimulação corporal, já que no momento em que tocamos com as mãos um objeto externo as fronteiras visuais e táteis ficam praticamente idênticas, sendo o limite entre o objeto e o corpo muito tênue. [...] de fato, a pele participa da nossa organização e integração psíquica, favorecendo uma relação dialética com o mundo. (p.464)

O processo de apreensão de conhecimento através do tato é diferente, obviamente. Enquanto a visão nos dá a síntese dos elementos visualizados, o tato constrói a representação sequencialmente, pois o campo de percepção é

muito mais restrito, no caso do ensino por materiais táteis ele é quase que exclusivamente dependente do campo das mãos. A memória de trabalho, aquela usada para compreensão em curto prazo, é carregada com as informações tateadas em partes.

Para Ochaita e Rosa (1995), a partir de uma perspectiva genética o tato permite captar informações que não são possíveis com a visão. Esta última é responsável pela forma, enquanto que o tato permite a informação em três dimensões. Permite ainda, perceber temperatura, forma e relações espaciais, entretanto, os autores destacam a influência da textura para esse sentido, comparando – a com o poder das cores sobre as pessoas “videntes” e que, mesmo com atraso em relação à visão devido a já citada sequencialidade do sistema háptico, as variações de rugosidades são percebidas com precisão pelo tato, mesmo quando a visão falha.

Através da exploração do ambiente pelas mãos, auxiliado por outros sentidos, principalmente audição e do olfato, as pessoas portadoras de limitação visual vêm conhecendo e/ou reconhecendo o meio ambiente em que vivem e tirando dele as informações necessárias para a sua sobrevivência e seu desenvolvimento físico, mental e intelectual (LIMA e SILVA, 2000, p. 3).

Mas como seria a representação mental de objetos abstratos, como a chuva ou, no caso da Geografia, as linhas imaginárias? Sua representação espacial é igual para os videntes? Não há respostas até o momento, sabe-se que a aprendizagem aliada ao tato, à exploração dos ambientes e de adaptações deles, como maquetes, por exemplo, colaboram para além do conhecimento individual do cego. Essas pesquisas auxiliam também na tentativa de compreender como este decodifica informações e faz suas representações mentais a partir dos modelos táteis e/ou multissensoriais. Segundo os autores supracitados, uma das questões-chave para que reflexões como essas estejam em destaque dentro da educação reside no fato da sua limitação a laboratórios e às revistas especializadas, não chegando diretamente àqueles que são responsáveis em primeiro grau pelo ensino dos estudantes com deficiência: “Educadores e pesquisadores, às vezes, trabalham paralelamente sem cruzar informações” (op. cit. p.3).

Quanto à generalização, homogeneização e padronização, os materiais destinados ao estudante com deficiência visual carecem de estudos, sobretudo em relação ao sistema háptico. Sabe-se também que a simples transposição do mundo visual pra a linguagem do tato está imbricada do processo estabelecido por quem enxerga normalmente, impedindo que se compreenda a representação mental de uma pessoa com deficiência visual de forma eficaz. Por isso, é importante atentar para que a metodologia adotada ao trabalhar com materiais adaptados esteja em conformidade com a limitação apresentada pelo indivíduo.

Podemos afirmar que as experiências sensórias proporcionam um elo entre um sujeito e outro, um elo que envolve intimidade e demonstração de afeto, sendo fundamentais para o ser humano, para sua organização psíquica ao longo de sua vida. O toque é uma linguagem que não deve ser esquecida, já que por meio dele é que entramos em contato com umas das mais primitivas formas de comunicação. (MACHADO e WINOGRAD, 2007, p. 474).

Gibson (1996) afirma que quando se identifica o objeto, o conhecimento se expande, pouco importa de qual sentido se obtenha a “informação” mais relevante. As relações deveriam na verdade ser intermodais para que se aprenda. Soler (1999) corrobora esta afirmação quando destaca a Didática Multissensorial:

Un método pedagógico de interés general para la enseñanza y aprendizaje de las ciencia experimentales y de la naturaleza, que utiliza todos los sentidos humanos posibles para captar información del medio que nos rodea e interrelaciona estos dadtos a fin de formar conocimientos multisensoriales completos y significativos. (p.45)

O que foi exposto até o momento revela a quantidade de conhecimentos necessários para trabalhar com materiais adaptados, a fim de que se conheça mais sobre as possibilidades diversa de que o ser humano dispõe para compreender o mundo em que vive e atuar sobre ele. O tato é uma alternativa, não única e nem isolada, para que o processo de ensino-aprendizagem se efetue com sucesso, entretanto, os agentes envolvidos devem conhecer as possibilidades e limitações daqueles que não tem perfeito o funcionamento do órgão visual. Para o cego, o braile é funcional para a transposição textual, mas

não revela a informação espacial de forma precisa. Para o individuo com baixa visão é importante que se estimule o resíduo visual, ainda sim sua habilidade tátil deve ser desenvolvida e estimulada.

Lavarda e Bidarra (2007) afirmam que o aproveitamento escolar dos estudantes com D. V. é equivalente ao dos estudantes que enxergam normalmente, ou seja, os comuns atrasos escolares diagnosticados na verdade são decorrentes de outros motivos que não o desenvolvimento cognitivo do aluno.

Embora pouco se saiba sobre a representação através do sistema háptico é ela, ainda, a mais viável nas salas de aula da rede pública. A Cartografia Tátil, por aliar diversos materiais, é atrativa, possibilitando que estudantes com deficiência e sem ela, professores e pais, trabalhem em conjunto em busca de um aprendizado significativo. Pesquisadores, educadores e psicólogos devem balizar-se ao lado dos estudantes com deficiência visual, e não sobre ou para estes.

3.4. O paradigma da inclusão e o estudante com deficiência visual