• Nenhum resultado encontrado

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.4 Sequências textuais

2.4.1 Sequências textuais argumentativas

De acordo com Ducrot (1981), a argumentatividade em um texto decorre não apenas do conteúdo informacional presente nele, mas também de expressões, vocábulos e morfemas que dão ao enunciado certa orientação argumentativa, e não outra, de forma a levar o enunciatário a considerar determinados efeitos de sentido, que orientam sua compreensão.

48 Assim, o enunciado é direcionado a determinada conclusão; essa orientação passa a fazer parte do sentido, e a argumentação passa a ser fato da língua, e não do discurso.

Como esclarece Cabral (2017), na interação, ao desejarmos influenciar nosso interlocutor, convencê-lo ou persuadi-lo a fazer algo, selecionamos argumentos adequados ao nosso ponto de vista e procedemos à organização do texto. A autora destaca que o sucesso dessas ações depende das escolhas linguísticas realizadas, que cumprem importante função na argumentação, pois revelam a posição do autor diante do assunto abordado. Apoiada nos estudos de Ducrot, Cabral (2017, p. 15) afirma que a argumentação “encontra-se especialmente na organização dos discursos e na escolha de argumentos linguísticos”.

Vale ressaltar que os textos de natureza argumentativa que objetivam persuadir o interlocutor, possibilitam mudança de postura diante do enunciado, para tanto, a presença dos operadores argumentativos pode reforçar determinada opinião. Bonini (2005), em seu estudo sobre as sequências argumentativas de Adam, ressalta que argumentar, no sentido mais básico, é direcionar a atividade verbal para o convencimento do outro, ou refere-se à construção de um discurso que visa modificar a visão do outro sobre determinado objeto, alterando o seu discurso.

Segundo Adam (2011, p. 234), o discurso argumentativo

[...] situa-se sempre em relação a um contradiscurso efetivo ou virtual. A argumentação é, por isso, indissociável da polêmica. Defender uma tese ou uma conclusão consiste em defendê-la contra outras teses ou conclusões, da mesma maneira que entrar em uma polêmica não implica somente um desacordo [...] mas, sobretudo, ter contra-argumentos.

Os estudos desenvolvidos por Adam (1992) sustentam a ideia de que o texto argumentativo é portador de um dado esquema prototípico, uma sequência que o diferencia de um texto narrativo, por exemplo. A noção de argumento corresponde a uma proposição10, um raciocínio que leva a uma dedução e a uma conclusão. A propriedade argumentativa de uma

10 Neste estudo, a proposição é tomada no nível semântico das práticas discursivas. Nesse sentido, de acordo com Adam (1992; 2011), a representação discursiva se constrói com base em um enunciado mínimo proposicional, formado por um bloco de microunidades representacionais que originarão períodos, parágrafos e sequências. A proposição enunciada ou bloco de proposições apresentam valor de referência sobre o objeto de discurso no texto e cria uma imagem sobre ele. O autor observa que as proposições se referem a unidades textuais elementares (proposição-enunciado) que, ao se relacionarem umas com as outras, formam unidades estruturais mais complexas.

49 proposição pode ser observada no modo como os enunciados estão construídos. Assim, uma proposição pode vir a ser um argumento, de acordo com o contexto de produção.

Adam (2011) esclarece que toda proposição, por mínima que seja, como o enunciado

“Bravo!”, não se dá de forma isolada, pois guarda relação com outros enunciados, dos quais demanda uma resposta ou uma continuidade. Tal condição de ligação o autor denomina de orientação argumentativa da proposição. Tomando como exemplo a proposição “Bravo!”, Adam (2011) explica que se a proferirmos em determinado tom, faremos dela um enunciado irônico ou de censura, em vez de felicitação, e esse comportamento, que não é apenas linguístico, mas também social, dará ao enunciado uma orientação argumentativa, e não outra.

Ainda conforme postula o estudioso, as proposições podem constituir períodos ou sequências; aqueles são “unidades textuais frouxamente tipificadas”; estas são “unidades mais complexas, tipificadas” (ADAM, 2011, p. 204). O autor entende que as sequências argumentativas são formadas por uma unidade constituída e uma unidade constituinte. Como unidade constituinte, a sequência é um componente de T (texto); como unidade constituída, é composta de proposições (macroproposições diferentes), segundo os tipos de sequencialidades, e compostas elas mesmas de N microproposições (ADAM, 2011).

Ao tratar da sequência textual argumentativa, o linguista retoma a reflexão de Ducrot (1987), segundo a qual grande parte dos textos literários dos séculos XVII e XVIII baseavam-se na demonstração ou refutação de uma tebaseavam-se e em

[...] premissas, não sempre explícitas, aliás reconhecidas como incontestáveis, e eles tentam mostrar que não se poderia admitir essas premissas sem admitir também tal ou qual conclusão − a conclusão sendo tanto a tese a demonstrar como a negação da tese de seus adversários, ou ainda a negação de certos argumentos de seus adversários(ADAM, 2011, p. 233).

Esse pensamento de Ducrot (1987) coloca em relevo dois movimentos típicos da argumentação: demonstrar/justificar uma tese e refutar uma tese ou determinados argumentos de uma tese contrária. Normalmente, a tese diz respeito a um aspecto importante que representa o objeto da argumentação. Já as premissas são responsáveis pela armação do raciocínio e têm como características serem incontestáveis e estarem relacionadas com as conclusões. Finalmente, os argumentos são constituídos de proposições utilizadas para apoiar

50 a tese, e o argumentador é um agente que busca modificar ou reforçar o julgamento de um sujeito que argumenta em relação a uma tese ou conclusão.

Ao considerar os modelos teóricos argumentativos de Toulmin (1993) e de van Dijk (1980), Adam (2011) compõe um esquema simplificado de base para a argumentação, apresentado a seguir (Figura 7). Destacamos que utilizamos esse modelo na análise dos textos selecionados empreendida no Capítulo 3.

Figura 7 − Estrutura simplificada de base da sequência textual argumentativa Fonte: Adam (2011, p. 233)

Em relação a esse esquema simplificado da sequência textual argumentativa, Adam (2011) nota que lhe falta o princípio dialógico, que considera possíveis restrições, pois o ato de argumentar pressupõe polêmica, não só aquela motivada por desacordos, mas também aquela motivada por contra-argumentos. Nesse sentido, defender uma tese pressupõe a defesa de outras teses ou conclusões. Segundo o linguista, estar submetida à refutação é uma das características da argumentação (ADAM, 2011).

Para Brandão (1998), o ato de refutar caracteriza-se, de um lado, por sua convencionalidade, de outro, por sua intencionalidade; ocorre também uma transformação entre os interlocutores, uma vez que o enunciador é levado a argumentar, expor as razões de sua refutação, e o interlocutor é levado a reagir.

Na evolução dos estudos argumentativos, Adam (2011) aprofunda suas reflexões sobre a sequência argumentativa prototípica e apresenta uma versão mais completa, que contempla mais fases, que nem sempre obedecem a uma ordem linear (Figura 8). Tal sequência tem caráter mais geral pelo fato de apresentar explicitamente a refutação da tese inicial, a contra-argumentação, apesar de ela nem sempre ocorrer nos textos argumentativos.

51 argumentativa (P. arg.) compreende a estrutura do texto como um todo: P. arg. 0 (tese anterior a ser refutada ou confirmada); P. arg.1 (os dados ou fatos); P. arg. 2 (justificativas que sustentam ou refutam um posicionamento); P. arg. 3 (conclusão ou posicionamento assumido pelo produtor do texto); P. arg. 4 (restrição ou contra-argumento).

As unidades textuais organizam-se em níveis crescentes de complexidade e sua configuração permite unir as proposições em macroproposições e em feixes de proposições que formam os períodos, as sequências e as partes que compõem um plano de texto (ADAM, 2011). Entre o período e a sequência há um grau de dependência e interdependência; ao passo que os períodos são menos tipificados, as sequências são estruturas que têm organização interna que lhe é própria, estabelecendo uma relação de complementariedade entre as sequências e o texto em sua totalidade.

O esquema da sequência argumentativa prototípica de Adam (2011), como demonstrado na Figura 8, em seu sentido mais geral, toma a argumentação como estratégia discursiva que permite ao produtor do texto utilizar-se de uma tese direcionada ao outro para convencer, persuadir ou construir uma representação, com o intuito de provocar a adesão ao pensamento, convencer em relação a um dado tema, voltado a um ambiente em que a língua não se concretiza apenas por frases, mas por contextos de valor argumentativo. Segundo Adam (2011), todo enunciado carrega em si uma carga argumentativa e seu sentido é inseparável de um dizer, de uma atividade enunciativa significante que o texto convida a reconstruir.

52 Entendemos que a elaboração de um texto argumentativo resulta da convergência de argumentos pertinentes a um tema, arranjados em direção a uma conclusão. Os argumentos devem estar organizados e distribuídos hierárquica e progressivamente, em encadeamento ordenado, e o planejamento exige habilidade para transformar um rol de argumentos em uma sucessão de ideias organizadas de forma coerente, o que, na prática, nem sempre é observado.

Após termos apresentado detalhadamente aspectos da composição da sequência argumentativa, passamos a abordar os operadores argumentativos, categoria selecionada para a análise do corpus selecionado.

Documentos relacionados