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– PósGraduação em Letras Neolatinas

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FERNANDA GERBIS FELLIPE LACERDA

A PALAVRA E O PALCO NA PRODUÇÃO TEATRAL DE

GABRIELE D‟ANNUNZIO

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FERNANDA GERBIS FELLIPE LACERDA

A PALAVRA E O PALCO NA PRODUÇÃO TEATRAL DE

GABRIELE D‟ANNUNZIO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Literatura Italiana)

Orientador: Prof. Dra. Flora de Paoli Faria

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FERNANDA GERBIS FELLIPE LACERDA

A PALAVRA E O PALCO NA PRODUÇÃO TEATRAL DE

GABRIELE D‟ANNUNZIO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Literatura Italiana)

Orientador: Prof. Dra. Flora de Paoli Faria

Data de Aprovação: _____ de ________________ de 2014.

________________________________________________

Presidente: Prof. Dra. Flora de Paoli Faria – UFRJ

________________________________________________

Prof. Dra. Sonia Cristina Reis – UFRJ

________________________________________________

Prof. Dra. Geysa Silva – UFJF

________________________________________________

Prof. Dr. Fabiano Dalla Bona – UFRJ, Suplente

________________________________________________

Prof. Dra. Doris Natia Cavallari – USP, Suplente

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RESUMO

LACERDA, Fernanda Gerbis Fellipe. A palavra e o palco na produção teatral de Gabriele D’Annunzio. Rio de Janeiro, 2014. Dissertação (Mestrado em Letras Neolatinas) – Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.

Nossa pesquisa tem como objetivo examinar a produção teatral de Gabriele

D‟Annunzio em especial as tragédiasLa figlia di Iorio e Il Martirio di San Sebastiano através de instrumentos relacionados à Análise do Discurso. Nosso principal foco é a questão da definição do ethos teatral do autor, além de verificar a abrangência do estilo decadentista no chamado dannunzianesimo.

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ABSTRACT

LACERDA, Fernanda Gerbis Fellipe. A palavra e o palco na produção teatral de Gabriele D’Annunzio. Rio de Janeiro, 2014. Dissertação (Mestrado em Letras Neolatinas) – Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.

The main goal of our research is to examine the theatral production of Gabriele D'Annunzio, specially his tragedies La figlia di Iorio and Il Martirio di San Sebastiano, using discourses analisys related theories. We focused on the issue concerning the author's theatral ethos, and the verification of his decadent style's

comprehensiveness through dannunzianesimo.

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RIASSUNTO

LACERDA, Fernanda Gerbis Fellipe. A palavra e o palco na produção teatral de Gabriele D’Annunzio. Rio de Janeiro, 2014. Dissertação (Mestrado em Letras Neolatinas) – Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.

La nostra ricerca ha lo scopo di esaminare la produzione di Gabriele D‟Annunzio nel teatro. Particularmente le tragedie La figlia di iorio e Il Martirio di San Sebastiano per mezzo del suporto teorico della Análise do Discurso. I principale punto è la questione dela definizione del termine “Ethos” teatrale dello scritore, come pure dela occupazione dello stile decadentista in quello che viene indicato come “dannunzianesimo”.

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AGRADECIMENTOS

À minha orientadora, Professora Doutora Flora de Paoli Faria, pelo incentivo, pela constante disponibilidade, atenção e carinho. Agradeço pelas conversas e aulas tanto na graduação quanto já no Mestrado que foram de tanto valor;

À Professora Doutora Sonia Cristina Reis pelas orientações tão constantes, pela paciência e conselhos dedicados a mim durante a Iniciação Científica e pelas aulas de língua italiana jamais esquecidas;

À Professora Doutora Celina Maria Moreira de Mello pela preciosa ajuda na compreensão de conceitos específicos;

Aos professores da graduação em Letras Português – Italiano da UFRJ, por terem sido parte essencial de minha formação intelectual e por me proporcionarem tanto prazer em estudar;

Ao CNPq pela Bolsa de estudos que me permitiu uma maior dedicação e participações em congressos, colóquios e seminários;

Agradeço também aos que cuidam de mim na Terra e no Céu:

À minha mãe, Miriam Gerbis Lopes, minha amiga e minha força maior em todos os momentos. Por escutar meus lamentos, por torcer pelo meu sucesso e, principalmente, por compreender minhas tantas e tantas ausências no sofá aos sábados e domingos e mesmo assim me incentivar sempre mais;

À minha irmã, Renata, pelo apoio constante, pelas palavras de carinho e pelo companheirismo de sempre, mesmo distante. Pela amizade, por tantas risadas e brigas que me fizeram crescer tendo sempre em quem me espelhar;

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E também às tias Deisy e Adriana, pela inspiração acadêmica e enorme amor a mim dedicado;

Aos meus queridos primos e primas e à nova geração, Giuliana, Alice, Maria Eduarda e Julie;

À Silvia e ao Max por serem pai e mãe desde que nasci. Por cuidarem de mim, se preocuparem e me darem tanto amor;

À minha amiga Mariana. Indispensável em todos os momentos. Apoio e ombro durante toda a vida, essa e outras. Presente que Deus me deu. Obrigada por entender minha ausência tantas vezes e nunca reclamar, pelo apoio e incentivo e por estarmos sempre conectadas. E também à Tia Fátima, amiga, mãe e um colo sempre pronto para me receber;

Aos amigos que a Faculdade de Letras me proporcionou e que levo para vida: Helô, Karinna, Bianca e tantos outros;

Aos amigos que a vida me deu e que mesmo sem entender o que eu tanto estudo e reclamar minhas constantes ausências foram muitas vezes a força que eu precisava mesmo sem saberem. Com uma palavra de incentivo, um momento de interesse ou uma boa risada, agradeço ao estímulo e apoio: Lilian, Rafael, Ph (e todos os meninos), Kamilla(s), Michelle, Fê, Dedé, Miguel, Ítalo, Leandro, Gabriel, Giam, Bruna e tantos outros que pela falta de espaço não posso citar, mas que são parte fundamental de mim;

Aos amigos que Deus colocou ao meu lado para me orientar e me guiar com palavras e conselhos muitas vezes sem eu precisar nada falar: Paulo, Lucia e Luiz;

À minha gata, Lunna, pela companhia inseparável nas horas de estudo;

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compreensão em tantas mudanças de horário e pelo carinho, amizade e respeito com que sempre fui tratada;

Aos meus alunos que nesses dois anos compreenderam tantos dias de cansaço, por fazerem minhas manhãs, tardes e noites mais alegres e serem a razão para uma qualificação profissional cada vez melhor;

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 12

2 DEFINIÇÃO E ABRANGÊNCIA DA PRODUÇÃO TEATRAL DE

GABRIELE D’ANNUNZIO 15

2.1 O TEATRO DANNUZIANO 36

2.2 A ESTÉTICA DECADENTISTA NA ESTRUTURA DO TEATRO DE

D‟ANNUNZIO 48

3 AS QUESTÕES DO DISCURSO 58

3.1 A DEFINIÇÃO DE ETHOS NA CENA TEATRAL 71

3.2 A IDENTIFICAÇÃO DO ETHOS EM D‟ANNUNZIO 79

4 A ENCENAÇÃO DECADENTISTA DO ETHOS DANNUZIANO EM LA

FIGLIA DI IORIO E IL MARTIRIO DI SAN SEBASTIANO 88

4.1 LA FIGLIA DI IORIO 91

4.2 IL MARTIRIO DI SAN SEBASTIANO 119

5 CONCLUSÕES 139

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1 INTRODUÇÃO

Esta Pesquisa de Dissertação de Mestrado se propõe a fazer um estudo das diferentes maneiras em que o ethos dannunziano pode ser percebido em dois textos teatrais de autoria de Gabriele D‟Annunzio (1863-1938), La figlia de Iorio e Il Martirio di San Sebastiano.

O interesse pelo tema de estudo dessa pesquisa surgiu durante o curso de graduação em Letras português-italiano e durante as aulas de literatura italiana. Inicou-se, então, uma pesquisa mais aprofundada durante a Iniciação Científica. Outro fator que nos levou a continuar essa pesquisa no curso de Mestrado se deve a uma viagem proporcionada por uma bolsa de estudos oferecida pelo governo italiano (Ministero degli affari Esteri) para a cidade de Siena, na Itália, no ano de 2010, onde foi possível ser feita uma maior pesquisa pelo tema e constatar que ainda há uma carência nos estudos acadêmicos a respeito da literatura de Gabriele D‟Annunzio e, em particular, quando se trata da produção teatral dannunziana.

Gabriele D‟Annunzio inicia sua produção literária em 1879 com a publicação de Primo Vere, uma coletânea de poesias próprias. A Europa nessa época, principalmente na França e na Inglaterra, vivia um período extremamente diversificado de tendências artísticas, entre as quais merece destaque o Decadentismo. Esse movimento vai se contrapor a excesso de formalismo dos parnasianos, justamente pela impossibilidade sentida pelo artista de colher a essência das coisas, originando-se na França, através da revista Le Décadent. Em relação ao resto da Europa a situação especificadamente italiana nos últimos decênios do século XIX era fortemente marcada pela tradição clássica.

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provável razão dessa inicial imitação e do atraso do Decadentismo italiano se encontra nas diversas raízes históricas. O crítico WALTER BINNI declara que faltaram no Romantismo Italiano

Quegli elementi mistici e sensual che possono considerarsi come prodromi (non cause) di decadentismo1. (p.34)

É Gabriele D‟Annunzio, portanto, quem apresenta o decadentismo na Itália, importando mais diretamente o contato com a literatura estrangeira. A poética dannunziana, que pode ser observada em toda a sua obra, se liga a diversos fatores, dependendo de suas proximidades culturais e pessoais e de suas tentativas de evasão. Dentre todas essas a mais importante será sempre uma, segundo BINNI

La ricerca di una gioia nelle parole trascinate in un canto che non è mai puro desinteresse musicale, perché si encentra ed indugia continuamente nelle parole rendendole significative come persone viventi, carnali, e non come simboli di sugestione. (p.30)

A vasta produção literária de Gabriele D‟Annunzio, que inclui romances, poesias, artigos de jornal, discursos políticos, roteiros de cinema e textos para o teatro, terá nesse último gênero textual, talvez, o mais adequado para expressar o ambiente ideal do acolhimento de sua inspiração.

Gabriele D‟Annunzio encarna a figura do dândi como representação máxima do artista da geração decadentista, aquele que está sempre atento a todos os aspectos do espetáculo: da recitação à cenografia, dos figurinos à luz, da coreografia à música. A arte era sua paixão. Assim classificou Charles Baudelaire, em O dandismo (1863), a figura do dândi

O homem rico, dedicado ao ócio e que, mesmo aparentando indiferença, não tem outra ocupação que a de correr no encalço da felicidade; o homem criado no luxo e acostumado, desde a juventude, a ser obedecido; aquele, enfim, que não tem outra profissão que não a da elegância, gozará sempre, em todas as épocas, de uma fisionomia diferente, inteiramente à parte. (p.13)

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É nessa perspectiva do dândi baudelairiano que nossa pesquisa procurará identificar o ethos dannunziano evidenciado em seus textos teatrais e se o poeta, de fato, criou uma poética própria no âmago do decadentismo italiano.

Desta maneira, o capítulo 1 dessa Dissertação de Mestrado pretende tratar da compreensão dos fatores que levaram Gabriele D‟Annunzio a iniciar sua produção teatral, passando por aspectos de sua vida pessoal e literária para, logo em seguida, tratar especificadamente do teatro dannunziano e depois a maneira como a poética decadentista aparece na estrutura do teatro dannunziano.

Após esse estudo procuraremos discutir o conceito de Ethos e definir em que aspectos ele pode ser identificado na produção teatral dannunziana.

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2 DEFINIÇÃO E ABRANGÊNCIA DA PRODUÇÃO TEATRAL DE GABRIELE D’ANNUNZIO

Neste capítulo buscaremos construir um pequeno resumo da multifacetada produção dannunziana, dando maior relevo as suas obras teatrais, objetivo de nossa pesquisa. Esse capítulo será dividido em duas partes: O teatro dannunziano e A estética decadentista na estrutura do teatro de D‟Annunzio.

Desta maneira, a primeira subseção tem como principal eixo compreender as grandes inspirações que levaram o poeta a escrever para o teatro. Além disso, será nele também discutido os aspectos principais que fizeram de D‟Annunzio uma referencia para o teatro italiano da época.

A segunda subseção tratará da poética decadentista italiana e de sua influência para o teatro dannunziano.

Segundo Giorgio Bàrbieri Squarotti em seu livro Invito alla lettura di D‟Annunzio (1990) ao se estudar a vida do poeta Gabriele D‟Annunzio (1863- 1938) é necessário considerar as frequentes interpretações que associam vida e obra, uma vez que sem essa perspectiva se obteria uma análise vazia.

Squarotti ainda afirma que a vida de Gabriele D‟Annunzio foi sempre vista a partir de dois pontos: por um lado o mito de viver inimitável e por outro a separação completa da sua biografia de sua obra. Na realidade, D‟Annunzio, em parte, construiu sua própria biografia como material escrito, uma vez, que vivia em função de sua arte.

Flora de Paoli Faria em seu artigo As marcas europeias nos saberes decadentistas brasileiros (2011) acrescenta que

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Entendemos, portanto, que D‟Annunzio viveu uma vida na qual somente ela, sozinha, pode oferecer as ocasiões de uma arte igualmente única e inimitável e, principalmente, sempre pronta a renovar-se.

Nascido em 12 de março de 1863, em Pescara, região do Abruzzo, o poeta era filho de Francesco Paolo Rapagnetta D‟Annunzio (1831-1893) e Luisa de Benedictis (1839-1917), pertencente a uma abastada família de Ortona. Seu pai, desde cedo, se dedicou à vida política. Várias vezes foi prefeito de Pescara e, por quase dez anos, conselheiro providencial de Francavilla a Mare. Era um típico

gentiluomo, provinciano, e compreendeu logo o quão talentoso era Gabriele D‟Annunzio, fazendo com que seu filho fosse estudar no Reale Collegio Cicognini di Prato, entre 1874 e 1881. Lá, D‟Annunzio se inscreve nas disciplinas de língua inglesa, música, desenho e esgrima e nas aulas de leituras clássicas, é onde também o poeta, ainda jovem, publica seu primeiro livro de poesia Primo Vere, em 1879, que despertou a atenção de Giuseppe Chiarini (1833-1904). Já nessa época, D‟Annunzio foi um estudante brilhante. Amou os clássicos, Cícero e Lucrécio, mas teve predileção por Horácio, Tibulo e Ovídio. Praticou também a língua italiana, uma vez que sua origem é o interior da Itália e, por isso, dialetal, privilegiando o toscano, que entendia ser a língua das artes, em especial da literatura.

D‟Annunzio será sempre fiel a esta educação, recorrendo constantemente aos textos que tratam da língua italiana, para, com isso, enriquecer seu vocabulário e renovar as formas métricas e gêneros antigos. Possuía também sempre consigo em todos os lugares o dicionário de Niccolò Tommaseo (1802-1874) e de Alberto Guglielmotti (1812-1892).

Ainda na escola, escreve In Memoriam, dedicada à avó Rita Lolli e sob o pseudônimo de Floro Bruzio; e, em 1879, publica a Ode a re Umberto.

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No último ano da escola, encontra seu primeiro grande amor, Giselda Zucconi, reproduzindo esses momentos no livro Canto Nuovo, onde, poeticamente, sua amada é denominada Lalla.

Os romances de amor, muito cedo, fizeram parte de sua vida, o que comprova sua fama, principalmente em Firenze, de irresistível conquistador e de um galã snobe, que visa sempre sua ascendência social junto à literária. Ainda menino, em Pescara, amou Teodolinda Pomarici, Marietta Cicarini e Clematilde. Essa última, mais velha do que ele, filha de um coronel a quem o pai o havia recomendado em Firenze.

No verão de 1881, consegue uma licença da escola e retorna a Pescara, onde redescobre as belezas naturais da sua terra natal que inspiraram sua veia poética. Além disso, é neste tempo que passa em Abruzzo, na Francavilla do pintor Francesco Paolo Michetti (1851-1929), junto ao músico Francesco Paolo Tosti (1846-1916) e com o escultor Constantino Barbella (1852-1925), que D‟Annunzio vive a arte como a protagonista de sua vida, pois é ela que o irá inspirar constantemente.

Em novembro de 1881 entra para a Faculdade de Letras e Filosofia, em Roma, mas não a concluiu jamais, pois sente a necessidade de se consolidar como escritor e de difundir sua própria fama nos ambientes mundanos e literários da capital italiana. A decisão de abandonar os estudos acadêmicos se fundamentou em sua vida jornalística já que escrevia para diversas revistas e jornais, como, por exemplo, “La Fanfulla della domenica”, “Il Capitan Fracassa” e “La cronaca bizantina”. Esses dois últimos eram de responsabilidade do editor Angelo Sommaruga (1857-1941), que vai publicar Canto Nuovo e Terra vergine.

D‟Annunzio soube dosar perfeitamente suas próprias atividades e cultivar sua fama, seja no âmbito literário ou no âmbito mundano. É desse período que surge

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almoços, passeios a cavalo e duelos, sempre em função da própria arte.

Em 28 de julho de 1883, se casa com a duquesa Maria Harduoin di Gallese, filha do proprietário do Palazzo Altemps, onde D‟Annunzio frequentava os salões. Os pais da duquesa eram contra o matrimônio, pois conheciam o modo de vida do escritor.

Para fugir dos credores, que nesse tempo já eram muitos, e para solucionar uma situação econômica precária, o poeta e sua esposa retornam ao Abruzzo, para viver na Villa del Fuoco e é lá que nasce seu o primeiro filho, Mario.

Em 1884, retorna a Roma e sua atividade jornalista se intensifica, principalmente quando se torna articulista do jornal “Tribuna”, assinando artigos com diversos pseudônimos, como, por exemplo, Duca Minimo, Lilia Bisquit, Vere de Vere, Happemousche etc. Contudo, os artigos ainda não satisfaziam por completo seus desejos artísticos e poéticos. Neste período, publica sua novela San Pantaleone e as poesias em Isaotta Guttadauro, que foram ilustradas por pintores amigos.

Em abril de 1886, nasce seu segundo filho, mas como D‟Annunzio havia reencontrado seu fôlego artístico, intelectual e criativo, em abril do ano seguinte, já longe da esposa que ainda morava no Abruzzo, se apaixona perdidamente por Barbara Leoni, que se chamava na verdade Elvira Natalia Fraternali, esposa de Ercole Leoni e esse amor o inspira fortemente.

No verão de 1887, D‟Annunzio e seus amigos Adolfo De Bosis (1863-1924) e Mario de Maria (1852-1946) embarcam para Veneza no navio “Lady Clare”, durante a viagem ocorre um acidente e os três acabam sendo salvos por um navio de guerra. Tal acontecimento lhe inspirou diversos artigos a respeito da marinha militar e que deram origem depois ao volume L‟Armata d‟Italia.

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romance Il piacere, publicado em 1889, no qual descreve o mundo romano frequentado por ele.

Após a escrita de seu romance, passa uma semana de verão, com Barbara, em San Vito Chietino, onde se inspira para outro romance Il Trionfo della Morte, primeiramente idealizado com o título de L‟invecibile.

Retorna a Roma, então, em março de 1890, e, nesse momento, interrompe sua produção artística para se dedicar ao serviço militar junto aos “Cavalleggeri d‟Alessandria”. O romance Trionfo della Morte é publicado em folhetim no jornal “Tribuna”, mas não por completo, já que é interrompido na décima sexta edição, por falta de inspiração.

A dedicação militar tem seu fim em novembro, junto com seu casamento com Barbara. D‟Annunzio vai morar num quarto na Piazza di Spagna e lá escreve

Giovanni Episcopo. Essa obra marca uma ruptura temática e estilística na produção do escritor, assinalando sua adesão ao romance russo, principalmente os de Dostovskij.

D‟Annunzio escreve L‟innocente que será, após esse período, divulgado em partes no Corriere di Napoli, que tinha por editor Edoardo Scarfoglio (1860-1917), entre dezembro de 1891 e fevereiro de 1892.

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Em 1883 o casal enfrenta um processo por adultério e toda a família se muda. É nessa época que nasce Renata (inspiradora da heroína Sirenetta, do romance

Notturno). A situação financeira é tão crítica e as dívidas tão grandes que o poeta decide retornar ao Abruzzo, junto ao amigo Michetti. Já sua esposa e sua pequena filha vão para Roma, onde se estabelecem aos cuidados do amigo Pasquale Masciantonio.

Os primeiros meses na região foram dedicados à estruturação do livro Il trionfo della morte e, no mesmo período, fora finalizado o romance Intermezzo, uma edição renovada de Intermezzo di rime.

Em uma nova viagem a Veneza para encontrar o professor francês de filosofia Georges Hérelle (1848-1953), em setembro, conhece então a atriz Eleonora Duse (1858-1924), que já morava em Roma e escrevia para o jornal Tribuna. No mês de outubro, junto com Gravina e sua filha, vai morar em Francavilla e inicia a produção de Le vergine delle roce.

Em 1895, D‟Annunzio participou da criação da revista Il Convito, fundada por Adolfo de Bosis (1863-1924), uma revista que propiciava o encontro entre o esteticismo italiano e as escolhas políticas aristocráticas e antidemocráticas. No mesmo ano, faz uma viagem de navio para Grecia com Georges Hérelle, Scarfoglio, Pasquale Masciantonio (1869-1923) e Guido Boggiani (1861-1902).

É esta viagem que fornece ao poeta inspiração e imagens para a reprodução de Canto Nuovo e para a produção de seu primeiro texto teatral, Sogno di un mattino di primavera. Essa mesma viagem vai dar origem, em 1899 à tragédia La città morta.

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O escasso sucesso obtido pela peça, segundo Giovani Antonucci em seu texto de introdução (2011) de Sogno di un mattino di primavera, ainda não estava preparado para os textos dannunzianos.

Hoje, observamos que é naturalmente um texto rico em língua com vocabulário apurado e dando ênfase à palavra, à literatura com retomadas a outras obras clássicas e repleto de poesia, ainda que algumas vezes escritas em prosa e à arte, uma vez que os cenários se assemelham a descrições de obras de arte. Entretanto, para o tempo em que foi escrito era algo inovador, explica Antonucci.

É necessário também notar, ainda na opinião de Antonucci, que o próprio autor não se considerava um dramaturgo e que esse ainda era um texto inspirado em novas concepções que D‟Annunzio começava a possuir a partir de seu relacionamento com a atriz Eleonora Duse.

A peça Sogno di un mattino di primavera deveria compor um ciclo de quatro sonhos, correspondente às quatro estações do ano. O ciclo, porém, ficou incompleto, pois D‟Annunzio só escreveu o primeiro e o terceiro.

Sogno d‟un mattino di primavera trata da representação da loucura de uma mulher, Isabella, que enlouquece ao ter o amante morrendo em seus braços, assassinado pelo marido. Esse texto é um exemplo de poesia em prosa, e que evoca uma Toscana dos tempos de Dante.

A tragédia é composta por sete personagens: a demente, Isabella, Beatrice (irmã da demente), Virginio (o marido), o doutor, Teodata (a velha baba), Simonetta (a jovem baba) e Panfilo (o jardineiro) é constituído por apenas um ato com cinco cenas.

Toda a tragédia se passa em uma vila, chamada Amiranda, que D‟Annunzio descreve com precisão:

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delle due pareti laterali è una porta dall‟achitrave scolpito, tra due statue alzate su piedestalli. (...) E tutte le grazie della primavera novella si diffondono su l‟aspetto austero e triste che creano le forme simmetriche della cupa verdura perenne: cosicché il giardino suscita l‟immagine umana d‟un volto pensieroso di sotto a una fresca ghirlanda. 2

Por ser esse um texto escrito para uma representação em cinco cenas e em apenas um ato, toda a história gira em torno de um mesmo cenário, o jardim da vila.

D‟Annunzio habitualmente ambienta seus personagens em um espaço físico que evidencia uma forte ligação do homem com com a terra e a natureza. Quando estes são muito ligados aos jardins, por exemplo, como acontece com a tragédia, normalmente, demonstram uma existência de instinto normal e pacato, mas quando são personagens que vivem em desertos, selvas ou planícies livres, como em “La città morta”, o tempo histórico é percebido e são esses os textos onde observamos os heróis e heroínas dannunzianos com atitudes e personalidades muito mais instintivas e irracionais ligadas ao animalesco.

Por habitar em um ambiente em que a natureza prevalece, Isabella possui uma vida e instintos serenos: uma mulher que tem seu amante morto em seus braços, por seu marido, e que permanece assim até que todo o sangue dele saia do corpo e a cubra completamente. Nesse caso, a principal vítima da violência é Isabella. Em outras tragédias dannunzianas como Fedra, por exemplo, encontramos um personagem que é movido por seus instintos e desejos, fazendo o que for necessário para consegui-los. A violência é característica desses personagens. O que não ocorre em Sogno de un mattino di primavera. A demente é vítima de uma violência e responde de maneira louca, por conta de seu estado mental, mas com suavidade.

Se o sofrimento de um amor termina com a morte, o de Isabella continua através da loucura. Isabella entra em um estado de alucinação profunda ao ver a cor

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vermelha que a remeteria ao sangue de seu amante em seu corpo e, assim, tinha início uma crise nervosa. No texto, em dois momentos, Isabella sofre uma crise ao se deparar com a cor vermelha. A primeira, quando o jardineiro, Panfilo, deixa uma rosa vermelha entre as brancas e a segunda quando uma joaninha cai em seu braço no momento em que conversa com o médico.

Gabriele D‟Annunzio escreveu Sogno d‟un mattino di primavera logo após ter descoberto os escritos de Nietzche. Observamos que a personagem Isabella, a

demente, é um retrato da imagem do superuomo3. Isabellla é uma criatura que não pode ser associada à normalidade e que se torna o lado feminino do superuomo tão proclamado por D‟Annunzio. A mulher como a personagem mais forte será recorrente em outras tragédias dannunzianas.

La città morta foi escrita enquanto D‟Annunzio elaborava o romance Il Fuoco

e, por essa razão, esclareceu a necessidade de uma tragédia moderna. Sua primeira representação ocorreu não na Itália, mas na França, no Théâtre de la Renaissance di Parigi, tendo como protagonista Sarah Bernhardt. A versão francesa foi feita por Hérelle, mas D‟Annunzio pediu que fosse o seu nome que aparecesse também como autor desta versão francesa. Segundo Antonucci, no texto introdutório da tragédia (2011), o sucesso foi fraco e o público pouco aplaudiu. Os poucos aplausos podem ser creditados à atuação de Sarah. Já nos palcos italianos, no Teatro Lirico di Milano, com Eleonora Duse como atriz principal a recepção foi diferente. Se na França a tragédia contou com um público desinteressado, na Itália nos deparamos com um público que não aceitou as atuações fracas e convencionais de Ines Cristina, como Bianca Maria e de Carlo Rosaspina, como Alessandro, se calando apenas quando Eleonora Duse estava em cena. Após essas duas apresentações fracassadas, outras apresentações foram extremamente aplaudidas, como a de Genova, Bologna, Florença, Roma e Veneza.

A tragédia narra história de Alessandro que, em pleno domínio de suas forças e de sua imaginação, sacrificado em parte pela cegueira da esposa, é atraído pela

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mocidade e pela beleza de Bianca Maria. Esta é uma pura e suave criatura, toda dedicada ao trabalho e ao bem estar do irmão, mas não pode fugir ao fascínio do poeta, principalmente no ambiente sufocado da “cidade morta”, onde tudo parece realmente morto para sua juventude e o seu anseio de vida. Anna, que é cega para as exterioridades do mundo, mas que vê o íntimo das almas compreende o amor entre o marido e a amiga, e resolve uni-los com o sacrifício da própria vida. Nesta tragédia dannunziana, o espaço físico torna-se o tema mais relevante, pois ele é o laço que une os personagens da época presente às figuras que pertencem à antiguidade. D‟Annunzio une, na tragédia, o mundo ideal da antiguidade ao mundo real do presente e, por essa razão, o sentimento de algo que está para acontecer é sempre presente, como se uma contínua ameaça pairasse sobre os personagens. É, realmente, inspirada na viagem feita na companhia de seus amigos.

D‟Annunzio retorna a Veneza e, nesse período, inicia seu relacionamento amoroso, artístico e intelectual com Eleonora Duse (1858-1924), mais uma vez o poeta assume a vida como a essencial experiência da arte. Esta experiência será responsável por sua dedicação ao teatro, já que este é um gênero que permite o desenvolvimento da temática do superuomo e da possibilidade de atenção direta das massas.

D‟Annunzio e Duse ficam em Veneza por dois meses e desse tempo resulta a vontade de criar um grande teatro em Albano.

Posteriormente, em Veneza, D‟Annunzio estreita sua relação com o filosofo Angelo Conti (1860-1930), que o induzirá a admirar a arte figurativa refinada e aguçada, fato que se manifestará na recensão escrita para o livro de Conti sobre o pintor Giorgione (1477-1510), e nas diversas páginas de poesia e de prosa dedicadas a descrição de obras de arte do passado, como no caso dos preraffaellita. Os artistas plásticos Mariano Fortuny (1871-1949) e Adolfo de Carolis (1874-1928) irão contribuir para a divulgação de imagens, figuras e ícones preferidos por D‟Annunzio.

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literário romano e, especialmente, para colaborar com a revista “La Cronaca Bizantina”.

A cidade de Roma havia se tornado a capital italiana há apenas dez anos e estava em contínua expansão, procurando uma identidade própria e no meio de um fervilhar cultural.

Neste período, conheceu o escultor Angelo Sommaruga, proprietário da revista, ocasião em que teve acesso aos textos com a temática decadentista, vindos de outras capitais europeias e diviene assiduo frequentatore di alcove e salotti mondani nell‟ultima tranche di una “Roma bizantina”, palcoscenico ideale dei suoi primi sucessi. 4 (BORZÌ, Bibiana. p.1)

Essa atração pelo ambiente mundano fica patente nos artigos que escreve para o “La Tribuna”.

Durante esse período, o poeta manifesta a sua preferência pela arte ilustrativa escolhendo il cenacolo costiano „In Arte Liberta‟5 para ilustrar suas coleções de poesia.

Esse grupo é constituído por pintores que estão fazendo sucesso naquela época e que se encontravam frequentemente no Caffè Greco, em Roma, que era um

ritrovo di intellettuali modernisti frequentato anche da D‟Annunzio6(p.2).

O livro dannunziano foi ilustrado com a técnica de uma experiência que surgia naquele momento, na Itália, mas que já era conhecida na Inglaterra, a arte

Preraffaellita, representada por Kelmscott Press e William Moris e que se configurava como um novo “Liber pictus”, que, no entanto, não obteve sucesso de público.

Diante do fracasso do livro, D‟Annunzio decide reeditá-lo dividindo-o em dois

4 Torna-se assíduo frequentador de alcovas e salões mundan

os na última fatia de uma „Roma bizantina', cenário ideal dos seus primeiros sucessos.

5

O cenário costiano “In Arte Libertas”.

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exemplares: “Isottèo”, que reunia suas poesias com características do ‟400 e “La Chimera”, com poesias novas e outras revisadas.

Esse trabalho já denotava o caráter perfeccionista e cuidadoso de D‟Annunzio com a publicação de seus livros, bem como com os artistas que fariam as ilustrações com os editores.

Essa preocupação do poeta com as ilustrações de suas obras demonstra uma tendência da época, uma vez quel‟ilustrazione del libro non è più sussidiaria rispetto al contenuto ma diviene un aspetto centrale7 (p. 4).

D‟Annunzio escolhia seus ilustradores a partir de conversas que ocorriam ainda no Caffè Greco. Seu livro “Isotta” foi ilustrado depois que D‟Annunzio, conversando com pintores como Alfredo Ricci (1864-1889), Vicenzo Cabianca (1827-1902), Onorato Carlandi (1848-1939), entre outros, pediu a eles que escolhessem uma poesia que os tocassem verdadeiramente e que então pintassem em um quadro inspirado nelas.

Depois da publicação de seu livro, D‟Annunzio continua por mais quatro anos na redação de “La Cronaca Bizantina”, onde escrevia sobre a descrizione di una società intellettuale ed aristocrática8e assinava com pseudônimos.

Sob o pseudônimo de Duca Minimo escreveu elogios a respeito da pintura de Giulio Aristide Sartorio: è uma singolare natura di artista9, que ilustrava, segundo o articulista a época bizantina quella straordinaria età di decadenza che ancora in gran parte è sconosciuta ed oscura10 e que possui grande inspiração em Dante e Petrarca.

Foi D‟Annunzio quem apresentou Sartorio ao movimento Preraffaellita e na Inglaterra o pintor pode aperfeiçoar sua pintura, que antes possuía um tom mais

7 A ilustração do livro não é mais subsidiária em relação ao conteúdo do livro, mas se torna um aspecto central.

8 Descrição de uma sociedade intelectual e aristocrática. 9 É uma singular natureza de artista.

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genérico e literário e que risente molto del filtro dannunziano11.

Ao retornar de Londres, Sartorio ilustra alguns poemas dannunzianos. As imagens retomam os temas Preraffaellite. D‟Annunzio, já totalmente envolvido por esse movimento, em um de seus poemas intitulado “Viviane” e depois “Due Beatrice”, quando narra o único encontro de Dante e Beatrice, insere o nome do protagonista inglês desse movimento: Dante Gabriele Possetti (1828-1882).

Foi D‟Annunzio, portanto, por meio de seus artigos jornalísticos, o responsável pela difusão do movimento Preraffaellita em Roma. Além dele, intelectuais como Angelo Conti (1860-1930) e artistas como Nino Costa (1826-1903), todos também muito próximos a Sartorio, contribuíram para a divulgação do movimento na Itália e, principalmente, em Roma.

Em 1898, D‟Annunzio e a Duse vão para Settignano, na região da Toscana. Ele passará os dias na antiga vila dos Capponi, La Capponcina, e ela em outra pequena vila. É o período em que D‟Annunzio escreve suas produções teatrais La Gioconda, Sogno d‟un tramonto d‟autunno e a poesia Sogno d‟un meriggio d‟estate.

La Gioconda foi escrita em prosa e dedicada a Duse e é a tragédia que realiza o ideal de arte dannunziano. Representada pela primeira vez no Teatro Bellini di Palermo, com interpretação da própria Duse e também da já consagrada nos palcos italianos, Ermete Zacconi. Entre as atrizes mais novas estava Emma Gramarica (como Sirenetta) que mais tarde terá uma importante participação nos palcos dannunzianos.

A primeira representação de La Gioconda, não obteve um grande sucesso, mas posteriormente, já em Roma, no Teatro Valle, foi extremamente aplaudida.

O protagonista, Lucio Settala, é um escultor e que aos poucos se afasta de sua esposa, Silvia, que não o compreende, e é atraído por Gioconda Dianti, sua modelo e que se torna um instrumento indispensável à arte de Settala. Sendo

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esposo de Silvia, mas não podendo se afastar de Gioconda resolve se suicidar, mas, no entanto, é salvo pelos cuidados que Silvia lhe dispensa. Nos primeiros tempos de abatimento, o escultor julga que pode renunciar à arte para viver somente com a esposa e com a filha. Mas essa ilusão não dura muito tempo. A chama da arte reascende dentro dele e Settala volta para Gioconda, não só por amá-la como mulher, mas também por necessitar dela como instrumento e inspiração para sua arte. Silvia, entretanto, não aceita perder seu amor e decide falar pessoalmente com Gioconda. Na discussão, a estátua que havia na sala cai em cima das mãos de Silvia e ela as perde. Na realidade, Silvia após essa briga não perde somente as duas mãos, perde também o amor, o marido e as ilusões.

Essa é, portanto, uma tragédia de arte e de paixão e que se funda no conceito nietzschiano, segundo Antonucci (2011), de que o belo e o bem são inconciliáveis. Settala está entre o belo, correspondido por Gioconda e a arte e o bem, seu lar, com sua esposa e filha. Age por paixão e as abandona, seduzido pelo encantamento de Gioconda e pela possibilidade de obras de arte que pode fazer a partir de sua imagem. Settala encarna o ideal de superuomo, que cego pelo seu ideal artístico não questiona a respeito o sacrifício físico e moral da esposa, nem sobre o destino de sua filha. Segue Gioconda porque a ama e porque a sua beleza é instrumento de sua arte.

Em Sogno d‟un tramonto d‟autunno, D‟Annunzio nos conta a história de uma mulher, a dogaressa Gradeniga, que amou e ainda ama um homem que a abandonou por uma outra mulher mais jovem e bela, Pantella. Gradeniga vive entre dois sentimentos violentos: o amor e o ódio. Amor pelo homem que a deixou e ódio pela rival que a venceu. Gradeniga leva seu ódio ao extremo crime: ela recorre às artes de uma feiticeira, culminando com a morte de Pantella e de seu amante.

Esta peça foi escrita em apenas um ato e, segundo Antonucci (2011), fu il testo dannunziano più travagliato12. Mesmo sendo escrito em 1897 só foi ao palco em 1905, em Livorno, porque Eleonora Duse, que deveria representá-lo, dizia que sua companhia não possuía um número de atrizes suficiente e por essa razão houve

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o adiamento. Esta peça não foi tão bem acolhida pelo público e só em 1911, quando reapresentado no Teatro Argentina, em Roma, agora com Irma Gramatica, atingiu um sucesso bem maior.

Sogno di un tramonto di autunno não foi um dos textos teatrais mais aplaudidos. É necessário ressaltar que se trata de uma obra rica em diversos aspectos, demonstrando diversos pontos em comum com Sogno di un mattino di primavera. O primeiro é a relação entre Isabella e Gradeniga, que vivem em um estado de angustia, loucura e desespero. O segundo é a relação fundamental atribuída a D‟Annunzio e a linguagem cênica: personagens maduros e um grande trabalho em relação à luz no palco, com função dramática e não decorativa.

A proximidade entre os dois textos é confirmada por Antonucci ao afirmar que:

Che poi lo stesso D‟Annunzio abbia scelto una linea diversa, quella del recupero e della reinvenzione della tragédia eschilea e sofoclea, è un dato di fato, ma non tale da sminuire la spregiudicatezza e il coraggioso sperimentalismo dei due Sogni.13

Foi Duse, a companhia inspiradora, que o acompanha em uma viagem à Grécia, Egito e Corfù. Essa viagem se refletirá na tragédia La Gloria.

Em 1901, temos a confecção de La Francesca da Rimini e do ponto alto de sua obra, os poemas Alcyone, Maia e Elettra.

La Gloria é uma tragédia em prosa, escrita em cinco atos, e narra a história de Ruggero Flamma, um jovem idealista, que sonha proporcionar a Roma o esplendor dos tempos de Cesar. Com seus companheiros Decio Nerva, Marco Agrate, Claudio Messala, Sebastiano Martello, Fulvio Bandini e Ercole Fieschi, luta contra o velho ditador Cesare Bronte que resiste aos desafios compreendendo a inutilidade do sonho do jovem Flamma. Na realidade, não era ainda chegada a hora da renovação em Roma e nem mesmo seria Flamma que a faria. Flamma, então,

13 Ainda que depois o própri

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inicia uma relação de colaboração com Elena Comnèa, descedente do último imperador de Trebisonda e que foi vendida pela própria mãe ao velho ditador. Jovem, bela, audaciosa e desmedidamente ambiciosa, percebe o declínio de Bronte e inicia seu jogo de sedução com o novo vencedor, Flamma. E, para isso, mata Bronte. Flamma se apaixona perdidamente por Comnèa e se submete aos seus desejos. Em La Gloria, não encontramos um personagem masculino que domina e sim a força feminina de Comnèa. Flamma é luxurioso e se torna um escravo da carne, mas sente, em alguns momentos, a necessidade de se libertar daquela mulher perigosa, porém, não ousa fazê-lo. Dessa forma, Flamma se vê abandonado por seus companheiros e odiado pelo povo, pedindo, então, a Comnèa que o mate. Ela executa o ato de maneira fria e passiva e da mesma maneira grita à multidão:

La comnèna: Udite! Ruggero Flamma è morto. (si fa un momento di silenzio nelle onde più vicine. Continua da lunghi il rombo indistinto.) Ruggero Flamma è morto. Io l‟ho ucciso, io stessa l‟ho ucciso.14 (Ato 5, p. 3028)

Se La città morta é a tragédia da vingança do passado sobre o presente e se

La Gioconda é a representação da arte e do artista, La Gloria é a tragédia da ambição política e da sensualidade. O idealismo político-social de Flamma sucumbe diante da paixão despertada por Comnèa. Na mulher, porém, o domínio político vence o sensual e leva-a ao adultério. Nesta tragédia não temos um herói nietzschiano, mas, mais uma vez, uma heroína.

Flamma não é um dominador, uma vez que se deixa dominar por Comnèa, ainda que reconheça nela a sua perdição. Não é possível encontrar em Flamma a alma barbárica, com a força dos seres primitivos, como observamos, por exemplo, em Marco Gratico, na tragédia La Nave.

Já Comnèa é a audácia na representação feminina. Fàuro, amigo de Flamma a caracteriza:

Giordano Fàuro: (...) Se l‟audacia avesse un viso, avrebbe quello.15 (Ato 1,

14 A Commèna: Escutem! Ruggero Flamma está morto. (se faz um momento de silêncio nas ONDE mais próximas. Continua por alguns instantes o barulho indistinto.) Ruggero Flamma está morto. Eu o matei, eu mesmo o matei.

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cena 3, p.2985)

Assim como em La città morta, o espaço onde se desenvolve a história tem papel fundamental nesse texto dannunziano. O cenário da antiga Roma está em toda a peça, mas o que mais se destaca é a reconstituição da cidade:

Daniele Steno: Roma! Noi ci agitiamo, mutiamo, passiamo: ella è immobile, sicura e antica; unica nata, in um giorno d‟aprile, senza sorelle e senza fratelli nei secoli. È un‟amante terribile. (...) Ed è gelosa. Si vendica contro chi, avendole dato tutto l‟amore, osa riprenderlo.16 (Ato 4, cena 1, p.3018)

La Gloria tem sua primeira representação em abril de 1899 no Teatro Mercadante di Napoli, mas não obtém muito sucesso, mesmo com o carisma de Eleonora Duse e Ermete Zacconi. Os dois primeiros atos mostravam que a peça seria um grande sucesso, entretanto, do terceiro em diante a situação mudou completamente e a desaprovação se iniciou causando nos atores um pânico evidente:

Dal principio del terzo atto incominciò il buon pubblico a comprendere che non se ne poteva capire niente, a sentirsi quase offeso da tanto pasticcio che gli si voleva imporre, e doveva venire il quarto atto per fargli perdere completamente la coscienza (...): basta, basta, è troppo!!17 (Gazzetta Letteraria, 6 de maio de 1899)

Algumas explicações para o fracasso de La Gloria foram dadas por críticos, uma das mais conhecidas é a de que a Duse era avessa a ensaios e, dessa forma, prejudicou o bom caminhar do texto no palco. Na realidade, D‟Annunzio, a partir deste fracasso, começa a entender que deve ser ele o diretor de suas peças, segundo Antonucci:

D‟altra parte, D‟Annunzio – questo fu l‟elemento positivo di un insucesso annunciato – capì che il suo teatro aveva bisogno di un impegno artístico e di un rigore che solo lui poteva garantire. Forse il D‟Annunzio regista di se stesso nasce proprio la sera del Teatro Mercadante, mentre il pubblico urla e fischia18.

La Francesca da Rimini é um texto escrito em cinco atos e em versos, e é

16 Daniele Steno: Roma! Nós nos agitamos, mudamos, passamos: ela é imóvel, segura e antiga; única nascida, em um dia de abril, sem irmãs e sem irmãos nos séculos. É uma amante terrível. (...) E é ciumenta. Vinga-se contra quem, havendo dado a ela todo o amor, ousa repreende-lo.

17 No começo do terceiro ato começou o bom público a compreender que não se podia entender nada, a se sentir quase ofendido de tanta confusão que se desejava impor a eles e deveria vir o quarto ato para fazê-los perder completamente a consciência (...): basta, basta, é demais!!

18

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considerada uma das obras-primas do teatro dannunziano. Mais do que inspirada no fato histórico, parece ter sido elaborada idealmente no episódio narrado por Dante no canto V do Inferno. Francesca, solitária e única no seu amor, aparece pura ainda que no pecado.

O bom êxito da peça, segundo Antonucci (2011), se apoiava no fato de que esta era a primeira vez que um autor teria tomado conta de todas as partes da representação. Gabriele D‟Annunzio non fu solamente l‟autore della tragedia: egli diresse le prove, disegnò le scene e i mobili, scelse le stroffe, modelo i vestiti, le armi, gli strumenti guerreschi, guidò le masse, organizzò i fuochi della battaglia, e spesso perfino costruì or questo or quell‟oggetto19 (p.3030).

A história de Francesca da Rimini era já famosa desde Dante. Trata-se da história da filha de Guido da Polenta, casada por procuração, com Gianciotto Malatesta. No ato do casamento, Malatesta, que era feio e coxo, foi substituído pelo irmão, Paolo, belo e vigoroso. Francesca e Paolo se apaixonam e quando Malatesta descobre, mata-os.

A grande novidade dessa tragédia é que D‟Annunzio altera o coro com a narração, conseguindo unir a poesia à música e ao canto.

Ainda nessa fase de sua produção teatral encontramos a tragédia La Figlia di Iorio, texto o qual será dedicado todo um capítulo desse trabalho.

Após esse tempo em que escreve seguidas tragédias, sua relação com Eleonora Duse se desfaz (entretanto, essa relação de fato nunca chegou ao final por completo, uma vez que as trocas de correspondências sempre foram constantes e, sempre que possível, se encontravam) e D‟Annunzio passa a conviver com a Marquesa Alessandra Di Rudinì, estabelecendo com ela uma vida de luxo e

mondana, ignorando o trabalho literário.

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Alessandra será sua nova musa inspiradora e aquela que aumentará o já conhecido esnobismo do poeta, fazendo com que suas dívidas crescessem ainda mais e com que D‟Annunzio, mais uma vez, vivesse uma crise financeira. Após o rompimento com Alessandra, D‟Annunzio conhece Giuseppina Mancini com quem vive uma relação atormentada. Nesse período escreve outras tragédias, Più che l‟amore, La Nave e Fedra, além de Forse che sì forse che non.

A atração pelo palco do teatro continua viva na produção de D‟Annunzio, que se vê obrigado a sair da Itália, uma vez que suas dívidas aumentavam e o poeta não conseguia pagá-las. Passa então por um exílio voluntário na França, em março de 1910, época de seu romance com a jovem russa Natalia Victor de Goloubeff.

Vive, nesta fase, entre Paris e Arcachon por cinco anos. Além de Natalia, nesse período, vive também com a pintora Romania Brooks, depois Isadora Duncan e com a bailarina Ida Rubinstein, para quem escreve a tragédia Le Martyre de Saint Sébastien, que será estudada mais adiante.

D‟Annunzio não se afasta totalmente da Itália, pois continua a publicar sua produção literária no jornal Corriere della sera, de Luigi Albertini (1871-1941), e por ele publica as Faville del maglio, uma prosa autobiográfica.

Entre abril e maio de 1912, publica Contemplazione alla Morte, em homenagem a Giovanni Pascoli (1855-1912) e a Adolphe Bermond (1835-1912). O período francês foi muito produtivo para D‟Annunzio, entre outubro e fevereiro de 1911, publicou, pelo Corriere, Canzone della gesta d‟oltre mare. Em 1912, escreve a tragédia Parisina, colabora com a realização do filme Cabiria e escreve seus primeiros roteiros cinematográficas Il compagno dagli occhi senza cigli e La Leda senza cigno, escreve o drama Le Chèvréfeuille (Il Ferro, na versão italiana) e a comédia La Pisanelle.

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Em 1916, um acidente aéreo o faz perder o olho direito e, por essa razão, vai para Veneza e recebe os cuidados da filha Renata. São três meses na cidade, convalescendo, e nesse período se dedica ao romance Notturno. Cansado do repouso, D‟Annunzio, descobre o projeto do presidente americano Wilson de fazer da cidade de Fiume uma cidade livre e não ser anexada à Itália, ele mesmo junto de um pequeno exército, realiza a marcia su Fiume e a ocupa, instituindo a Reggenza del Carnaro, e assume o título de Comandante. Em agosto de 1920, D‟Annunzio proclama a criação do estado livre de Fiume, mas como era um período em que a Itália tentava se resolver diplomaticamente com outros países europeus, o próprio governo italiano, presidido por Francesco Savero Nitti, exige que D‟Annunzio desocupe a cidade.

Ao retornar para Itália, D‟Annunzio perde para Benito Mussolini (1883-1945) seu posto de defensor dos combatentes, reivindicador da “vittoria mutilata” e porta voz dos industriais ameaçados pelo socialismo que levava a ocupação das fábricas e a grandes períodos de greve. Mussolini, nesse período, era já líder do movimento fascista italiano naquela época.

As relações de D‟Annunzio com o fascismo nunca ficaram bem definidas: se em um primeiro momento a sua posição foi contrária à ideologia de Mussolini, num segundo tempo a adesão se justifica mais por motivos de conveniência e ao estado de exaustão física e psicológica, somado a um modo de vida de elite e esteta. Com isso, recebe as honras e as homenagens do regime, em 1924, o rei, por conselho do próprio Mussolini, o nomeia príncipe de Montenevoso. D‟Annunzio consegue provar ao estado que por herança é proprietário da Villa di Cargnacco e, com investimento do governo, a transforma em uma casa monumental, nascendo, dessa forma Il Vittoriale degli italiani, uma marca do viver inimitável dannunziano. Lá, já com a idade avançada, o poeta hospeda a pianista Luisa Bàccara, depois Elena Sangro, com quem permaneceu de 1924 a 1933, e a pianista polaca Tamara de Lempicka. Sua última obra e mais autentica foi Libro segreto, ou seja, Cento e cento e cento e cento pagine del libro segreto di Gabriele D‟Annunzio tentato da morire, em 1935.

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Abruzzo, se transforma, mais tarde, em um museu.

D‟Annunzio foi muito perseguido por seus credores, mas conseguiu construir em torno de si uma cidade museu onde pode exaltar seu gosto próprio e pode viver uma vida luxuosa tanto em relação às finanças quanto nos desejos da carne.

O poeta assim define Il Vittoriale

Tutto, infati, è qui da me creato o trasfigurato. Tutto qui mostra le impronte del mio stile, nel senso che io voglio dare allo stile. Il mio amore d‟Italia, il mio culto delle memorie, la mia aspirazione all‟eroismo, il mio pressentimento della Patria futura si manifestano qui in ogni ricerca di linea, in ogni acordo o disaccordo di colori. (...) Tutto qui è dunque una forma della mia mente, un aspecto della mia anima, una prova del mio fervore. Come la morte darà la mia salma all‟Italia amata, così mi sai concesso preservare il meglio della mia vita in questa oferta all‟Italia amata.20

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2.1 O TEATRO DANNUNZIANO

Numa reflexão sobre o teatro italiano define-se como tarefa árdua e abrangente, considerando-se a dificuldade de se identificar uma história linear dessa forma de representação artística nessa cultura. Assim, consideramos mais seguro recorrer a Staiger em Conceitos Fundamentais da Poética (1975) que reconhece a disponibilidade do palco em acolher distintos gêneros literários.

Não há dúvida que todo escritor que pensa em criar peças para teatro precisa ter conhecimento exato das possibilidades do palco; e que a orientação de alguém experiente facilita consideravelmente seu caminho. Apenas fica (...) a ressalva de que palco se presta igualmente aos mais diversos gêneros literários. (p.119)

Na opinião de Staiger, conseguem êxitos semelhantes uma peça construída totalmente em diálogo ou seu oposto, como uma ópera barroca ou ainda a apresentação de uma festividade nacional com quadros vivos. Mesmo assim, o teórico explica que todas essas representações ainda que possíveis no palco não devem ser incluídas no gênero “dramático”.

“Teatral” e “dramático” não significam, portanto, o mesmo. Contudo, a negação de interdependência dos dois conceitos viria contrariar toda a terminologia tradicional. (...) o dramático não tem que ser compreendido a partir de sua adaptação ao palco e sim que a instituição histórica do placo decorre da essência do estilo dramático? Um enfoque fenomenológico só permite essa interpretação. O palco foi, realmente, criado (...) como único instrumento que se adaptava ao novo gênero poético. (p.119-120)

No âmbito cultural europeu foi o teatro dramático aquele que melhor se destacou por ser ele um excelente recurso de comunicabilidade e por possuir a imitação e a ação como principais elementos. Estes não possuem uma função puramente estética, mas provocam o que teoricamente se denomina catarse, ou seja, a instauração de um reconhecimento e de uma identificação afetiva graças aos sentimentos de piedade e terror proposto pelo drama.

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apresentadas.

Alguns críticos dizem que D‟Annunzio dá início a sua produção teatral, porque buscava o completo aplauso das multidões. Sem dúvida, o poeta amava a glória, entretanto, se quis falar às multidões, foi para comunicar-lhes a beleza e a poesia. O próprio poeta em seu romance Il Fuoco afirma que

La parola del poeta, comunicata alla folla, era dunque un atto come il gesto dell‟eroe. Era un atto che creava dall‟oscurità dell‟anima innumerevole un‟istantenea bellezza, come uno statuario portentoso potrebbe da una mole d‟argilla trarre con un sol tocco del suo pollice plástico uma statua divina21.

D‟Annunzio, portanto, é atraído para o teatro, porque, no palco, diante do público, pelos gestos e pelas palavras dos atores

La materia della vita non era più evocata dai simboli immateriali, ma la vita manifestavasi integra, il verbo facevasi carne, il ritmo si acelerava in una forma respirante e palpitante, l‟idea si enunciava nella pienezza della forzza e della libertà22. (Il Fuoco)

Com o objetivo de definir propriamente o teatro dannunziano, necessário se faz compreender suas influências. Aristóteles, em seu livro Poética, define a tragédia como

A imitação de ação séria, completa, que possui certa extensão, numa linguagem tornada agradável mediante cada uma de suas formas em suas partes, empregando-se não a narração, mas a interpretação teatral, na qual (os atores), fazendo experimentar a compaixão e o medo, visam à purgação desses sentimentos. (p.49)

O filósofo também observa que são seis os elementos que compõem uma tragédia grega: narrativa (roteiro), caráter, elocução, pensamento, espetáculo visual e poesia lírica e, o mais importante, para o filósofo, a estrutura dos atos, porquanto a tragédia não é imitação dos seres humanos, mas da ação e da vida, da felicidade e da infelicidade (...) o fim sendo uma certa espécie de ação e não um estado qualitativo (p.50).

21 A palavra do poeta, comunicada à população, era, portanto, um ato como o gesto do herói. Era um ato que criava pela escuridão da alma incontável uma instantânea beleza, como uma estatuária portentosa poderia de um pedaço de argila tirar com um só toque de seu polegar plástico uma estátua divina. (tradução própria)

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Entendendo esses elementos como os básicos de uma tragédia, Aristóteles elenca também as partes distintas: prólogo, episódio, saída do coro e canto do coro. O prólogo é a parte autossuficiente da tragédia, que antecede a entrada do coro; episódio, a parte integral entre cantos completos coro; a saída do coro, parte integral que sucede ao último canto (p.59).

Com esses elementos, para o filósofo grego, era possível encenar uma tragédia. Entretanto, toda tragédia, além desses elementos, precisa, necessariamente, provocar o terror e a compaixão. Uma vez que, segundo Aristóteles, é necessário que o público se identifique com as situações apresentadas no palco, considerando, dessa forma, que é também apto para sofrer de um mal idêntico aquele representado. Essa assimilação do público aos fatos narrados no palco é chamada por Aristóteles de mímesis, a qual, por sua vez, provocaria a

catarse.

Para Friedrich Nietzsche em O Nascimento da Tragédia (2012), essa catarse pode ser entendida como encantamento. Sendo ele o pressuposto de toda arte dramática, pois

Nesse encantamento o entusiasta dionisíaco se vê a si mesmo como sátiro e como sátiro por sua vez contempla o deus, isto é, em sua metamorfose ele vê fora de si uma nova visão, que é a ultimação apolínea de sua condição. Com essa nova visão o drama está completo. (p.57)

Aristóteles não foi leitor de Nietzsche, mas o contrário certamente ocorreu e, principalmente, D‟Annunzio foi um estudioso dos dois. Ao retomarmos o texto aristoteliano, observamos que para o filósofo grego a tragédia, pela imitação dos caracteres e das paixões, valendo-se da música, da dança, do espetáculo e, sobretudo, do princípio de verossimilhança, provoca um prazer que lhe é próprio, instigando no ânimo do espectador o terror e a compaixão, ao que conhecemos como pathos.

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a ode. O pathos, então, afirma Staiger, seria igual à paixão, pois a fala patética que comove é a que mais se aproxima da linguagem lírica.

Já para a era moderna, o gênero lírico só pode ser compreendido quando o outro está aberto a ele, sendo o lírico algo suave e fluído, diz Staiger. O pathos é transformado em outro gênero e passa a ocorrer o contrário: é algo brusco e que deve ser aceito quase que à força. A fala patética pressupõe algo fora de si.

Esse prazer é alcançado com o fim terrível ao qual se destina o personagem trágico. Segundo Staiger, é um prazer que vem da vivência da dor através da interferência da arte e que se compõe de vários elementos.

Na produção teatral de Gabriele D‟Annunzio, podemos observar que o autor desejava recuperar e reinventar o espírito do teatro trágico e o faz com uma linguagem moderna. Não existia, no autor, nenhuma vontade de imitação, nem de uma restauração das tragédias gregas, mas, ao contrário, a consciência de que era necessário partir dos gregos para, então, inventar23 a sua tragédia moderna, uma

“nova forma de teatro” que encontraria uma relação entre presente e passado, entre as inquietudes modernas dos personagens dannunzianos e os heróis trágicos.

Como dito anteriormente, D‟Annunzio foi leitor do teatro grego. No prefácio de sua tragédia Più che l‟amore (1905) declara que a sua arte “cammina col suo passo inimitabile, con la movenza che è proprio di lei sola, ma sempre sul a vasta via dritta segnata dai monumenti dei poeti padri”24.

Antonucci em Introduzione a D‟Annunzio drammaturgo (2011) elenca quatro razões para o interesse teatral dannunziano: la lettura della Nascita della tragedia di Nietzsche fra il 1892 e il 1895, il viaggio in Grecia nel Luglio-agosto 1895, l‟incontro artístico e poi anche umano con Eleonora Duse dello stesso anno, la tarda (...) eppure significativa conoscenza direta delle Chorégies d‟Orange25 nell‟estate del

23 Apropriamo-nos do termo “inventar” utilizado por GIAMMARCO, que o aplica em seu texto por influencia de G.Oliva em D‟Annunzio e la poetica dell‟invenzione

24 Caminha com seu passo inimitável, com um movimento que é peculiar dela, mas sempre reto sobre a vasta via, assinalada por monumentos dos poetas primeiros.

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1897.26 (p.2802).

O poeta reconheceu nas tragédias gregas a verdadeira fonte trágica e, a isso, uniu a definição de tragédia encontrada em Nietzsche.

Seu teatro também é repleto de outras influências, não só as gregas e a do filósofo alemão, é nesse gênero textual que o poeta concilia todo seu conhecimento de arte, ciência, costumes, música e dança.

Mario Praz em D‟Annunzio e l‟amor sensuale della parola (1988) reconhece que D‟Annunzio se apropria de numerosas fontes organizando-as de maneira criativa e inovadora. O crítico questiona que tipo de inspiração teria D‟Annunzio, pessoal ou literária, e reconhece que o conhecimento das fontes ajuda a revelar alguns aspectos artísticos da obra literária. Nos textos dannunzianos, afirma Praz, encontra-se a presença de uma grande influência de outras obras das quais D‟Annunzio retira uma ideia, uma palavra, uma expressão com o objetivo de divulgar exatamente aquilo que é descrito.

Dentre inúmeras influências, está o conceito nietzschiano a respeito da tragédia. Segundo Nietzsche (2012), a característica da tragédia é dionisíaca e musical. A tragédia “(...) surgiu do coro trágico e (...) originalmente ela era só coro e nada mais que coro” (p.49) logo a música exprime a essência da tragédia, fazendo vibrar a imaginação.

D‟Annunzio afirma em seu poema Notturno que la musica è come il sogno del silenzio. (...) La parola che scrivo nel buio, ecco, perde la sua lettera e il suo senso. È musica. Le ore passano. La musica è come il sogno del silenzio27.

Nietzsche entende que a canção popular se apresenta ao público como o

França, é o teatro mais bem conservado da Europa

26 A leitura de o Nascimento da Tragédia de Nietzsche entre 1892 e 1895, a viagem à Grécia em julho-agosto de 1985, o encontro artístico e depois também humano com Eleonora Duse no mesmo ano, o tardio (...) mas também significativo conhecimento direto de Chorégies d‟Orange no verão de 1897.

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espelho musical do mundo, como melodia primigênia, que procura agora uma aparência onírica paralela e a exprime na poesia (p.45).

Dessa maneira, é possível reconhecer que para o filósofo a melodia é que há de primeiro e mais universal, ela pode suportar múltiplas objetivações e, por fim, múltiplos textos. É a melodia também aquilo que há de mais importante e necessário na apreciação de um povo.

De si mesma, a melodia dá à luz a poesia e volta a fazê-lo sempre de novo; é isso e nada mais que a forma estrófica da canção popular nos quer dizer: fenômeno que sempre considerei como assombro, até que finalmente achei esta explicação. (p.45)

D‟Annunzio depreende das lições de Nietzsche que o trágico, como elemento dionisíaco, estava na música. Faz, então, a união da música com a poesia, sendo uma o complemento da outra. Ele se inspira, portanto, no que Nietzsche entende por tragédia

(...) originalmente a tragédia é só “coro” e não “drama”. Mais tarde se faz a tentativa de mostrar o deus como real e de representar em cena (...), como visível aos olhos de cada um, a figura da visão junto com a moldura transfiguradora: com isso começa o “drama” no sentido mais estrito. (p.59)

Na opinião de Antonucci, o escasso sucesso de algumas peças de D‟Annunzio deve-se muito mais ao aspecto inovador de suas criações e à falta de hábito do público com essas novas formas de representação. Essa justificativa é explicada na carta escrita por Georges Hérelle, seu tradutor francês, em 1900

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si esprime degnamente che con il silenzio (...). Egli ha voluto fare esprimere dalle cose mute, dagli atteggiamenti e dai gesti muti quello che c‟è di più profondo e di più misterioso nelle passioni degli uomini28. (p.19)

Os personagens dannunzianos também eram inspirados na obra de Nietzsche, sendo movidos pelo instinto. É claro que para o poeta que se orgulhava de possuir uma vida acima das dos homens comuns, as ideias de Nietzsche respondiam perfeitamente aos seus desejos literários. Havia, sem dúvida, certas afinidades entre o temperamento do poeta e o ideal de Nietzsche: o desejo de domínio, a ambição, a ousadia e a paixão. D‟Annunzio sentia tudo intensamente e assim também agia. Não havia lugar para o meio, tudo era forte, violento e com um apreço pelo exagero. Por essa razão, D‟Annunzio afasta-se da concepção de crime que possuíam os clássicos gregos que tinham por finalidade a nobre afirmação do bem sobre todas as coisas e pessoas.

O herói grego, segundo Staiger, que praticava o crime, terminava punido e reconhecendo a necessidade da punição. Já o herói dannunziano entende que a morte é como um símbolo de purificação, como foi observado no capítulo anterior nas personagens principais das tragédias e como também será observado mais especificadamente em Mila, de La figlia di Iorio e em San Sebastiano, de Il Martirio di San Sebastiano.

Em D‟Annunzio, o crime é algo necessário para a expansão e purificação do indivíduo. Nos gregos, é a punição do homem para a vitória do bem. Os heróis gregos agiam pela vontade do destino, os dramas infundiam terror ao público, entretanto, era um terror sagrado, desconhecido. Os espectadores sentiam piedade pelos heróis que eram vítimas do destino. Esses eram sem culpa, pois sofriam pelos erros dos antepassados e o destino nada mais era que a justiça sobre a terra, ocorria, nesse momento, a catarse.

Referências

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