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CAPÍTULO 1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.2 Sobre o ensino-aprendizagem dos números racionais

1.2.1 Os subconstrutos dos números racionais: a semântica das frações

1.2.1.6 Relação entre os subconstrutos

Em razão dos diversos significados com os quais se pode conceber o conceito de fração/número racional, podemos considerá-lo um “superconceito”, pelo fato de sintetizar uma série de interpretações, anteriormente descritas, constituindo-

se em uma rede de subconceitos. Conforme salientado anteriormente, a interpretação e aprendizado desta rede de significados mobilizam diferentes estruturas cognitivas, neste caso entendidas como diversos esquemas de pensamento subjacentes às ações necessárias para desenvolver tarefas que implicam a idéia de número racional e que são construídas pelas crianças e jovens em diversas épocas de seu desenvolvimento. Do ponto de vista do ensino, não é possível isolar completamente cada uma das interpretações das demais. Algumas delas têm vinculações “naturais” que não se podem ignorar e fazem com que, ao se tratar de um determinado aspecto de um subconstruto, outros estejam implicitamente presentes.

Merlini (2005) investigou as estratégias utilizadas por alunos, de 5ª e 6ª séries do Ensino Fundamental, perante a resolução de problemas que abordavam cinco significados das frações: parte-todo, número, quociente, medida e operador multiplicativo. Os resultados obtidos revelam que não houve, em nenhuma das duas séries pesquisadas, um desempenho eqüitativo entre os cinco significados da fração. Quanto às estratégias de resolução dos problemas, também não houve uma regularidade. Em outras palavras, para um mesmo significado foram encontradas diferentes estratégias de resolução. Segundo a autora, os resultados obtidos permitem concluir que a abordagem que se faz de um determinado conceito de fração não garante que o aluno construa o conhecimento desse conceito especificamente.

A noção de fração simultaneamente como quociente e razão é bastante interessante. Como quocientes, números racionais são quantias aditivas. Eles respondem à pergunta (quanto?), advindos do ato social de compartilhar. Nas condições de Schwartz (1988), estes casos envolvem quantidades extensivas. Como razões, números racionais também têm um caráter intensivo; eles contêm uma propriedade que relaciona uma quantidade e uma unidade. Assim, os números racionais ou frações podem ser tomados para demonstrar uma complementaridade entre razão e quociente (Kieren, 1993).

Carpenter et al. (1994) também focalizam a relação existente entre os problemas de divisão ou quociente e razão. Para tanto, eles consideram o problema de dividir 3 biscoitos para 6 crianças. A resposta pode ser pensada em termos de quantidade (a quantia de doce que cada criança adquire) ou em termos de razão (a razão de biscoitos para cada criança). Esta distinção fundamental pode ser refletida

nas representações que as crianças dão aos problemas. Uma ilustração dos tipos de raciocínios que as crianças poderiam utilizar para resolver o problema seria: uma criança pode tomar 3 biscoitos, cortá-los ao meio e fazer a distribuição entre os 6 participantes. Outra criança poderia tomar três biscoitos e 6 crianças, com cada biscoito emparelhado para duas crianças. Poderíamos argumentar que a primeira representação focaliza a quantidade (medida, “área”) de biscoito que a criança adquire, e o segundo representa a razão entre biscoitos e crianças.

O caso das representações das frações na reta numérica (subconstruto coordenada linear) também pode ser considerado como um caso particular da relação parte-todo. Pensemos, por exemplo, na representação da fração ¾ na reta numérica. Uma criança pode tomar o segmento que vai do 0 ao 1, dividi-lo em quatro partes e tomar três deles, da esquerda para a direita. Neste caso o raciocínio utilizado pela criança é concernente ao subconstuto parte-todo em quantidades contínuas.

Uma ligação forte entre o subconstruto medida e coordenada linear foi identificada por Kieren (1976). Para este pesquisador, uma abordagem concreta e interessante do subconstruto medida de número racional pode ser feita utilizando-se a reta numérica. Neste contexto, uma unidade é representada por um comprimento, em contraste com o subconstruto parte-todo no qual a unidade é freqüentemente uma área ou um conjunto de objetos discretos. Ciscar e Garcia (1988) salientam que a reta numérica serve também como uma boa representação da interpretação das frações como medida. Identificada uma unidade de medida (segmento), esta admite subdivisões congruentes. O número de “adições interativas” da parte resultante das subdivisões que cobrem o objeto indica a medida do objeto (processo interativo de contar o número de unidades – subunidades – que se vai utilizar para cobrir o objeto).

Rodrigues (2005) realizou uma investigação com o objetivo de identificar aspectos do conceito de fração, relativos aos significados parte-todo e quociente, que permanecem não apropriados por alunos em fase de escolarização posterior ao ensino formal desses números. A pesquisa teve por objetivo buscar respostas para a seguinte questão: “Que aspectos do conceito de fração nos significados parte-todo e quociente permanecem sem ser apropriados por alunos de oitava série do Ensino Fundamental, terceira série do Ensino Médio e Ensino Superior na área de exatas?”. Os resultados obtidos evidenciam que, mesmo nesses níveis de escolaridade, os

alunos ainda apresentam dificuldades significativas sob três pontos de vista: da compreensão do papel da unidade nos problemas envolvendo frações; das peculiaridades das situações envolvendo grandezas discretas; e de aspectos mais abstratos da construção dos números racionais, como a inclusão dos inteiros e a explicitação de soluções em termos de operações com frações.

Como outro exemplo, podemos considerar uma interface existente entre os subconstrutos parte-todo e medida. Seja uma pizza dividida em oito pedaços dos quais comemos três pedaços. A fração 3/8 pode significar que o todo (pizza) foi dividido em oito pedaços e foram tomados três destes pedaços. Podemos considerar, também, a relação entre as áreas correspondentes entre os três pedaços de pizza e o todo (pizza inteira), neste caso, esta comparação denota uma medida (3/8).

Cada subconstruto tem peculiaridades que o caracterizam, como vimos nos segmentos anteriores. Muitas situações-problema possibilitam vários caminhos para a sua resolução, a identificação do subconstruto subjacente a cada uma destas situações depende muito mais da análise do tipo de raciocínio utilizado na resolução do que da situação-problema em si.