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portanto claro que a palavra será sempre o indicador mais sensível de

4.2 CONCEPÇÕES CENTRAIS

4.2.4 Os significados da linguagem

O contexto de situação é descrito por meio de modelo conceitual com três variáveis: campo (relacionado às atividades que ocorrem, ao objetivo e à finalidade do texto), relações (referente aos participantes da situação, a quem fala ou escreve, ouve ou lê, a distância social entre os participantes) e modo (vinculado à função que a linguagem exerce e ao veículo utilizado na comunicação). Essas variáveis do contexto de situação estão relacionadas aos diferentes usos que os indivíduos fazem da língua, “a como se cria e expressa significados” (HALLIDAY; MATHIESSEN, 2004, p. 19).

Na LSF, além da função comunicativa, a linguagem exerce outras três funções (metafunções72) principais: metafunção ideacional (utilizada para se compreender o meio), metafunção interpessoal (utilizada para se relacionar com os outros) e metafunção textual (utilizada para organizar informações).

As metafunções implicam os usos que os falantes fazem da língua, assim, “as funções da linguagem representam o modo como as pessoas atingem diferentes propósitos pela fala e pela escrita, identificadas por meio de significados entrelaçados na construção do discurso” (SILVA, 2010, p. 66). Nesse sentido, Gouveia (2009) esclarece que:

Concretizando, a linguagem serve para expressarmos conteúdo, para darmos conta de nossa experiência no mundo, seja este o real, exterior ao sujeito, seja este o da nossa própria consciência, interno a nós próprios [IDEACIONAL]; mas a linguagem serve também para estabelecermos e mantermos relações sociais uns com os outros, para desempenharmos

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Sobre o uso do termo metafunção, Gouveia (2009, p. 17) esclarece: “Na literatura da LSF, estas funções da linguagem são referidas como metafunções, em razão de dois aspectos fundamentais: por um lado, por ser tido em consideração o seu caráter geral e o seu pendor abstracto, por oposição às funções que as unidades dos sitemas linguísticos particulares realizam em estruturas particulares, e, por outro, porque a funcionalidade é intrínseca à linguagem”.

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papéis sociais, incluindo os comunicativos, como ouvinte e falante [INTERPESSOAL]; e, por fim, a linguagem providencia-nos a possibilidade de estabelecermos relações entre partes de uma mesma instância de uso da fala, entre essas partes e a situação particular de uso da linguagem, tornando-as, entre outras possibilidades, situacionalmente relevantes [TEXTUAL]. (GOUVEIA, 2009, p. 15).

As metafunções da linguagem se realizam de maneira simultânea e interdependente por meio dos três principais sistemas léxico-gramaticais considerados na GSF, a saber: transitividade (relacionado à metafunção ideacional), modo e modalidade (relacionados à metafunção interpessoal) e estrutura temática (relacionado à metafunção textual). A relação existente entre os sistemas das metafunções e as variáveis do contexto de situação é expressa na Figura 10:

Figura 10 – As três metafunções e os sistemas léxico-gramaticais que realizam

Fonte: Baseado em FUZER; CABRAL, 2014, p. 33.

Halliday e Mathiessen (2004) esclarecem que a chave para a interpretação funcional da estrutura gramatical reside no fato de que os componentes linguísticos de uma mesma oração podem ser interpretados sob diferentes enfoques. A oração é assim uma unidade gramatical plurifuncional, vista como composição (troca, interação), representação e como mensagem. A oração pertence a uma escala de níveis do funcionamento linguístico na qual é o elemento central de análise.

A estrutura constituinte das orações é identificada de acordo com o significado observado. A oração pode ser analisada dentro de suas partes constituintes (os níveis abaixo da oração) – como o grupo, sintagma, palavra, e estes podem ser analisados a partir das partes que os constituem, que são realizadas por diferentes classes de palavras (MARTIN, MATHIESSEN; PAINTER, 2010). Os rótulos

funcionais da GSF possibilitam que se realizem análises gramaticais semanticamente estruturadas.

As três metafunções perpassam todas as instâncias de realização da linguagem, como se observa na Figura 11, a seguir:

Figura 11 – A perspectiva plurifuncional da oração na Linguística Sistêmico-Funcional

Fonte: Elaborado pela autora, 2016.

A metafunção interpessoal está relacionada à forma com que os indivíduos utilizam a língua para se relacionarem uns com os outros, de maneira que o principal significado construído é o da interação, das trocas estabelecidas entre os/as falantes. No âmbito gramatical, o sistema analisado é o do modo, que representa a interação entre os participantes da oração. Algumas das unidades funcionais passíveis de serem observadas na metafunção interpessoal são o sujeito, o finito e o predicador, e o resíduo.

A metafunção textual relaciona-se à oração como mensagem, já que se vincula à organização de informações e, no âmbito léxico-gramatical, à estrutura temática. Unidades funcionais nela trabalhadas são o tema e rema.

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A metafunção ideacional compreende a oração como representação e, relaciona-se à experiência do indivíduo no mundo material e no mundo interno (sua própria consciência). Por corresponder àquilo que se faz no mundo, à compreensão do meio, está vinculada ao campo referente ao contexto de situação.

Em nível de estrutura, essa metafunção se divide em dois subsistemas: experiencial e lógico. Gouveia (2009, p. 16) esclarece que “um nível ou subfunção experiencial, muitas vezes correlacionado diretamente com a função que o comporta, construindo-se assim experiencial e ideacional como termos sinónimos, e um nível lógico”. Dessa forma, é comum se observar na literatura o emprego tanto do termo ideacional, quanto do experiencial para designar essa função.

A transitividade é o sistema léxico-gramatical relacionado à metafunção ideacional. Ele descreve toda a oração, mas não se expressa apenas pela relação entre os verbos e seus complementos (como ocorre na gramática tradicional). A oração tomado o sistema da transitividade é composta por processos, participantes e eventuais circunstâncias, o que por sua vez resulta em uma figura.

Os tipos de figura de que a relação representada pelos elementos da transitividade resulta correspondem a vários tipos de processos:

Figura 12 – Tipos de figura em relação ao sistema da transitividade

Fonte: Elaborada pela autora, 2016.

Os principais processos existentes correspondem às experiências humanas: processos materiais, mentais e relacionais. Na fronteira entre esses processos existem três outros secundários: os processos verbais, comportamentais e

existenciais. Os processos formam um círculo e não uma linha, de maneira que não há polos entre um e outro, mas uma esfera, conforme a Figura 13 retrata.

Figura 13 – Tipos de processos nas orações (sistema da transitividade)

Fonte: Adaptação de HALLIDAY; MATHIESSEN, 2004, p. 172 por SOUZA; MENDES, 2012, p. 541.

A GSF foi originalmente elaborada em inglês e, apesar de existirem no Brasil diversos/as pesquisadores/as que a estudam, não há uma tradução oficial para o português, o que também deve ser considerado no momento das análises, já que alguns exemplos são mais bem expressos no idioma para o qual o modelo foi originalmente proposto.

Além disso, de acordo com o tipo de processo (material, verbal, mental...) os/as participantes recebem designações específicas, por exemplo, no processo material é comum se falar em ator e meta, já no mental, em experienciador e fenômeno. O Quadro 6, a seguir, apresenta os principais tipos de processos, participantes e circunstâncias que os compõem considerado o sistema da transitividade, bem como apresenta uma síntese dos conceitos e princípios desse sistema:

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Quadro 6 – Tipos de processos e participantes

Tipos de processo Significado Participantes Exemplos

MATERIAL Transformativo Criativo Fazer Acontecer Ator Meta Escopo Benefíciário Atributo

(Sandy) abre uma garrafa de cerveja na quina do balcão. MENTAL Perceptivo Cognitivo Emotivo Desiderativo Perceber Pensar Sentir Desejar Experienciador Fenômeno

Ela adora luta.

Não era muito fácil imaginar Sandy com uma loura gelada.

RELACIONAL Intensivo Possessivo Circunstancial Caracterizar Identificar Portador Atributo Identificado Identificador

Sandy não tem intimidade com a bebida.

Sandy é a nova garota propaganda da Devassa.

COMPORTAMENTAL Comportar-se Comportante Comportamento

(Sandy) começa a dançar. Na entrevista de lançamento VERBAL Dizer Dizente Verbiagem Receptor Alvo

Da campanha, no Rio, Sandy

disse ter ficado surpresa

com o convite.

EXISTENCIAL Existir Existente Houve troca de posto no papel da

garota-propaganda da cerveja Devassa.

Fonte: FUZER; TICKS; CABRAL, 2012 com base em HALLIDAY; MATHIESSEN, 2004.

Dessa forma, as unidades ou rótulos funcionais mencionados são ferramentas úteis na diferenciação de estruturas potencialmente ambíguas, mas, além disso, possibilitam raciocinar sob a ótica da GSF. Este raciocínio centraliza-se na noção de como as estruturas gramaticais estão relacionadas umas com as outras.

Apesar de Fairclough (2001, 2003) reconhecer a importância do construto teórico da LSF para os estudos críticos do discurso e, considerar que “a ADC se desenvolveu em uma estreita relação com esta” (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999, p. 139), o autor não se apropriou acriticamente da proposta da LSF.

Fairclough (2001, 2003) ressignificou a terminologia empregada, a acepção e a extensão das metafunções da linguagem apresentadas por Halliday (2004), entre outros fatores. Para Segundo (2014):

A diferença principal entre as duas concepções reside no fato de que a proposta metafuncional sistêmico-funcional diz respeito à organização do sistema linguístico em si; em outros termos, consiste numa hipótese que

postula tal organização como um princípio que governa a evolução, a mudança e o potencial de significado do sistema em resposta às demandas da ação prática humana em contextos localizados. Já a proposta de multissignificação de Fairclough abrange uma organização do texto enquanto prática sociossemiótica, orientada à compreensão dos mecanismos de coerção estrutural das ações sócio-discursivas e dos efeitos causais dos textos para a continuidade da práxis. (SEGUNDO, 2014, p. 9). Nesse sentido, Fairclough (2003) pretere a noção de funções presente na LSF e aborda a linguagem dando destaque à construção de significados, que estão vinculados aos momentos internos do Discurso (gêneros, discursos e estilos).

Contudo, a vinculação proposta por Fairclough (2003) não implica na simples renomeação das funções em significados, também repercute na compreensão que o autor atribui a linguagem.

Para Fairclough (2003), aos gêneros se vinculam os significados acionais, aos discursos os significados representacionais e, aos estilos, os significados identificacionais. Em síntese:

A representação corresponde à função 'ideacional' de Halliday; Ação se aproxima de sua função 'interpessoal', embora a ênfase maior seja no texto como modo de (inter)agir em eventos sociais e, possa ser visto como que incorporando relação (representando relações sociais); Halliday não diferencia uma função separada para identificação – a maior parte do que eu incluo como Identificação está na função 'interpessoal' de Halliday. Não faço distinção de uma função 'textual' separadamente, antes a incorporo com a Ação. (FAIRCLOUGH, 2003, p. 27).

A partir dessas considerações, na próxima seção serão apresentados os momentos internos do Discurso (discursos, gêneros e estilos), com ênfase nos discursos e na representação, por constituírem o foco de análise dessa tese.