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portanto claro que a palavra será sempre o indicador mais sensível de

4.2 CONCEPÇÕES CENTRAIS

4.2.3 O texto e a Linguística Sistêmico-Funcional

Para compreensão de fenômenos sociais, como hegemonia e ideologia, o enfoque da ADC se concentra no Discurso como um dos momentos das práticas sociais – aquele de caráter mais próximo do semiótico, já que estas, conforme já mencionado, constituem-se como elementos intermediários – ponto de conexão, entre a estrutura e a ação sociais que, para Fairclough (2003), estão relacionadas entre si, mas não em caráter de equivalência.

A relação existente entre a estrutura (que em nível discursivo é representada pelo sistema semiótico) e a ação (representada em nível discursivo pelos textos) é de interdependência causal. Por corresponder ao sistema semiótico a estrutura social é mais abstrata e estável que a ação social, já esta, por corresponder ao texto, caracteriza-se de maneira mais instável, flexível e concreta que a primeira, conforme a Figura 8, apresentada na próxima página, expressa.

Ramalho e Resende (2011) esclarecem que:

[...], como evento discursivo ligado a práticas sociais, o texto traz em si traços da ação individual e da ação social que lhe deu origem e de que fez parte; da interação possibilitada também por ele; das relações sociais, mais ou menos assimétricas, entre as pessoas envolvidas na interação; de suas crenças, valores, histórias; do contexto sócio-histórico específico num mundo material particular, com mais ou menos recursos. (RAMALHO; RESENDE, 2011, p. 22).

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Ressalta-se que a compreensão de texto na ADC não se restringe aos documentos escritos, uma vez que é apresentada sob uma visão ampla:

Vou usar o termo [textos] em um sentido muito amplo. Textos escritos e impressos, tais como listas de compras e artigos de jornais são textos, mas também são transcrições de conversas (falas) e entrevistas, bem como programas de televisão e páginas da web. Podemos dizer que qualquer instância real da linguagem em uso é um ‘texto’ – ainda que isso seja muito limitado, porque textos, como programas de televisão, envolvem não só a linguagem, mas também imagens visuais e efeitos sonoros” (FAIRCLOUGH, 2003, p. 3, tradução livre)69.

Figura 8 – Síntese das concepções centrais da Análise de Discurso Crítica

Fonte: Elaborada pela autora com base em RESENDE, 2008; RAMALHO; RESENDE, 2011; CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH ,1999; FAIRCLOUGH 2003.

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“I shall use the term in a very broad sense. Written and printed texts such as shopping lists and newspaper articles are texts, but so also are transcripts of (spoken) conversations and interviews, as well as television programmes and webpages. We might say that any actual instance of language in use is a ‘text’ – though even that is too limited, because texts such as television programmes involve not only language but also visual images and sound effects”.

Ainda em complemento a essas considerações sobre o texto, reproduz-se o entendimento de Gouveia (2009), para o qual:

De orientação social, portanto, o quadro teórico-metodológico que tem vindo a ser descrito elege o texto como unidade fundamental, a partir da constatação facilmente verificável, de que este é a unidade de comunicação em qualquer evento discursivo. Ou seja, encarado, na sua dimensão comunicativa, como linguagem que é funcional, o texto é o resultado de toda e qualquer situação de interacção, isto é, é ele próprio a forma linguística de interação social, uma unidade de uso linguístico. De extensão variável, falado ou escrito, individual ou colectivo, composto de apenas uma frase ou de várias (a extensão não é relevante), o texto é o que produzimos quando comunicamos. É ainda uma coleção harmoniosa de significados apropriados ao seu contexto, com um objetivo comunicativo. (GOUVEIA, 2009, p. 18).

Os textos não são produtos acabados, prontos e estáticos. Se assim fossem, não atenderiam a um dos enfoques mais significativos da ADC: o de que a linguagem é um sistema dinâmico. Por conseguinte, a ADC se destina a pesquisas que tem no texto, sob a ótica ampla descrita, seu principal material de trabalho e unidade de análise. À vista disso, a ADC também é designada de “análise de discurso textualmente orientada (ADTO)” (CAETANO, 2009; FAIRCLOUGH, 2001, 2003; MAGALHÃES, 2004, 2005).

A ADC proposta por Fairclough (2001, 2003) é subsidiada pela Linguística Sistêmico-Funcional (LSF). A LSF é descrita como “uma teoria geral do funcionamento da linguagem humana, concebida a partir de uma abordagem descritiva baseada no uso linguístico” (GOUVEIA, 2009, p. 14). Assim, a LSF se ocupa da linguagem sob suas mais diversas formas, a compreende como um sistema dinâmico e procura estudá-la a partir de sua situação de uso.

No âmbito da sistematização dos estudos linguísticos na ótica da funcionalidade, Halliday70 foi o responsável pelo grande passo, por meio da proposição da gramática sistêmico-funcional (GSF)71. O estudioso organizou a obra An introduction to functional grammar, como um enfoque alternativo à gramática tradicional. Martin, Mathiessen e Painter (2010) apresentam vários exemplos de uso da GSF, contudo,

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Michael Alexander Kirkwood Halliday (1925- ) é um linguista e professor britânico que foi aluno de Firth (que por sua vez foi aluno de Malinowsky, um dos primeiros a relacionar a linguagem com o contexto).

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Além dos trabalhos de Halliday, outros estudiosos e outras estudiosas abordaram a LSF, como o próprio Halliday em parceria com Hasan – Language, context and text (1989); Eggins – An

introduction to systemic functional linguistics (1994); Martin e Rose (2003) – Working with discourse;

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ressaltam que ao propô-la, Halliday não o fez orientado especificamente a uma área de aplicação, mas para produzir uma gramática geral com o objetivo de analisar e interpretar textos.

O texto é percebido na LSF como uma construção múltipla dos atores sociais: “texto que vai desde um gesto, uma palavra, a todo um discurso” (BÁRBARA; MACÊDO, 2010, p. 90). Enquanto constructo de significados e de trocas, o texto é um evento intersubjetivo. Nele são realizadas escolhas linguísticas que auxiliam na descoberta dos papéis sociais desenvolvidos pelos indivíduos. Texto é significado e significado é opção, uma corrente contínua de seleções (HALLIDAY, 1998). Se a linguagem se realiza por meio dos textos, estes se realizam por meio da oração, isto é, ela é a unidade central de análise na GSF. A Figura 9 sintetiza os principais aspectos relacionados ao texto abordados nesta subseção:

Figura 9 – Aspectos do texto enquanto instância real da linguagem em uso

Fonte: Baseado em BÁRBARA; MACÊDO, 2009; FAIRCLOUGH, 2001, 2003; GOUVEIA, 2009; HALLIDAY, 1998.

No âmbito da LSF, a linguagem é um tipo de sistema semiótico, baseado na gramática, que se realiza em textos, caracterizada pela organização em sistemas (ou estratos) e pela diversidade funcional. Os sistemas diferenciam-se de acordo com a ordem de abstração: fonologia (grafologia, morfologia) – léxico-gramática (fraseado) – semântica (significados), os quais constituem o contexto de situação, mas também pelo contexto de cultura, ambiente sociocultural mais amplo. Todos esses sistemas são interdependentes.

Os textos estão sempre inseridos nos dois contextos citados, mas ressalta-se que só se pode compreender um texto ao observá-lo sob a ótica do contexto imediato em que foi produzido (o contexto de situação). Em certos casos, este pode ainda não ser suficiente: momento em que será imprescindível a compreensão do contexto de cultura.