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O sistema paritário na institucionalidade do Planfor

19 Expressões de dois sindicalistas.

CAPÍTULO 3. PLANO NACIONAL DE QUALIFICAÇÃO DO TRABALHADOR (PLANFOR): CONCEITUAÇÃO E NEGOCIAÇÃO.

3.1. O sistema paritário na institucionalidade do Planfor

Ao mesmo tempo em que tem sua representatividade e poder de mobilização afetados pelo processo de reestruturação produtiva, o movimento sindical defronta-se com novos campos de atuação no plano institucional que se referem à gestão de políticas públicas. O Planfor expressa muito bem os aspectos acima, pois introduz na agenda sindical o debate da educação e da educação profissional ao mesmo tempo

24 Refiro-me à rede de escolas técnicas governamentais e ao Sistema “S” (Senai, Sesi, Senac, Senat e Senar) designado como “antiga institucionalidade”. O questionamento feito sobre as escolas técnicas é o de que elas atendiam apenas a uma demanda bastante específica das indústrias de ponta, e sua experiência estaria aquém das necessidades de qualificação para a maioria da população. Enquanto que o Sistema “S”, pelas fontes de recursos compulsórios e gestão, ficou restrito aos empresários e aos vínculos de formação dentro da lógica taylorista/fordista (Brasil, 1999; Petit e Ferreira, 2002).

que dissemina elementos, em seu conteúdo, que visam alterar o marco regulatório da relação capital-trabalho.

Em resumo, pode-se dizer que o movimento sindical, no atual contexto, defronta-se com novas demandas, colocadas aos trabalhadores, decorrentes do processo de exclusão de reestruração produtiva e que estão sendo remetidas para a negociação no âmbito das políticas públicas em espaços institucionais.

É nesse momento que emerge o ideário da flexibilização das relações de trabalho como um novo modo de regulação – fundado nas negociações – e como um dos elementos da modernização e desenvolvimento do país. O Estado, assim, busca legitimação para alterar o modo de regulação e, portanto, dar condições para que os novos mecanismos de dominação e uso da força de trabalho se estabeleçam, pelo compartilhamento com os diferentes interlocutores políticos.

Na apresentação da agenda da nova institucionalidade, pela Secretaria Nacional de Formação Profissional (Sefor), esses objetivos ficam claros, uma vez que a Educação Profissional é inserida no conjunto das políticas públicas de emprego e renda, bem como de “modernização das relações de trabalho”.

“Modernização das relações de trabalho no Brasil significa a superação do populismo e do autoritarismo consolidados na CLT, implica instituições que fomentem e garantam a negociação entre empregados e empregadores, fora da tutela do Estado. Passa, portanto, por um novo modelo de sindicato, pela desregulamentação das relações trabalhistas e por maior ênfase nos direitos coletivos, assegurados via negociação, mais do que pelas garantias individuais, postas em lei. Qualificação profissional é, ao mesmo tempo, componente e subsídio para essa pauta de modernização: a competência das partes é fundamental no processo de negociação e, esta, por sua vez, é que pode garantir a competência coletiva do setor produtivo” (Brasil, 1999, p. 15).

Torna-se premente afirmar que o programa de qualificação profissional aparece dentro de um projeto modernizador preconcebido racionalmente na esfera do Estado visando o desenvolvimento do país e sua inserção no contexto da competitividade internacional e da economia globalizada. Uma pauta premeditada sobre a qual os atores sociais, e principalmente o movimento sindical, devem deliberar.

Os novos espaços institucionais cujo o modelo é o paritarismo, têm se apresentado, não só no Brasil, mas também no âmbito internacional, como o centro onde se operam as políticas de emprego e renda e de qualificação profissional, bem como as formas de regulamentação trabalhistas (Fidalgo, 1999).

É no início da década de 90 que se institui o FAT e o seu conselho deliberativo, o Codefat – que é o órgão responsável pela implementação das políticas de emprego financiadas com recursos do FAT. Trata-se de um conselho paritário com representantes do setor empresarial, governamental e do movimento sindical. A bancada governamental é composta por um membro do BNDS e dos Ministérios do Trabalho e Emprego e da Previdência. A bancada empresarial conta com a representação da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF). Os trabalhadores estão representados por quatro Centrais Sindicais. A saber: Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Força Sindical (FS) e a Social Democracia Sindical (SDS).

No caso da qualificação profissional, é o Codefat que estabelecerá as diretrizes dos programas, bem como a sua aprovação, liberação dos recursos e prestação de contas financeiras dos convênios. No ano de 1995, esse conselho, por meio da resolução nº 9625, de outubro, estabelece os critérios para a operacionalização do

Planfor.

Fidalgo (1999), que analisou as pautas e atas das reuniões desse conselho entre 1996-98, destaca que “o paritarismo pode amainar o debate político, ao eleger como objetivo principal o consenso. Posições políticas ou ideológicas conflitantes não aparecem no rol das questões discutidas pelos interlocutores políticos. Por outro lado, os registros das reuniões revela que o centro das atenções tem sido os trâmites processuais para a distribuição de recursos” (Fidalgo, 1999, p. 158).

A partir de 1995 os investimentos na qualificação profissional aumentaram significativamente. Conforme a Sefor (2001), somente no período de 1995-2000 foram investidos cerca de R$ 1,9 bilhão dos recursos do FAT (cerca de US$ 1 milhão) para qualificar cerca de 11 milhões de pessoas. As ações foram realizadas em 3,5 mil municípios em uma rede composta de 1,5 mil entidades executoras – com destaque

para a universidade, os sindicatos, o Sistema “S” e as ONGs –, “sendo mobilizadas para a execução dos programas por meio de licitações realizadas pelos Programas Estaduais de Qualificação (PEQs) e pelos Parceiros Nacionais/Regionais” (Fidalgo, 1999, p. 60). Desse modo o Codefat chama para si a definição da política para o setor.

Fidalgo (1999) chama a atenção para o fato de que, mesmo assumindo funções importantes, a sua representatividade e legitimidade aparece “limitada”, uma vez que outras partes interessadas e representativas da sociedade não se fazem representadas dentro do conselho, com destaque para importantes órgãos governamentais e setores da sociedade excluídos do mercado de trabalho formal. O autor ainda vê, com preocupação, a questão do paritarismo, que precisa ser configurado e analisado, “pois as partes incluídas apostam na construção do consenso através deste caminho” (Fidalgo, 1999, p. 160). E diz que o

“[...] paritarismo cresce na mesma medida em que o Estado busca diminuir sua responsabilidade pela execução das políticas sociais, pois ele acaba delegando ao neocorporativismo, implícito nessas políticas paritárias, uma parcela importante da regulação social, ao conferir a estas organizações um papel institucionalizado e um estatuto público na elaboração e na execução de suas políticas” (Fidalgo, 1999, p. 160).

O que fica latente, na esfera do paritarismo, é que este pode, via consenso, tomar decisões particularizadas, às quais ele se restringe, em detrimento de outros setores da sociedade, ficam sem representação26. A bancada dos trabalhadores, no

âmbito do Codefat, é pouco representativa na medida em que outras centrais sindicais não estão ali representadas.

Um outro aspecto é que também as organizações representadas nos conselhos passam a se especializar, a criar uma estrutura burocrática e departamental27 para

gerir este campo de atuação, com funcionários, técnicos especializados e

26 A bancada dos trabalhadores, no âmbito do Codefat, é pouco representativa na medida em que outras centrais sindicais não estão ali representadas.

27 No caso das Centrais Sindicais gestoras de qualificação profissional, surgem estruturas, inclusive, nos moldes da “empresa moderna e enxuta e do trabalho precarizado”, com serviços terceirizados, cooperativas de trabalho, etc. Trabalhadores que, a cada período de renovação de convênio, são dispensados.

consultores28. A estrutura burocrática pode facilitar a centralização da informação e

levar a uma restrição do debate dentro de cada uma das organizações e na sua base respectiva. Este é um debate que precisa ser feito no âmbito do movimento sindical e, fundamentalmente, nas centrais que optam pela via institucional, justamente no momento em que têm suas bases enfraquecidas pelo desemprego.

O paritarismo ou participação institucional tem como parte de sua lógica a ausência de explicitação do conflito (Fidalgo, 1999). A idéia de formar uma Educação Profissional de caráter público estabelece o setor produtivo como principal negociador – trabalhadores e empresários. Os propósitos dentro do Planfor/Sefor estão bastante claros:

“[...] isso não quer dizer que se trata de uma questão privada. É preciso recuperar sua função e natureza pública, na qual o Estado deve exercer o papel articulador e fomentador de políticas globais, saindo, cada vez mais, da esfera da execução de ações diretas, centralizadas. É preciso compromisso com o desenvolvimento de personalidades criadoras, enriquecidas de cultura e sensibilidade crítica e empenhadas na superação das condições adversas ao seu processo de emancipação social” (Brasil, 1999b, p. 15).

A esse respeito, três aspectos precisam ser refletidos.

O primeiro é que a rede que se forma por trás de cada um desses atores parceiros nem sempre representa os interesses da sociedade. Esses atores podem vir a envolver (e envolvem), no caso das ações de qualificação no âmbito do Planfor, a rede privada de ensino na execução dos programas concebidos por essas instituições.

Segundo, que as políticas participacionais omitem o conflito e fomentam práticas colaboracionistas e consensuadas na mesa de negociação. Para setores significativos do movimento sindical, esta tem sido a opção preferencial de ação na negociação com o capital. Os limites da ação nesse campo precisam ser compreendidos, uma vez que o que se busca é a melhoria das condições de vida dos trabalhadores.

28 É nesse sentido que duas das Centrais Sindicais com assento no Codefat atuam neste com consultores-técnicos: a CUT com um economista e a Força Sindical com um jornalista.

E, em terceiro, que a natureza ideológica dos meios de participação, para os quais o movimento sindical é chamado, a exemplo do Codefat que atua nas deliberações do Planfor, reside no ideário do consenso e da concertação social. Desse modo, o movimento sindical estaria atuando na legitimação de um novo modo de regulação e de uso da força de trabalho, ao mesmo tempo em que empreende ações e adota conceitos, no campo da qualificação profissional, que refletem os interesses do capital. Ou então, nesse contexto, pode vir a referendar políticas assistencialistas, atuando como gestor num quadro de exclusão social, que é, em suma, uma política de colaboração de classes renovada.