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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.3 O texto dissertativo-argumentativo

O texto dissertativo-argumentativo tem como principais características a exposição de um ponto de vista, a defesa de uma ideia, o questionamento de um assunto. Cabe ao autor do texto analisar e selecionar argumentos que viabilizem a apresentação de determinado ponto de vista, pautando a produção textual na reflexão crítica acerca do assunto selecionado.

A dissertação exige reflexão e compromisso, desenvolve-se em torno de um tema ou assunto e é um tipo de texto em que opiniões sobre fatos, postura crítica e reflexões contribuem para o aprofundamento da discussão.

A proposta de produção do texto dissertativo-argumentativo não tem como princípio ensinar a pensar, mas, sim, incentivar o diálogo, criar oportunidades para que os alunos discutam ideias, apresentem suas razões e examinem as suas produções. Garcia (2010 [1967]), destaca que as falhas mais graves nas produções resultam menos das incorreções gramaticais do que da falta de ideias ou da má concatenação, e que escreve mal o estudante que não tem o que dizer por que não aprendeu a ordenar os pensamentos.

De modo mais específico, considerando que as redações solicitadas no contexto do Saresp 2014 enquadram-se na tipologia de texto dissertativo-argumentativo, passamos a tratar detalhadamente dessa tipologia proposta por Travaglia (2017). Em seu estudo sobre tipologia textual no ensino de língua, o autor elenca oito tipologias, nas quais se encaixam os tipos de texto:

 Tipologia 1: texto descritivo, dissertativo, injuntivo e narrativo;

 Tipologia 2: texto argumentativo stricto sensu (em que o produtor emprega recursos para convencer e persuadir o interlocutor, que não tem um comportamento de concordância, de modo a levá-lo a aderir à sua ideia) e texto argumentativo não stricto sensu (em que o produtor busca a cumplicidade do

40 interlocutor, pois este tem um comportamento de concordância em relação à ideia apresentada).

 Tipologia 3: texto preditivo (o produtor antecipa fatos) e não preditivo;

 Tipologia 4: textos do mundo narrado (a atitude comunicativa do produtor é de comprometimento com o que diz) e do mundo comentado (a atitude comunicativa do produtor não demonstra comprometimento com o que diz);

 Tipologia 5: texto lírico, épico/narrativo e dramático;

 Tipologia 6: texto humorístico e não humorístico;

 Tipologia 7: texto literário e não literário;

 Tipologia 8: texto factual e ficcional.

No caso das redações do Saresp 2014 por nós analisadas neste estudo, textos do gênero artigo de opinião, temos produções do tipo dissertativo-argumentativo, como já observamos. Dissertativo, porque envolve “a perspectiva do produtor do texto em relação ao objeto do dizer (aquilo de que fala) [...] quanto ao conhecer/saber [...] e sua inserção no tempo e/ou no espaço”; em razão de a dissertação se abstrair tanto do tempo quanto do espaço, o que se diz por meio dela é válido em qualquer tempo e espaço (TRAVAGLIA, 2017, p. 71).

Argumentativo, porque envolve ações linguísticas que visam à persuasão e ao convencimento do interlocutor. Para o estudioso, qualquer texto que produzimos é argumentativo, uma vez que sempre objetivamos alcançar algo por meio dele (TRAVAGLIA, 2017).

Assim como Travaglia (2017), Marcuschi (2008, p. 154) entende a tipologia como uma espécie de construção teórica definida pela natureza linguística de sua composição, que envolve “aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas e estilo”. Em relação aos tipos, caracteriza-os como modos textuais que abrangem as categorias narração, argumentação, exposição, descrição e injunção.

A noção de tipologia proposta por Travaglia (2017) não está apartada da noção de gêneros textuais. O autor esclarece que gênero é uma categoria de texto, ou tipelemento, assim como o tipo/subtipo e a espécie. De modo a buscarmos um entendimento mais abrangente da relação entre tipos e gêneros textuais, recorremos a Dolz e Schneuwly (2004), que apresentam agrupamentos de gêneros conforme os tipos textuais (Figura 6).

41 Apesar de os autores estarem voltados para o estudo das sequências didáticas, a sistematização que oferecem facilita-nos o entendimento e permite-nos visualizar com mais clareza a diversidade de gêneros e sua relação com os tipos. Ressaltamos que tal classificação não é estanque, uma vez que não é possível classificar um gênero de maneira absoluta em

42 Figura 6 – Aspectos tipológicos e gêneros textuais

Fonte: Dolz; Schneuwly (2004, p. 102)

Os autores consideram a tipologia fundamental para os estudos linguísticos, pois possibilita a análise dos gêneros considerando-se o aspecto linguístico. Para os estudiosos, os gêneros não são categorias dicotômicas, antagônicas, pois levam em conta a diversidade e as especificidades no desenvolvimento das expressões oral e escrita. Assim, os agrupamentos de gêneros não atendem a um procedimento único, mas a um conjunto de aprendizagens específicas e, de acordo com suas características distintas, “podem ser agrupados em função de um certo número de regularidades linguísticas e de transferências possíveis” (DOLZ;

SCHNEUWLY, 2004, p. 101).

No que se refere especificamente à argumentação, Passarelli (2012) salienta que argumentar é agir com honestidade, o que confere importante característica ao processo argumentativo, cujo sucesso depende de sabermos dosar o trabalho com ideias e emoções, empreendendo mais esforços para persuadir do que para convencer. A fim de ampliarmos o entendimento acerca das ações de persuadir e convencer, recorremos a Koch (2011 [1984], p.

119), para quem

[...] o ato de convencer dirige-se a um auditório universal, já que se destina a provocar a clareza, através da evidência dos fatos (provas objetivas) ou da evidência pela razão (relação demonstrativa; implicações lógicas entre proposições). O ato de persuadir destina-se a um auditório particular, utilizando argumentos que podem levar a inferências (mas não a verdades absolutas). As relações argumentativas dependem das intenções dos falantes e são sustentadas pelo princípio da plausibilidade.

Podemos entender a ação de convencer como o saber gerenciar informações por meio de demonstrações e provas, e a ação de persuadir como o saber gerenciar as relações com o outro, ou seja, quando convencemos o outro, ele passa a pensar como nós; quando o persuadimos, ele realiza algo que desejamos que realize (ABREU, 2009).

43 Assim, o discurso argumentativo, que perpassa qualquer texto, tem por finalidade persuadir ou convencer o interlocutor, levá-lo a compartilhar da mesma opinião de quem produziu o texto ou a realizar determinada ação, externar determinadas reações, desencadear certos comportamentos. Como observa Koch (2011 [1984]), o ato de argumentar é intrínseco à linguagem, nenhum enunciado que proferimos está desprovido de argumentação.

No que se refere à organização estrutural do texto argumentativo, Passarelli (2012), com base em Perelman (1987), salienta que o texto não segue uma ordenação fixa em relação aos elementos necessários, mas deve apresentar o tema discutido, o ponto de vista ou a tese a ser defendida, os argumentos que apoiam o posicionamento adotado, os contra-argumentos, as eventuais posições contrárias e os argumentos que servem para contestar tais posicionamentos e elementos que recuperem a posição ou a tese defendida, na conclusão da exposição. Em relação aos procedimentos, a autora ensina que a argumentação implica construir ideias, o que requer que o produtor se coloque no mundo do outro, com vistas à obtenção do que pretende, de modo cooperativo, sem embates desgastantes e antiéticos, sempre visando ao jogo discursivo intencional, com o propósito de convencer e persuadir o ouvinte/leitor a aceitar a validade do sentido produzido pela argumentação.

Para Garcia (2010 [1967]), produzir um artigo de opinião envolve a necessidade de assumir uma posição explicitamente direta em relação a uma questão polêmica, formulá-la de modo claro e objetivo, pesquisar o que já foi dito a respeito, contextualizar, retomar a opinião de outras pessoas em favor do seu ponto de vista e, principalmente, justificar e sustentar a própria posição por meio de argumentos.

O autor divide a estrutura do artigo de opinião em três partes:

- Apresentação do tema: momento em que o autor situa o leitor no contexto da discussão, apontando para a questão que será discutida;

- Desenvolvimento do texto: onde se inicia o processo de tomada de posição em relação à questão abordada, lembrando que é necessário abordar de forma clara e sustentar com argumentos.

- Conclusão: construção de ideia lógica entre a apresentação do tema, o desenvolvimento e a conclusão. Importante para que o texto faça sentido e as ideias sejam compreendidas (GARCIA, 2010 [1967], p. 381).

Assim, a produção de um artigo de opinião requer muito mais do que expressar ideias no papel, uma vez que a escrita é um processo que exige conhecimento linguístico e da

44 organização típica do gênero, para conferir credibilidade, qualidade e sentido ao escrito. Por estar na ordem do argumentar, segundo Koch (2011 [1984]), o artigo de opinião orienta o discurso no sentido de determinadas conclusões.

Pelo que expusemos, entendemos que a estrutura típica do artigo de opinião, aliada à seleção adequada de elementos lexicais, como os operadores argumentativos, e ao encadeamento das sequências textuais argumentativas, tem como propósito persuadir ou convencer o interlocutor a compartilhar da opinião do produtor do texto, assumir um posicionamento ou realizar determinada ação.

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