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O TEATRO DANNUNZIANO

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 36-48)

Numa reflexão sobre o teatro italiano define-se como tarefa árdua e abrangente, considerando-se a dificuldade de se identificar uma história linear dessa forma de representação artística nessa cultura. Assim, consideramos mais seguro recorrer a Staiger em Conceitos Fundamentais da Poética (1975) que reconhece a disponibilidade do palco em acolher distintos gêneros literários.

Não há dúvida que todo escritor que pensa em criar peças para teatro precisa ter conhecimento exato das possibilidades do palco; e que a orientação de alguém experiente facilita consideravelmente seu caminho. Apenas fica (...) a ressalva de que palco se presta igualmente aos mais diversos gêneros literários. (p.119)

Na opinião de Staiger, conseguem êxitos semelhantes uma peça construída totalmente em diálogo ou seu oposto, como uma ópera barroca ou ainda a apresentação de uma festividade nacional com quadros vivos. Mesmo assim, o teórico explica que todas essas representações ainda que possíveis no palco não devem ser incluídas no gênero “dramático”.

“Teatral” e “dramático” não significam, portanto, o mesmo. Contudo, a negação de interdependência dos dois conceitos viria contrariar toda a terminologia tradicional. (...) o dramático não tem que ser compreendido a partir de sua adaptação ao palco e sim que a instituição histórica do placo decorre da essência do estilo dramático? Um enfoque fenomenológico só permite essa interpretação. O palco foi, realmente, criado (...) como único instrumento que se adaptava ao novo gênero poético. (p.119-120)

No âmbito cultural europeu foi o teatro dramático aquele que melhor se destacou por ser ele um excelente recurso de comunicabilidade e por possuir a imitação e a ação como principais elementos. Estes não possuem uma função puramente estética, mas provocam o que teoricamente se denomina catarse, ou seja, a instauração de um reconhecimento e de uma identificação afetiva graças aos sentimentos de piedade e terror proposto pelo drama.

Gabriele D‟Annunzio quando começa a escrever textos para o teatro, nega totalmente o drama burguês e verista, propondo a criação moderna dos grandes mitos trágicos e desejando a restauração do teatro grego a partir de seus conhecimentos sobre ele e de outras influências teóricas, que aqui serão

apresentadas.

Alguns críticos dizem que D‟Annunzio dá início a sua produção teatral, porque buscava o completo aplauso das multidões. Sem dúvida, o poeta amava a glória, entretanto, se quis falar às multidões, foi para comunicar-lhes a beleza e a poesia. O próprio poeta em seu romance Il Fuoco afirma que

La parola del poeta, comunicata alla folla, era dunque un atto come il gesto dell‟eroe. Era un atto che creava dall‟oscurità dell‟anima innumerevole un‟istantenea bellezza, come uno statuario portentoso potrebbe da una mole d‟argilla trarre con un sol tocco del suo pollice plástico uma statua divina21. D‟Annunzio, portanto, é atraído para o teatro, porque, no palco, diante do público, pelos gestos e pelas palavras dos atores

La materia della vita non era più evocata dai simboli immateriali, ma la vita manifestavasi integra, il verbo facevasi carne, il ritmo si acelerava in una forma respirante e palpitante, l‟idea si enunciava nella pienezza della forzza e della libertà22. (Il Fuoco)

Com o objetivo de definir propriamente o teatro dannunziano, necessário se faz compreender suas influências. Aristóteles, em seu livro Poética, define a tragédia como

A imitação de ação séria, completa, que possui certa extensão, numa linguagem tornada agradável mediante cada uma de suas formas em suas partes, empregando-se não a narração, mas a interpretação teatral, na qual (os atores), fazendo experimentar a compaixão e o medo, visam à purgação desses sentimentos. (p.49)

O filósofo também observa que são seis os elementos que compõem uma tragédia grega: narrativa (roteiro), caráter, elocução, pensamento, espetáculo visual e poesia lírica e, o mais importante, para o filósofo, a estrutura dos atos, porquanto a

tragédia não é imitação dos seres humanos, mas da ação e da vida, da felicidade e da infelicidade (...) o fim sendo uma certa espécie de ação e não um estado qualitativo (p.50).

21 A palavra do poeta, comunicada à população, era, portanto, um ato como o gesto do herói. Era um ato que criava pela escuridão da alma incontável uma instantânea beleza, como uma estatuária portentosa poderia de um pedaço de argila tirar com um só toque de seu polegar plástico uma estátua divina. (tradução própria)

22 A matéria da vida não era mais evocada por símbolos imateriais, mas a vida se manifestava integra, o verbo se fazia carne, o ritmo se acelerava em uma forma de respiratória e palpitante.

Entendendo esses elementos como os básicos de uma tragédia, Aristóteles elenca também as partes distintas: prólogo, episódio, saída do coro e canto do coro. O prólogo é a parte autossuficiente da tragédia, que antecede a entrada do coro; episódio, a parte integral entre cantos completos coro; a saída do coro, parte integral

que sucede ao último canto (p.59).

Com esses elementos, para o filósofo grego, era possível encenar uma tragédia. Entretanto, toda tragédia, além desses elementos, precisa, necessariamente, provocar o terror e a compaixão. Uma vez que, segundo Aristóteles, é necessário que o público se identifique com as situações apresentadas no palco, considerando, dessa forma, que é também apto para sofrer de um mal idêntico aquele representado. Essa assimilação do público aos fatos narrados no palco é chamada por Aristóteles de mímesis, a qual, por sua vez, provocaria a

catarse.

Para Friedrich Nietzsche em O Nascimento da Tragédia (2012), essa catarse pode ser entendida como encantamento. Sendo ele o pressuposto de toda arte dramática, pois

Nesse encantamento o entusiasta dionisíaco se vê a si mesmo como sátiro e como sátiro por sua vez contempla o deus, isto é, em sua metamorfose ele vê fora de si uma nova visão, que é a ultimação apolínea de sua condição. Com essa nova visão o drama está completo. (p.57)

Aristóteles não foi leitor de Nietzsche, mas o contrário certamente ocorreu e, principalmente, D‟Annunzio foi um estudioso dos dois. Ao retomarmos o texto aristoteliano, observamos que para o filósofo grego a tragédia, pela imitação dos caracteres e das paixões, valendo-se da música, da dança, do espetáculo e, sobretudo, do princípio de verossimilhança, provoca um prazer que lhe é próprio, instigando no ânimo do espectador o terror e a compaixão, ao que conhecemos como pathos.

Ainda no âmbito dos ensinamentos de Staiger, entende-se que para os gregos, por muito tempo, não existia a divergência entre gênero lírico e pathos, uma vez que com frequência um se transformava no outro surgindo uma nova harmonia,

a ode. O pathos, então, afirma Staiger, seria igual à paixão, pois a fala patética que comove é a que mais se aproxima da linguagem lírica.

Já para a era moderna, o gênero lírico só pode ser compreendido quando o outro está aberto a ele, sendo o lírico algo suave e fluído, diz Staiger. O pathos é transformado em outro gênero e passa a ocorrer o contrário: é algo brusco e que deve ser aceito quase que à força. A fala patética pressupõe algo fora de si.

Esse prazer é alcançado com o fim terrível ao qual se destina o personagem trágico. Segundo Staiger, é um prazer que vem da vivência da dor através da interferência da arte e que se compõe de vários elementos.

Na produção teatral de Gabriele D‟Annunzio, podemos observar que o autor desejava recuperar e reinventar o espírito do teatro trágico e o faz com uma linguagem moderna. Não existia, no autor, nenhuma vontade de imitação, nem de uma restauração das tragédias gregas, mas, ao contrário, a consciência de que era necessário partir dos gregos para, então, inventar23 a sua tragédia moderna, uma “nova forma de teatro” que encontraria uma relação entre presente e passado, entre as inquietudes modernas dos personagens dannunzianos e os heróis trágicos.

Como dito anteriormente, D‟Annunzio foi leitor do teatro grego. No prefácio de sua tragédia Più che l‟amore (1905) declara que a sua arte “cammina col suo passo

inimitabile, con la movenza che è proprio di lei sola, ma sempre sul a vasta via dritta segnata dai monumenti dei poeti padri”24.

Antonucci em Introduzione a D‟Annunzio drammaturgo (2011) elenca quatro

razões para o interesse teatral dannunziano: la lettura della Nascita della tragedia di

Nietzsche fra il 1892 e il 1895, il viaggio in Grecia nel Luglio-agosto 1895, l‟incontro artístico e poi anche umano con Eleonora Duse dello stesso anno, la tarda (...) eppure significativa conoscenza direta delle Chorégies d‟Orange25 nell‟estate del

23 Apropriamo-nos do termo “inventar” utilizado por GIAMMARCO, que o aplica em seu texto por influencia de G.Oliva em D‟Annunzio e la poetica dell‟invenzione

24 Caminha com seu passo inimitável, com um movimento que é peculiar dela, mas sempre reto sobre a vasta via, assinalada por monumentos dos poetas primeiros.

1897.26 (p.2802).

O poeta reconheceu nas tragédias gregas a verdadeira fonte trágica e, a isso, uniu a definição de tragédia encontrada em Nietzsche.

Seu teatro também é repleto de outras influências, não só as gregas e a do filósofo alemão, é nesse gênero textual que o poeta concilia todo seu conhecimento de arte, ciência, costumes, música e dança.

Mario Praz em D‟Annunzio e l‟amor sensuale della parola (1988) reconhece

que D‟Annunzio se apropria de numerosas fontes organizando-as de maneira criativa e inovadora. O crítico questiona que tipo de inspiração teria D‟Annunzio, pessoal ou literária, e reconhece que o conhecimento das fontes ajuda a revelar alguns aspectos artísticos da obra literária. Nos textos dannunzianos, afirma Praz, encontra-se a presença de uma grande influência de outras obras das quais D‟Annunzio retira uma ideia, uma palavra, uma expressão com o objetivo de divulgar exatamente aquilo que é descrito.

Dentre inúmeras influências, está o conceito nietzschiano a respeito da tragédia. Segundo Nietzsche (2012), a característica da tragédia é dionisíaca e musical. A tragédia “(...) surgiu do coro trágico e (...) originalmente ela era só coro e nada mais que coro” (p.49) logo a música exprime a essência da tragédia, fazendo

vibrar a imaginação.

D‟Annunzio afirma em seu poema Notturno que la musica è come il sogno del

silenzio. (...) La parola che scrivo nel buio, ecco, perde la sua lettera e il suo senso. È musica. Le ore passano. La musica è come il sogno del silenzio27.

Nietzsche entende que a canção popular se apresenta ao público como o

França, é o teatro mais bem conservado da Europa

26 A leitura de o Nascimento da Tragédia de Nietzsche entre 1892 e 1895, a viagem à Grécia em julho-agosto de 1985, o encontro artístico e depois também humano com Eleonora Duse no mesmo ano, o tardio (...) mas também significativo conhecimento direto de Chorégies d‟Orange no verão de 1897.

27 A música é como o sonho do silêncio. (...) A palavra que escrevo no escuro, isso, perde a sua letra e o seu sentido. É música. As horas passam. A música é como o sonho do silêncio.

espelho musical do mundo, como melodia primigênia, que procura agora uma

aparência onírica paralela e a exprime na poesia (p.45).

Dessa maneira, é possível reconhecer que para o filósofo a melodia é que há de primeiro e mais universal, ela pode suportar múltiplas objetivações e, por fim, múltiplos textos. É a melodia também aquilo que há de mais importante e necessário na apreciação de um povo.

De si mesma, a melodia dá à luz a poesia e volta a fazê-lo sempre de novo; é isso e nada mais que a forma estrófica da canção popular nos quer dizer: fenômeno que sempre considerei como assombro, até que finalmente achei esta explicação. (p.45)

D‟Annunzio depreende das lições de Nietzsche que o trágico, como elemento dionisíaco, estava na música. Faz, então, a união da música com a poesia, sendo uma o complemento da outra. Ele se inspira, portanto, no que Nietzsche entende por tragédia

(...) originalmente a tragédia é só “coro” e não “drama”. Mais tarde se faz a tentativa de mostrar o deus como real e de representar em cena (...), como visível aos olhos de cada um, a figura da visão junto com a moldura transfiguradora: com isso começa o “drama” no sentido mais estrito. (p.59)

Na opinião de Antonucci, o escasso sucesso de algumas peças de D‟Annunzio deve-se muito mais ao aspecto inovador de suas criações e à falta de hábito do público com essas novas formas de representação. Essa justificativa é explicada na carta escrita por Georges Hérelle, seu tradutor francês, em 1900

Dato che D‟Annunzio è un scrittore meraviglioso, non sono certo stati i mezzi espressivi a mancargli. Secondo me, la causa principale dell‟insuccesso è teórica. Il sistema di D‟Annunzio è quello di disprezzare i fatti per preferire loro il sogno. Detesta le precisazioni, le spiegazioni concrete. Vuole che il suo pensiero rimanga flutuante, inafferrabile, e questa è per lui la condizione stessa di qualsiasi poesia superiore. Ancor di più: egli afferma che la quintessenza di questa poesia è, per sua natura, muta e non

si esprime degnamente che con il silenzio (...). Egli ha voluto fare esprimere dalle cose mute, dagli atteggiamenti e dai gesti muti quello che c‟è di più profondo e di più misterioso nelle passioni degli uomini28. (p.19)

Os personagens dannunzianos também eram inspirados na obra de Nietzsche, sendo movidos pelo instinto. É claro que para o poeta que se orgulhava de possuir uma vida acima das dos homens comuns, as ideias de Nietzsche respondiam perfeitamente aos seus desejos literários. Havia, sem dúvida, certas afinidades entre o temperamento do poeta e o ideal de Nietzsche: o desejo de domínio, a ambição, a ousadia e a paixão. D‟Annunzio sentia tudo intensamente e assim também agia. Não havia lugar para o meio, tudo era forte, violento e com um apreço pelo exagero. Por essa razão, D‟Annunzio afasta-se da concepção de crime que possuíam os clássicos gregos que tinham por finalidade a nobre afirmação do bem sobre todas as coisas e pessoas.

O herói grego, segundo Staiger, que praticava o crime, terminava punido e reconhecendo a necessidade da punição. Já o herói dannunziano entende que a morte é como um símbolo de purificação, como foi observado no capítulo anterior nas personagens principais das tragédias e como também será observado mais especificadamente em Mila, de La figlia di Iorio e em San Sebastiano, de Il Martirio di

San Sebastiano.

Em D‟Annunzio, o crime é algo necessário para a expansão e purificação do indivíduo. Nos gregos, é a punição do homem para a vitória do bem. Os heróis gregos agiam pela vontade do destino, os dramas infundiam terror ao público, entretanto, era um terror sagrado, desconhecido. Os espectadores sentiam piedade pelos heróis que eram vítimas do destino. Esses eram sem culpa, pois sofriam pelos erros dos antepassados e o destino nada mais era que a justiça sobre a terra, ocorria, nesse momento, a catarse.

28Sabendo que D‟Annunzio é um escritor maravilhoso, não são certos os meios expressivos a faltar- lhe. Em minha opinião, a causa principal do insucesso è teórica. O sistema de D‟Annunzio é aquele de desprezar os fatos para preferir o seus sonhos. Detesta as precisões, as explicações concretas. Quer que o seu pensamento permaneça flutuante, impossível de agarrar, e esta é para ele a condição principal de qualquer poesia superior. Ainda mais: ele afirma que a quinta-essência desta poesia é, por sua natureza, muda e não se exprime dignamente que com o silêncio. (...) Ele desejou exprimir das coisas mudas, dos movimentos e dos gestos mudos aquilo que tem de mais profundo e de mais misterioso nas paixões dos homens.

Os heróis dannunzianos, por outro lado, representam a vitória dos instintos sobre as leis morais e sociais, não havendo em seus atos a determinação de uma força superior, como o destino grego. Suas atitudes são espelhadas. Eles desconhecem o destino. A única força que os guia é o instinto. Para D‟Annunzio, o homem tem leis próprias, independentes de qualquer poder sobrenatural e de qualquer lei social. Por isso, os personagens dannunzianos representam o instinto humano.

Nesse aspecto, portanto, seus personagens refletem a alma barbárica do poeta, obedecendo aos instintos e aos impulsos, como os homens primitivos. Nenhum herói, portanto, o poderia satisfazer tanto quanto o superuomo de Nietzsche.

Segundo o filósofo, em Assim falou Zaratustra (2010), o homem vive imerso em um eterno retorno, em um tempo infinito onde todas as situações e os eventos podem se repetir infinitas vezes. Ele se torna escravo desse tempo e absorto em uma dimensão perenemente circular. Nietzsche explica que o mundo é povoado por milhares de pessoas que suportam esse eterno retorno sem tentarem mudar seu percurso, ficam presas e refugiadas em regras e seguranças impostas por uma estrutura e pelas próprias convicções. São, essas pessoas, incapazes de verem a vida como ela realmente é e se deixam acreditar na lei, na religião, na justiça divina, vivendo, dessa forma, de orgulho, humildade, medos e virtudes sem nunca tentarem sair deste eterno e estático ciclo.

Para Nietzsche, encontrar o caminho que conduz em direção ao superuomo, significa conquistar a consciência do próprio ser físico, imerso em um mundo tangível das coisas e, assim, entender que o espírito existe, pois existem as emoções e as compaixões e, principalmente, que somos e estamos imersos dentro de um mundo em que todas as regras são materiais e, por isso, a palavra e a arte são parte integrante desta dimensão material.

Entende o autor, que o superuomo tenha que ter a capacidade de se tornar realmente si próprio, conquistando a consciência dos próprios impulsos, entendendo

que dentro de si existem forças obscuras que alimentam o próprio ser. Nietzsche toma como exemplo uma árvore, entendendo que há uma dentro de cada ser: uma árvore alta e com suas raízes profundas dentro da terra, trazendo, assim, força da escuridão. O superuomo é ciente do seu lado obscuro e o alimenta com o propósito de produzir novas virtudes.

Entende-se, portanto, que o homem supera a si próprio somente por meio da criação de novos valores que o permitem conquistar uma visão linear do tempo e se liberar do eterno retorno, aceitando o risco de não ser mais compreendido pela gente comum.

O superuomo, desse modo, não é a figura popular, que chama a atenção e cujas palavras são perfeitamente compreendidas e aprovadas pela população. Ele muda o mundo, mas o faz longe do povo, distante do clamor e das luzes voltadas para ele, pois isso não o pertence. Ele retira da solidão o desejo de falar com uma nova voz, contradiz a si próprio e acredita fielmente na própria força criativa. Para isso, o superuomo deve voltar a ser como uma criança que ouve e obedece aos próprios impulsos, indo além de suas razões e naturezas, além da moral comum e das regras impostas pelo mundo. A criança, para Nietzsche, vive como a folha ou como uma flor, perseguindo o próprio objetivo além do bem ou do mal.

Posto isso, observamos no superuomo dannunziano traços da filosofia nietzschiana, enquanto que outras características são construções do próprio poeta. Antes de tudo, o superuomo dannunziano assume as características do poeta Vate, capaz de encantar os outros, seduzir as mulheres e viver uma vida originalíssima. Uma vida feita de novos valores, mas, muitas vezes, distantes pela pura introspecção. Esses valores se tornam populares, ricos de formas e possuem uma enorme capacidade de encantar os outros. Esse superuomo retira da força da criança o estupor, alimenta a própria criatividade como um amador de emoções curioso pelo mundo e consagra a arte à própria virtude.

O superuomo dannunziano sabe encantar, criando novos valores baseados no culto do êxtase, na forma e na procura desenfreada por uma nova consciência

que se torne indiferente à moral comum.

Muitas vezes, em seus textos teatrais, é a mulher que encarna esse personagem de superuomo, talvez, pela forte influência e constância com que o poeta se relacionava com elas. Como exemplo, podemos citar Fedra (1909). Ela, na versão dannunziana, deseja Ippolito, ainda que esse seja filho de seu marido, e contradiz, dessa forma, todas as regras da sociedade. Declara seu amor diretamente a ele e, uma vez rejeitada, mente e o conduz a morte. Sua intenção é clara: deseja que ele morra para que ela também se mate e assim, na eternidade, possam ficar juntos. Fedra vai além daquilo que a sociedade determina como o limite, seus desejos e vontades tomam as rédeas da situação e são eles quem

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 36-48)

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