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portanto claro que a palavra será sempre o indicador mais sensível de

4.2 CONCEPÇÕES CENTRAIS

4.2.1 Vida social como um sistema aberto

Em linhas gerais, o vínculo da base ontológica da ADC com o realismo crítico 58se dá em relação a três aspectos principais (RESENDE, 2008): a existência de uma ontologia estratificada do mundo social, o entendimento da vida social como um sistema aberto e o modelo transformacional entre estrutura e ação sociais.

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A edição citada por Chouliaraki e Fairclough (1999) e por Fairclough (2003) é a primeira, publicada no ano de 1985. Nesta pesquisa se teve acesso a segunda edição do ano de 2001.

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Em inglês, a primeira edição da obra foi publicada no ano de 1990. Em português, a primeira tradução foi publicada em 1995. Nesta tese fez-se uso da 9. edição.

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Conforme descrito por Chouliaraki e Fairclough (1998, p. 2): “We show with respect to these theories how CDA within properly ‘transdiciplinary’ (as opposed to merely ‘interdisciplinary’) research, involving a dialogue (or ‘conversation’) between theories in which the logic of one theory is ‘put to work’ within another without the later being reduced to the former”.

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“Corrente filosófica que concebe a vida (social e natural) como um sistema aberto, constituído por várias dimensões – física, química, biológica, psicológica, econômica, social, semiótica, sendo que todas têm suas próprias estruturas distintivas, seus mecanismos particulares e poder gerativo. Na produção da vida social ou natural, a operação de qualquer mecanismo é mediada pelos outros, de tal forma que nunca se excluem ou se reduzem a um” (RAMALHO; RESENDE, 2011, p. 175).

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Sobre a ontologia estratificada esclarece-se que se trata de proposta para estudo e acesso à realidade desenvolvida por Bhaskar59, isto é, a respeito de como se dá o conhecimento dos indivíduos em relação aos fenômenos, sejam eles físicos, sociais ou de outro nível. A estratificação implica na existência de três domínios: real, actual e empiric (terminologia60 empregada por Bhaskar, 200861), e, adaptada por Resende (2008) e por Ramalho e Resende (2011), em potencial, realizado e empírico, conforme exposto na Figura 5:

Figura 5 – Os três estratos da realidade segundo o realismo crítico

Fonte: RESENDE, 2008, p. 46.

Resende (2008) denomina o real de potencial, isto é, domínio que abrange todas as possibilidades do que pode acontecer e, o actual, de realizado, já que é uma esfera intermediária do que acontece se, e quando os poderes do real (potencial) forem ativados. Entretanto, deve-se esclarecer que o domínio do empírico não corresponde ao potencial ou ao realizado, já que o acesso aos dois últimos não é impossível, mas também não é assegurado (RESENDE, 2008).

O empírico representa o que podemos observar por meio das experiências, mas também não esgota o que aconteceu ou o que poderia ter acontecido, já que nosso acesso à realidade é sempre posicionado e parcial, o que não retira a cientificidade da ADC, já que ela se baseia na compreensão e explanação dos fenômenos.

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Roy Bhaskar (1944-2014) iniciou sua carreira como professor na área de economia, na Universidade de Oxford, no final da década de 1960, para só então dedicar-se ao estudo da filosofia e fundar o realismo crítico, uma vez que não encontrou as repostas que procurava sobre o mundo real, a pobreza e a riqueza na economia. O jornal britânico The Guardian na nota de falecimento de Bhaskar o intitula como “uma das vozes mais influentes na filosofia da ciência e um revolucionário político”. (TheGuardian. Roy Bhaskar Obituary. Thursday, 4 Dec. 2014).

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Existem diferentes traduções para os domínios, por exemplo, Ramalho (2009) os cita como real, actual e empírico, já Resende (2008) os descreve como potencial, realizado e empírico.

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Fairclough cita em especial a obra Scientific Realism and Human Emancipation, escrita por Bhaskar e publicada no ano de 1986. Nesta tese a obra que se teve acesso foi A Realist Theory of Science, de 2008.

Resende (2008) esclarece que os domínios do potencial e do realizado estão no âmbito ontológico e que o empírico se apresenta no nível epistemológico.

Nesse sentido, além da estrutura ontológica ser composta pelos diferentes domínios da realidade, a ADC se vale do entendimento do realismo crítico de que a vida social é um sistema aberto, isto é, que “qualquer evento é governado simultaneamente por ‘mecanismos operativos’ (‘ou poderes gerativos’)62 (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999, p.19, tradução livre). A vida social é composta por vários estratos como os de nível físico, biológico, semiótico, químico, psicológico, entre outros.

Esses estratos possuem estruturas distintas, mecanismos gerativos que atuam no domínio do potencial – do que pode ou não acontecer. Os estratos atuam, simultaneamente, causando impacto uns nos outros, mas não de maneira previsível e sistemática e, sim, por meio de uma interdependência causal. Ramalho e Resende (2011) esclarecem que os estratos quando ativados, simultaneamente, podem causar efeitos imprevisíveis nos outros domínios (realizado e empírico).

Nesse sentido, Chouliaraki e Fairclough (1999, p. 19, tradução livre) esclarecem que “as relações entre os mecanismos são estratificadas: um mecanismo pressupõe muitos outros, mas está arraigado e emerge, talvez, de apenas um ou de um pequeno número de outros mecanismos”63.

Entretanto, isso não faz com que os diferentes estratos se reduzam uns aos outros, ao mesmo tempo em que, também, não é necessário voltar a um dos estratos para que se possa conhecer o outro (por exemplo, voltar ao físico para se compreender o semiótico), já que cada estrato deixa seus traços naqueles com os quais interage, ainda que de maneira diferente.

A Figura 5 deixa explícita a relação existente entre os poderes causais e os objetos sociais e, consequentemente, os domínios ontológicos. Entretanto, os poderes causais não são absolutos e estáveis, já que são ativados e/ou bloqueados de acordo com o contexto, ou seja, são contingentes. Além disso, os poderes causais não possuem uma relação mecânica, inclusive, sendo nessa perspectiva que reside o fato de que na ADC não se buscam regularidades absolutas.

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“In which any event is governed by simultaneously operative ‘mechanisms’ (or ‘generative powers’)”. 63

“The relationships between mechanisms are stratified: one mechanism presupposes many others, but it is rooted in and emergent out of maybe just one or a small number os other mechanisms”.

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Essa contestação em relação à causalidade mecanicista é observada em obras de cunho marxista, como as de Bahktin (2006), que apesar de considerá-la uma solução justa, também a percebe por demais genérica, o que a torna ambígua na explicação dos fenômenos, sobretudo aqueles vinculados à filosofia da linguagem. A aplicação da causalidade mecânica é cada vez mais limitada, mesmo nas ciências naturais, já que a configuração dos fenômenos tende a ser complexa.

Se o mundo é constituído de diferentes domínios, sendo o acesso à realidade sempre parcial e posicionado, bem como por ser a vida social um sistema aberto, com múltiplas possibilidades e dinâmica, decorre desses apontamentos um dos elementos fundamentais à compreensão da teoria crítica do discurso da ADC: o modelo transformacional da realidade entre a estrutura e a ação social, descrito na próxima subseção.