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CAPÍTULO 1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.2 Sobre o ensino-aprendizagem dos números racionais

1.2.1 Os subconstrutos dos números racionais: a semântica das frações

1.2.1.2 O subconstruto quociente ou divisão indicada

Nesta interpretação olhamos para a fração

b

a como uma divisão entre

dois números inteiros, neste caso o símbolo

b

a representa uma relação entre duas

quantidades a e b denotando uma operação, quer dizer, às vezes

b

a (b ≠ 0), é usado como um modo de escrever a ÷ b (esta é a divisão indicada). Esta situação aparece quando um ou alguns objetos precisam ser divididos igualmente num certo número de grupos (dividir uma quantidade é separá-la em partes de tamanhos iguais). É a idéia de partilha, de fazer agrupamentos, de divisão indicada. Isto quer dizer que, conhecido o número de grupos a serem formados, o quociente representa o tamanho de cada grupo.

Para Nunes (2003), este significado está presente em situações em que está envolvida a idéia de divisão; por exemplo, uma pizza a ser repartida igualmente entre cinco crianças. Nas situações de quociente temos duas variáveis (número de pizzas e número de crianças), sendo uma correspondente ao numerador e a outra,

ao denominador – no caso 5

1 . A fração, neste caso, corresponde à divisão (1 dividido por 5) e também ao resultado da divisão (cada criança recebe

5 1 ).

Kieren (1980) assinala uma diferença significativa desta interpretação com a interpretação parte-todo, indicando que para a criança que está aprendendo a trabalhar com as frações dividir uma unidade em cinco partes e tomar três (3/5) resulta bastante diferente do fato de dividir três unidades entre cinco pessoas, ainda que o resultado seja o mesmo. Nesta interpretação se considera que as frações têm um duplo aspecto: (a) o de ver a fração 3/5 como uma divisão indicada, estabelecendo a equivalência entre 3/5 e 0,6 numa situação de repartição e (b) considerar as frações (números racionais) como elementos de uma estrutura algébrica, quer dizer, como elementos de um conjunto numérico no qual está definida uma relação de equivalência; duas operações (adição e multiplicação) que cumprem certas propriedades, de tal forma que dotam o dito conjunto de uma estrutura algébrica de corpo comutativo.

O conjunto quociente de ℤ x ℤ*, por intermédio da relação de equivalência (~), ou seja, o conjunto de todas as classes de equivalência determinada por ~ sobre ℤ x ℤ *, constituem Q = {

b

a / (a, b) ∈ ℤ x ℤ *}. (Para maiores

detalhes veja o apêndice.) Desta forma, podemos definir um número racional como um par de inteiros satisfazendo a equação bx = a. Em outras palavras, podemos dizer que números racionais são por definição quocientes. A existência deles está relacionada à propriedade de corpo que garante a existência de um inverso multiplicativo para cada inteiro b diferente de zero.

Segundo Ohlsson (1988), os números racionais, interpretados como quociente, podem ser entendidos de quatro maneiras diferentes:

Divisão: Dividir uma quantidade é separá-la em partes de tamanhos iguais. Segundo Silver (1986) esta aplicação é conhecida como a interpretação partitiva do quociente. Assim, 6 ÷ 3 = 2 é interpretado como a quantidade seis dividida em três partes de tamanhos iguais a dois.

Extração: Extrair é tomar (ou retirar) uma quantidade repetidamente de outra quantidade. Para Silver (1986), esta interpretação é conhecida como quotitiva. Neste caso, 6 ÷ 3 significa que a quantidade três é repetidamente retirada da quantidade seis, assim, a operação pode ser efetuada duas vezes.

Diminuição: É o processo de “encolher”, envolve uma única quantidade que é diminuída durante certo tempo por alguma outra quantia. Assim, 6 ÷ 3 pode ser “lido” como uma quantidade de seis que é “encolhida” de um fator três e se torna uma quantidade dois. Por exemplo, podemos falar sobre o volume de um balão como encolhendo com um fator três (como resultado, digamos, do aumento da pressão externa). Não há nenhum vocábulo especial para “encolhendo”; em termos rudimentares poderíamos dizer que o balão encolheu a um terço de seu tamanho anterior. A expressão “um terço” pressupõe uma relação particular entre quociente e números racionais.

Eduzir (Educing): Eduzir é tirar algo oculto ou potencial de algo. Embora esta aplicação é menos intuitiva do que as três anteriores, ela é interessante, pois existe uma classe de relações que não podem ser entendidas em termos de dividir, extrair ou encolher. Por exemplo, aplicando o quociente à área de um retângulo, a área, necessariamente, não é dividida em pedaços semelhantes ao retângulo original, nem o comprimento é extraído repetidamente, nem a área é encolhida para produzir a largura. A área é uma quantidade multidimensional; é o produto do comprimento pela largura. Neste caso, a variação da área pode ser produzida com a manutenção da largura e variando-se o comprimento, ou vice-versa.

Muitas das discussões das crianças sobre as alternativas de interpretações de problemas e as diferentes estratégias que eles utilizam para resolvê-los constituem-se em grandes oportunidades para professores e pesquisadores melhor compreenderem as relações internas existentes nos conceitos fundamentais de números racionais. Consideremos, por exemplo, as três estratégias alternativas para compartilhar três barras de doce entre quatro crianças relatadas por Carpenter et al. (1994). Uma solução envolve dividir cada uma das três barras de doce em quatro partes iguais e distribuir um quarto de cada uma das barras de doce para cada criança. Em uma segunda solução, são divididas duas barras de doce pela metade e as metades distribuídas às quatro crianças. A terceira barra de doce é

dividida ao meio, e, então, os meios são divididos ao meio. Este autor relata, ainda, uma terceira solução descrita por Behr, Harel, Post e Lesh (1992): as três barras de doce são unidas como uma unidade que é dividida em quatro.

Estas distintas soluções oferecem interpretações bastante diferentes do problema que pode ser analisado em termos da escolha inicial da unidade. A primeira solução pode ser concebida como um quarto de três unidades, e a terceira solução pode ser interpretada como um quarto de uma unidade de três. Embora, provavelmente, não seja necessário ou esperado que as crianças articulem estas diferenças nestas condições, Behr, Harel, Post e Lesh (1992, 1993) propõem que este tipo de análise da unidade pode ser útil para os professores entenderem o que as crianças estão pensando. As duas primeiras soluções ilustram como as frações podem ser pensadas em termos de diferentes composições aditivas (Carpenter et al. 1994)

Para Streefland (1984), as seqüências de ensino poderiam tomar a interpretação das frações como divisão indicada como centro do processo; aponta, ainda, que a grande dificuldade em relação ao ensino das frações na escola consiste na tendência de apresentar o assunto com um tratamento formal e algorítmico das idéias. A alternativa, segundo este autor, consistiria em buscar situações da vida real, utilizando-se de problemas que incluem a idéia de partição e medida, apoiados no conhecimento informal das crianças, e potencializar, por intermédio destas situações, a construção dos conceitos, as operações e as relações. Assim, Streefland, ao destacar as situações de repartição e medida, mostra-nos uma diferença significativa em relação a outros subconstrutos, por exemplo: “Em um restaurante temos que repartir três pizzas entre cinco crianças. Quanto corresponde a cada uma?”. O resultado 3/5 aparece a partir de um processo de diferenciar, dividir, abreviar, representar, simbolizar etc., requerendo do aluno muito mais do que a simples representação de um diagrama.