• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DOS DADOS

3.1 Unidade de análise 1: a compreensão do conceito de número racional e

3.1.2 A compreensão dos diferentes subconstrutos dos números racionais

3.1.2.1 As frações como parte-todo

3.1.2.1.5 Problemas com a identificação das partes, do todo e o processo

Entre as habilidades necessárias para o domínio da relação parte-todo em situações que envolvem superfícies e a correta realização da dupla contagem entre as partes e o todo, estão: a capacidade de reconhecer o todo; saber dividir ou reconhecer as partes em que o todo foi dividido; realizar ou reconhecer divisões congruentes. No que concerne a estas habilidades, identificamos uma série de concepções errôneas que evidenciam sérios comprometimentos no entendimento deste subconstruto por parte dos alunos concluintes. Para melhor entendimento da natureza destes erros, dividimos estas concepções em três categorias:

a) Realiza a dupla contagem sem levar em consideração a necessidade da congruência entre as áreas das partes consideradas

Um primeiro raciocínio equivocado relativamente ao processo de dupla contagem diz respeito à contagem pura e simples das partes em que o todo foi

dividido, sem levar em consideração a congruência das áreas. O resumo dos dados coletados no Instrumento 3 mostra que 15 alunos iniciantes (11,1%) e 22 concluintes (16,3%) associaram a fração 1/5 à figura:

O mesmo tipo de erro foi observado em 4 dos 15 alunos concluintes entrevistados, como pode ser observado pela seqüência de falas apresentadas pelo aluno A348:

Pesq.: Tá. Aqui você, no item c, você falou que era um quinto? A348: É.

Pesq.: O que significa o um e o que significa o cinco?

A348: É, ele... ele... ele pegou cinco... dividiu em cinco partes e deu uma parte só pra uma pessoa. Daí ficou assim. (A348, concluinte, Instrumento 4).

Isto significa que o aluno levou em consideração apenas o número de partes em que o todo foi dividido e o número de partes tomadas para realizar a dupla contagem, sem, contudo, atinar-se para o fato de que as cinco partes em que o todo foi dividido não eram congruentes.

Em relação a situação colocada no item f

|__|__|__|__|__|

observamos o acontecimento de situação análoga a anterior. Dos 15 alunos entrevistados, 9 apresentaram a resposta correta (3/5); porém, quando explicaram o procedimento utilizado durante a entrevista, constatamos que 4 deles haviam realizado apenas a dupla contagem. As áreas das partes hachuradas, relativamente à área do “todo”, não foi levada em consideração.

O raciocínio apresentado pelo aluno A253 é representativo deste grupo:

Pesq.: Tá. No item f você colocou três quintos. Como é que você riscou [O aluno tinha a figura toda riscada], por exemplo, usando essas partes divididas desse jeito?

A253: Mas a ... como que eu tô falando, a idéia que eu tive é essa: tava dividido em cinco partes, embora diferentes... Embora diferentes, eu peguei três partes de cinco.

Pesq.: Hum, hum.

A253: Eu não levei em consideração a .. a questão de medidas, se são iguais as figuras [partes]. Pesq.: Entendi (A253, concluinte, Instrumento 4).

Há situações, como, a colocada no item c, em que a área da parte hachurada é visivelmente maior do que a área de qualquer uma das partes em branco. Neste caso, ao dizer que a fração correspondente à parte hachurada é 1/5 (conforme anteriormente explicado pelo aluno A348), identificamos um problema que está na raiz conceitual do significado parte-todo. Para Behr, Lesh, Post e Silver (1983, p. 93), “a interpretação de um número racional como parte-todo depende diretamente da habilidade de dividir uma quantidade contínua ou um conjunto discreto de objetos em subpartes de tamanhos iguais”. Complementando esta idéia, salientamos que esta situação se apresenta quando um todo (contínuo ou discreto) se divide em partes “congruentes” (equivalente como quantidade de superfície ou quantidade de objetos). A fração indica a relação que existe entre certo número de partes e o número total de partes em que o todo foi dividido.

Em outros casos, como a figura do item d, em que a congruência da área das partes não é tão evidente, exige do aluno conhecimento de geometria para saber identificar a existência ou não desta congruência. Em relação a este item observamos que, embora 13 alunos, dos 15 entrevistados, tenham colocado a resposta correta (1/4), apenas 4 deles conseguiram identificar corretamente a congruência entre as áreas das partes em que o “todo” foi dividido, como mostra o caso a seguir, representativo desta situação:

Pesq.: Tá. Aqui no item d você colocou um quarto. Como é que você pensou aqui?

A124: É, embora não esteja igual, a gente dividiu o quadrado em quatro partes que eu chamei de um quarto. Mas...

Pesq.: E... e... esta parte que está hachurada é igual a esta parte que não está hachurada? A124: Não... é... (pensando). Parece que é... parece que é diferente, mas...

Pesq.: Em termos de área, elas são iguais ou são diferentes? A124: Iguais.

Pesq.: São iguais. E me diga uma coisa: pra... pra gente raciocinar assim, como você fez aqui tomou três partes de cinco partes no item a, você tem que ter dividido necessariamente em partes iguais ou se não tivesse dividido em partes iguais você não poderia chegar a uma conclusão? A124: Não. Tinha que ser partes iguais, senão não tinha como descobrir (A124, concluinte,

Instrumento 4).

Fica evidente que, além do conhecimento conceitual sobre o subconstruto parte-todo, o aluno não apresentou grandes dificuldades em reconhecer que a figura estava dividida em partes congruentes. Situação contrária aconteceu com 8 dos 13 alunos que associaram a fração ¼ à figura do item d; eles alegaram que as partes em que o todo havia sido dividido não tinham a mesma área, como mostra o aluno A161:

Pesq.: Tá. No item d você colocou um quarto.

A161: É. Eu pensei no mesmo critério, que eu tinha quatro partes, tomei uma ... [inaudível].

Pesq.: Me diga uma coisa, olhando pra esta área que está hachurada na questão d e olhando pra esta área lateral que não tá hachurada. Esta área é diferente desta área [O pesquisador aponta o triângulo hachurado e o seu adjacente não hachurado].

A161: É.

Pesq.: É diferente?

A161: É diferente. Olhando agora, eu acredito que seja diferente. Pesq.: Você não chegou a fazer nenhum cálculo pra provar isso. A161: Não. Não fiz.

No caso da figura d, os alunos não necessitavam efetuar cálculos para chegar à conclusão de que a área das quatro partes era congruente, bastava um procedimento simples para obter esta conclusão, por exemplo:

Outras vezes, dependendo da figura, a determinação da fração fica praticamente impossível de ser determinada se algumas medidas da figura não forem fornecidas.

Na situação colocada no item e a determinação da fração correspondente à parte hachurada não é imediata. Contudo, é evidente, mesmo visualmente, que a área da parte hachurada não é congruente à área das partes laterais da figura. Oito alunos entrevistados alegaram que as áreas das partes da figura eram iguais, como nos mostra o aluno A124:

Pesq.: E no item e como é que você chegou a um quarto? Esta parte hachurada é igual às outras três que não estão pintadas?

A124: É. Embora teje [sic] um pouco diferente, mantém o mesmo tamanho dependendo onde passasse.

Pesq.: Você acha que tem a mesma área?

A124: Acho que sim. Quase certeza (A124, concluinte, Instrumento 4).

Ou ainda o relato do aluno A175 que afirma que as quatro partes em que o todo foi dividido têm áreas congruentes, valendo-se de conceitos da trigonometria para chegar a esta contestação:

Pesq.: Bom, no item e, você também deu resposta um quarto.

A175: Também. Porque na verdade se a gente for fazer a ... os cálculos pela corda e o ângulo... e o raio, é a mesma situação.

Pesq.: Esta área daria igual a qualquer outra? [aponta as quatro partes]. A175: É igualzinha. Mesma coisa também.

Pesq.: Que conta que você fez para achar que é igual?

A175: É que na verdade aqui a gente tem que fazer pela corda, né, trigonométrica. Pesq.: Tá.

A175: Fazendo pela corda, essa área aqui vai ser igualzinha, a mesma coisa que essas outras também.

Um retângulo dividido ao meio pela diagonal resulta em duas partes congruentes.

Estes casos evidenciam que um dos problemas sérios subjacentes ao entendimento do subconstruto parte-todo, em situações que envolvem superfícies, está relacionado com a noção de área. As entrevistas foram determinantes para que pudéssemos entender esta dificuldade. Metade dos alunos concluintes entrevistados mostrou fragilidades no que concerne ao entendimento do conceito de área, comprometendo a compreensão deste subconstruto.

c) Erro no processo de dupla contagem: o aluno considera sempre o numerador da fração igual a 1 (o “todo”) e o denominador igual ao número de partes tomadas

Em menor escala (1 aluno entre 15 entrevistados), observamos um caso interessante de erro no processo de dupla contagem. O aluno pensa no numerador da fração sendo o “todo” (igual a 1) e o denominador como o número de partes tomadas. Vejamos o relato do aluno:

Pesq.: Aqui no item a você colocou que corresponderia à fração um terço. A280: Um terço.

Pesq.: Como é que você pensou pra chegar neste um terço? A280: Porque é um inteiro, pegou três partes.

Pesq.: De um inteiro?

A280: De um inteiro, pegou três partes. Pesq.: É isso que significa....

A280: Um terço.

Pesq.: Esse um para você significa? [apontando para o numerador da fração] A280: Esse... esse... um inteiro.

Pesq.: A barra inteira? A280: A barra inteira. Pesq.: E o três?

A280: As três partes que foi pega (A280, concluinte, Instrumento 4).

Cabe salientar que este mesmo aluno cometeu o mesmo erro nos outros itens, confirmando assim sua concepção errônea a respeito da forma de realizar o processo de dupla contagem.

d) O somatório das partes é maior do que o todo

Os Instrumentos 1 e 2 foram importantes não só para identificação da tendência conceitual dos alunos em relação às frações, mas também como forma de identificação de concepções errôneas envolvendo este subconstruto, que não seriam possíveis pela análise somente do Instrumento 3.

Entre os 79 alunos concluintes que criaram problemas em que o subconstruto parte-todo era central, identificamos 8 casos (1,0%) em que os alunos apresentavam todos (terrenos, mesadas, pizzas etc.) divididos em certo número de partes, em que o somatório das partes resultava em algo maior do que 1 (o todo). Vejamos dois exemplos:

Pedro repartiu um terreno entre seus três filhos. Deu 1/3 para o mais velho e 3/6 para o do meio e 4/9 para o menor. Quanto tinha o terreno inteiro? (A142, concluinte, Instrumento 1).

Solução apresentada pelo aluno:

18 23 18 8 9 6 9 4 6 3 3 1+ + = + + = (Instrum. 2).

Comprei um bolo e dividi em 9, comi 2/3, minha mãe 2/4, quanto sobrou do bolo? (A251, concluinte, Instrumento 1).

Resolução apresentada pelo aluno: 7,8

12 94 12 6 8 108 4 2 3 2 9− − = − − = = (Instrumento 1).

No primeiro caso (A142) é fácil ver que 1/3 + 3/6 + 4/9 = 23/18 > 1, ou seja, o somatório das partes dá maior do que o todo (o terreno dividido), fato este não percebido pelo aluno na resolução apresentada. Por este motivo, a resposta dada pelo aluno (23/18) fica incongruente com a pergunta: “Quanto tinha o terreno inteiro?”.

No segundo caso (A143), um bolo foi dividido em 9 partes (fatias), das quais 2/3 foram comidas pelo aluno e 2/4 pela sua mãe. O primeiro problema surge ao efetuarmos a adição das frações correspondentes às partes 2/3 + 2/4 = 14/12 = 7/6, ou seja, o somatório das partes consumidas do bolo resulta em algo maior do que o próprio bolo. Em segundo lugar, o aluno opera com as frações correspondentes às partes em que o todo foi dividido como se fosse o próprio número de partes. Neste caso, é a idéia das frações como operadores é que está prejudicada. Veja a ilustração:

Parte do bolo que o aluno comeu: .9 6 3

2 = (partes/fatias)

Parte do bolo que sua mãe comeu: 4,5 2 9 4 18 9 . 4 2 = = = (partes/fatias)