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O texto da Vita Humana 1 – Os testemunhos da tradição textual

No documento Luís da Cruz, Teatro. Tomo II: Vida Humana (páginas 35-43)

O texto desta comédia chegou-nos em três testemunhos, dois manuscritos e um impresso, que passamos a descrever.

A: Coimbra, BGUC, Cod. 993: “Rerum scholasticarum quae a patribus ac fratribus huius Conimbricensis Collegii scripta sunt. Tomus secundus”

Formato in folio. Numeração primitiva de 1 a 478 fólios. Papel do tipo pellegrino, como se depreende da marca de água. Encadernação primitiva, em madeira revestida a couro castanho-escuro. Heterogeneidade de paginação e de conteúdo, registado por diversas mãos. Múltiplas intervenções, também de diversas mãos, com comentários nas margens, inutilizações a risco, correcções e inserções, tanto marginais como interlineares. Letra humanista da segunda metade do séc. XVI, com excepção dos fólios finais, onde se dá o catálogo dos lentes de Filosofia e Teologia dos Colégios de Coimbra e Évora, em registo que aponta para a segunda metade do séc. XVII. Pelas suas dimensões e pelo material nele incluso, repartido entre peças de oratória e de poética, conclui-se que a feitura do presente códice obedeceu ao propósito de registar os textos alusivos aos momentos mais especiais da vida do Colégio das Artes. É o tomo II duma série de códices com funcionalidade idêntica, de que se conhecem também o tomo I (Lisboa, BN, Cod. 3308), o tomo V (Coimbra, BGUC, Cod. 994) e o tomo VI (Lisboa, ANTT, Cod. 1963).

O texto da Vita Humana situa-se entre os fólios 248v e 278r. Escrito por uma só mão, apresenta aqui e ali dificuldades de leitura devido à deteriorização do papel, manchado e danificado por efeito da tinta corrosiva. Revelam especial dificuldade os fls. 263r, 270r e 270v. O fl. 267r regista a adição pela mesma mão, em coluna à direita, da última cena do acto III. Tratar-se-á do remedeio duma lacuna textual do próprio copista. O texto apresenta ainda pontualmente algumas rasuras no final dos versos relacionadas com a inserção, por descuido, da primeira ou primeiras palavras do verso seguinte. Também os títulos correntes utilizados para a identificação dos actos e das cenas denotam algum descuido, patente em alguns lapsos. No acto III, por exemplo, após a cena 7, o título corrente regista novamente a cena 6, erro que se repercutirá em cadeia na numeração das cenas até ao final do acto.

126 ―[…], qui quod peroptandum est in flagitiosorum histrionum Comoediis ablegandis, rationem etiam

hoc aeuo monstrauerit, qua omnis omnium hominum status iuuari queat cum uera iucunditate. Cf. Diogo Barbosa Machado, Bibliotheca Lusitana, Lisboa 1752, T. III, p. 90, s. u. ―P. Luiz da Cruz‖. O sublinhado é nosso.

C: Tragicae / comicaeque / actiones a Regio / Artium Collegio / Societatis Iesu, / datae Conimbricae in / publicum theatrum /Auctore Ludouico Crucio / eiusdem Societatis /Olisiponensis, / nunc primum in lucem / editae et sedulo diligenterque / recognitae. / Cum priuilegio. /

Lugduni, / apud Horatium Cardon, /1605.

Grosso volume, encadernado em pergaminho, contendo toda a produção dramática do P. Luís da Cruz. Formato in octauo. Numeração por fólio nos primeiros 16 fólios, a que se seguem 1118 páginas numeradas, mais uma folha de guarda. O frontispício representa um arco romano ladeado verticalmente por nichos, onde se dispõem, identificadas por legendas, de cima para baixo, as estátuas de Talia, Tobias e Terêncio do lado esquerdo, e as de Melpómene, Job e Plauto do lado direito.127 No interior do arco dispõe-se o título da obra, o local e o ano da edição e o seu impressor. O texto referente às várias peças inclui uma págima de rosto, um argumentum geral da peça, uma lista das dramatis personae (personagens) e as periochae (resumos) de cada acto da comédia. Esta surge com os actos e cenas devidamente assinalados. Os títulos correntes dão indicação, nas páginas pares, do título da peça, e nas ímpares, do acto e da cena. As margens de pé contêm reclamos.

A comédia Vita Humana ocupa as páginas 215-441.

L: BNL, Cod. 3234: Actiones Comicae Tragicae in Publico Theatro a Collegio Regio

Conimbricensi.

163 fólios em papel com as dimensões de 217x153 mm, para os fólios 2-13 iniciais, e de 220x155 mm para os restantes.

A materialidade deste códice, tanto na sua estruturação como no usus scribendi, gemina-o perfeitamente com o Cod. CXIV/1-9 da Biblioteca Pública de Évora. Além das dimensões dos fólios, já referida, há uma identidade comum nos seguintes aspectos: na organização em cadernos, predominantemente octónios; no processo de empaginação, com títulos correntes em cada página, indicativos da peça, e do respectivo acto e cena; na mancha de texto justificada a ponta seca e comportando cerca de 32 linhas, intervaladas com grande regularidade; na numeração das páginas, igualmente com alguns lapsos e exclusiva do texto propriamente dito, deixando de fora as didascálias, como acontece, para a Vita Humana, nas quatro páginas 126a-126d, por nós numeradas; na concepção dos fólios de rosto, com letras desenhadas a escantilhão e, finalmente, na escrita homogénea, com utilização da mesma tinta e do mesmo instrumento de escrita, de uma só mão, que defendemos ser a do próprio Luís da Cruz.128

A comédia Vita Humana, com excepção das didascálias, como acabamos de referir, ocupa as pp. 125-269.

127 Talia e Melpómene são duas Musas, a primeira da comédia e a segunda da tragédia.

128 Sobre a letra de Luís da Cruz, cf. Manuel J. S. Barbosa, Bíblia e tradição clássica: a tragédia Sedecias do P.

Luís da Cruz, S. I. na convergência duma estética e duma pedagogia. Dissertação de Doutoramento. Lisboa, Fac. de

5.2 – As duas fases do texto

A Vita Humana foi representada no Colégio das Artes, em Coimbra, em data difícil de precisar, mas que aponta para o fim do ano de 1571 como terminus a quo.129 Decorreram entretanto cerca de trinta anos e o texto primitivo, à semelhança do que aconteceu com o das demais peças integradas no volume das Tragicae comicaeque actiones, foi refundido pelo autor, para merecer as honras do prelo.130 O Cod. 993 da BGUC oferece-nos a versão da Vita Humana ligada à representação, com um texto que soma um total de 2241 versos.131 Contrapõe-se a esta a versão impressa de Lyon, que apresenta um total de 4457 versos. Este acréscimo de 2216 versos ilustra bem a profundidade da refundição do texto primitivo, motivada sem dúvida pelo novo destino do texto, aberto a um outro tipo de fruição, o da leitura, de âmbito muito mais alargado: toda a Europa culta ou, talvez melhor, todos os territórios por onde, naquela altura, se estendia a vasta rede de colégios da Companhia.

Das alterações que estiveram na base desta ampliação do texto primitivo distinguimos essencialmente três acrescentos: a) o de uma nova personagem, a do invejoso Êumenes, com a consequente criação de novas cenas e os indispensáveis ajustamentos nas cenas contíguas; b) os coros apostos a cada acto e, finalmente, c) a exortação final (―Exhortatur ad spectatores‖). A estas três operações mais notórias, há que juntar pequenos acrescentos no interior das cenas, no que podemos considerar um enriquecemento do discurso das várias personagens e a alteração da designação de algumas personagens.

O texto presente no Cod 3234 da BNL, pp. 127-269, é o único testemunho manuscrito da última fase do texto da comédia. Embora se verifique uma coincidência quase total com o texto da versão impressa, as diferenças que subsistem e a sua caracterização levam a concluir que nos encontraremos aqui diante duma versão do texto imediatamente anterior à definitiva, impressa em 1605. Terá havido, pensamos, uma posterior intervenção do autor no texto de todo o seu teatro, intervenção essa que se resumiu a ligeiras alterações. Um outro códice, pelo menos, terá sido elaborado para fazer chegar à tipografia de Horácio Cardon a versão verdadeiramente definitiva do

129 O mais provável é ter sido representada durante o ano de 1572. O termimus a quo que referimos tem a

ver com a Batalha de Lepanto, ocorrida em Novembro de 1571, e mencionada na Vita Humana (I, 9). No prólogo faz-se alusão, por outro lado, à representação recente da tragédia Sedecias (―Nam nuper habiti regis in conuiuio, / Tragico bibistis in epulo per biduum‖ – prólogo, vv. 60-61).

130 Felizmente existem para quase todas as peças de Luís da Cruz, com excepção da tragicomédia

Manasses, versões manuscritas dos seus textos que testemunham estes dois momentos da recepção da

comédia. Sobre a tradição textual do teatro de Luís da Cruz, cf. Manuel Barbosa, ―Luís da Cruz e a poética teatral…‖, cit., pp. 375-377.

131 Cf. José António Salvador Marques, A comédia Vita Humana do P. Luís da Cruz: entre a representação e a

leitura de uma peça do Humanismo jesuítico, Faculdade de Letras de Lisboa, ano de 2001 (Dissertação de

Mestrado), onde, pp. 22-89, surge editado criticamente o texto presente no códice coimbrão, referente à versão primitiva da comédia que baseou a representação.

texto teatral de Luís da Cruz tal como o vemos editado, antecedido do prefácio intitulado ―Beneuolo amicoque lectori‖.132

Apesar da coincidência quase total com o texto impresso, como acabamos de referir, o texto manuscrito da Vita Humana no Cod. 3234 (BNL), a que nos referiremos com a sigla L, apresenta ainda assim, no cotejo com o texto impresso (sigla C), um número razoável de variantes (cerca de 300) que, na sua esmagadora maioria, envolvem termos isolados. Tais variantes poderão catalogar-se, muito sumariamente, do seguinte modo:133

– gralhas, de origem presumivelmente tipográfica, de que L apresenta a alternativa

correta. Ex.: Lanistis] Ianistis C (v. 48); exules] exulos C (v. 132); ex illo] exilio C (v. 252);

– variantes errôneas de L corrigidas em C. Ex.: anhelat] anhelant L (v. 157;

coeperunt] ceperunt L (v. 215); decumo] decimo L (v. 2123);

– reformulações quer de expressões quer de versos inteiros. Ex.: Iam dicam tibi] Venio dictura hoc tibi L (v. 287); Spectrumne saxo contueris nubilum] Spectrumne saxo illo intueris nubilum L (v. 3187).

Há ainda vários casos de versos de L omitidos em C, tal como, embora em menor número, de versos presentes em C que não se encontram em L.

Além destes casos mais notórios de discordância textual, há ainda outros dois que merecem uma referência especial, por suscitarem alguma perplexidade. Um tem a ver com as cenas 10-13 do acto II, onde assistimos às lições de esgrima dadas pelo parasita Pânfago aos adolescentes Caristo e Clitifão, lições essas que causam a indignação de Vida Humana, expressa na última destas cenas. Em todas elas assistimos à substituição sistemática em C das expressões ―ungues deorsum‖ ou ―ungues sursum‖ presentes em L. Não se percebe facilmente a razão de ser da substituição de expressões com pleno cabimento contextual, já que se coadunam perfeitamente com uma situação de treino de esgrima em que o mestre chamaria a atenção para a técnica da rotação das mãos (―unhas para cima‖, ―unhas para baixo‖). Assim, a expressão ―Vngues deorsum‖ de L acha-se substituída em C por várias outras como ―Agiteque gladium‖ (v. 1635), ―An haec tenetis‖ (v. 1647), ―Capiti minare‖ (v. 1658), ―Plagam caueto‖ (v. 1666). Vemos ainda ―ungues modo‖ substituída em C por ―nugae merae‖ (v. 1713).

Parece impor-se a conclusão de que, mais do que uma opção estilística, foram motivações de outra ordem que presidiram a esta substituição sistemática. Isso mesmo

132 Como já fiz notar, a tipologia do Cod. 3234 (BNL), onde constam as peças Prodigus (pp. 16-126) e Vita

Humana (pp. 127-269) é idêntica à do Cod. CXIV/1-9 (BPE), onde constam a tragédia Sedecias (pp. 9-154) e a

tragicomédia Iosephus (pp. 157-320). O códice de Lisboa abriria a série, já que inclui o prefácio ―Ad beneuolum eruditumque lectorem. Praefatio in sequentes actiones‖, que ficaria inédito. Para completar a série, faltaria um outro códice com o texto da tragicomédia Manasses e da écloga Polychronius. Sobre estas questões, cf.Manuel Barbosa, ―Luís da Cruz e a poética teatral...‖ cit., p. 376. Para uma descrição mais completa deste códice, cf. José António Salvador Marques, op. cit., pp. 11-14.

133 Citaremos o texto da comédia Vita Humana, indicando os actos em romano e as cenas em árabe.

Actos e cenas remetem para a edição de Lyon, acima referida; o número dos versos, para a edição provisória do texto, por nós preparada.

explicará igualmente a supressão e a substituição em C, respectivamente, de dois versos de L, como se pode ver:

―Sursum aut deorsum. Ludus hic nugae merae‖ (suprimido após v. 1713). Vt arte praelieris histrionica] Vngues deorsum uel sursum leua L (v. 1766). Outro caso intrigante é a supressão da última cena do acto III, onde o irascível Orgestes surge sozinho em cena empunhando uma espingarda, invenção bem recente que, a seu ver, servia às mil maravilhas os seus propósitos vingativos. Esta cena já integrava a versão primitiva do texto e estendia-se aí por vinte e seis versos. Luís da Cruz refundiu-a, ampliando-a para trinta e seis versos. A sua supressão pura e simples não se compreende muito bem, na medida em que ela se integra perfeitamente na economia dramática, caracterizando com verosimilhança uma fase intermédia da evolução em cena da personagem representante da ira.134

5.3 – A fixação do texto

No tocante à fixação do texto, dado que entre texto definitivo e texto primitivo há uma substancial diferença, traduzida não apenas em inúmeras reformulações de que se eximem poucos versos, mas também em vários acrescentos, a que já nos referimos, optámos pela reprodução, também na íntegra, do texto primitivo, em alternativa a um fastidioso aparato crítico ao texto definitivo. O aparato deste, portanto, apenas tem em conta, basicamente, os testemunhos C e L. Para melhor possibilitar a comparação entre o texto principal e o texto primitivo, colocado no ―Appendix‖, surge no aparato crítico um tipo de remissões elucidativas a tal respeito, indicando, para determinado bloco de versos, a porção que lhe corresponde em A, ou que aí surge omissa. Estas omissões no texto primitivo correspondem, obviamente, aos acrescentos textuais feitos pelo dramaturgo e já acima caracterizados sumariamente.

O texto definitivo, por definição, deveria ser o que reflectisse a última vontade do autor. O que aqui surge fixado pode bem não ser, garantidamente, a expressão dessa última vontade, sempre difícil de determinar, aliás. Ele representa uma solução de compromisso entre C e L. O texto de L foi um precioso auxiliar para corrigir as gralhas do texto impresso de Lyon, bem como algumas variantes por nós tidas como erróneas. Privilegiámos em princípio C nos casos de versos reformulados. O mesmo se diga das

já referidas expressões relativas à técnica dos combates de esgrima (―ungues deorsum‖, ―ungues sursum‖). No caso de variantes equipolentes relativas a palavras isoladas, apenas o critério da métrica nos fez pender para L. Quanto a versos de L omitidos em C, respeitámos em princípio tais omissões, excepto quando, numa análise caso a caso, concluímos pela irregularidade de determinada omissão, como neste caso em que se vê claramente que o verso sublinhado goza de uma lógica indissolúvel com o seguinte:

Me cariorem malo habere neminem. Me nemo gazae fecit heredem suae;

134 Sobre a supressão desta cena no texto de Lyon, cf. Manuel Barbosa, ―Vicissitudes textuais do teatro

jesuítico. A cena inédita da espingarda na Vita Humana de Luís da Cruz‖ in Presença de Victor Jabouille, org. António Ventura, Faculdade de Letras de Lisboa, 2003, 357-369.

Ita neminem testatus heredem uolo. – vv. 1167-1169).135

Contudo, este privilégio concedido a C na expressão da última vontade do autor foi contrariado com a inclusão da última cena do acto III, a cena da espingarda. Pelo empenho que o dramaturgo demonstrou na sua reformulação a partir do texto primitivo e pela sua perfeita integração na economia dramática, entendemos dever associar tal cena à expressão dessa última vontade, independentemente das circunstâncias que terão posteriormente ditado a sua supressão do texto de Lyon. Deste modo, resulta que estão incluídos no texto principal praticamente todos os versos de L, considerado por nós codex optimus, dado o seu carácter autógrafo. Daí o termos indicado, à direita do texto, a paginação desse códice. Os poucos versos completos de

L excluídos surgem no aparato crítico com a respectiva tradução entre parêntesis.

O texto primitivo do ―Appendix‖ é objecto de algumas anotações finais destinadas essencialmente a dar conta apenas de alterações nele introduzidas. Sendo um texto assente num único testemunho, ao contrário do definitivo, como já vimos, e que nem sempre oferece boas condições de leitura, a sua fixação implicou um acréscimo de atenção centrada não apenas no desenvolvimento de bastantes formas abreviadas, de que ―respublica‖ nas suas várias flexões é o exemplo mais notório, mas também na reconstituição de palavras com grafia defeituosa (por exemplo speram, cesatur, hun, etc., em vez de sperabam, cessatur, hunc) e na inclusão de abreviaturas de personagens no início de falas por identificar. Ainda assim, restaram alguns impasses, nem todos resolvidos a partir das conjecturas sugeridas pelo esforço da sua tradução. Para o desbloqueio de alguns destes impasses serviu algumas vezes a consulta ao texto definitivo, na secção correspondente, e quando não entrevíamos outra solução, valeu o expediente do recurso à conjectura, sempre temerário, é certo, mas também incontornável num caso destes. Mesmo assim, ainda tivemos de incluir nesta fixação do texto primitivo algumas

cruces desperationis, relativas aos poucos casos de resolução não satisfatória de impasses de

leitura. São as alterações resultantes deste trabalho de correcção conjectural que compõem essas anotações finais que, basicamente, apresentam as lições de A objecto de correcção conjectural. Excluímos dele aquelas alterações que derivaram do que considerámos meras gralhas, presumivelmente do copista,136 bem como as meras variantes gráficas.

5.4 - Critérios de edição

135 Trad.: ―Prefiro não ter ninguém de quem goste mais do que de mim próprio. / Ninguém me deixou

em testamento os seus haveres; /assim não declaro ninguém herdeiro dos meus.‖

136 Não são poucas estas gralhas, de que apresentamos a seguinte lista, com a formas corrigidas à

esquerda do parêntese recto: a) Simples gralhas: accersam] accercam; caementario] saementario; cognorit] cognerit;

commisisti] commististi; concipias] comcipias ; didicit] didiscit ; huiusce] huiuscae; melitensi] melitenti; obiurgatumque] obiulgatumque; optabamus] obtabamus; pistrino] pistrinio; promittenti] promitenti ; spectabo] espectabo ; spectate] spectactate ; supellex] supelles ; uiuido] uenido; b) Permutas de [e] com [i]: condidit] condedit; desilio] disilio; distinguo] destinguo; hypocrisim] hypocresim; inhiat] inheat; perdidit] perdedit; reficiemus] refeciemus; semel] simel; territi] terreti; umbilicum] umbelicum; c) permutas entre oclusivas velares ([k]/[g]) e as correspondentes labiovelares ([kw]/[gw]):

castigandus] castiguandus; dissecabitur] dissequabitur; distringam] distringuam; intelligo] intelliguo; squalere] scalere; transigo] transiguo; uulgo] uulguo. Acrescentem-se ainda as várias ocorrências de paurum que substituímos ora por paulum

Quanto à pontuação, embora considerássemos que seria de respeitar a que o autor deixou testemunhada, ou seja, a de L, no caso do texto definitivo, pois isso representaria preservar o código de leitura por ele concebido para o seu próprio texto, optámos, apesar disso, por uma nova pontuação, de acordo com a nossa leitura pessoal, espelhada na tradução. A razão principal foi a de que ainda não são claros os critérios que norteavam os humanistas num domínio onde eles próprios não testemunham uma uniformidade de procedimento.

No domínio da ortografia interviemos no sentido de normalizar práticas díspares nos diversos testemunhos, sendo de salientar:

– correcções de formas divergentes e erradas de auctor e suas cognatas, como autor e authoritas, bem como da confusão de conditio com condicio, de étimos e significados diferentes;

– normalização, em matéria de vocalismo, dos ditongos ae e oe e da vogal longa e, preferindo caecus, caelum, maestus, etc., e respetivos derivados, a coecus, coelum, moestus, etc., ou ceterus, fecundus, femina, offendo, fetidum, etc., a caeterus, foecundus, foemina, offaendo, faetidum, etc.; do uso errado de y em vez de i, em hybernus, hyems, inclytus, lachryma (ou lacryma),

ocyus, sydereus, sylua, por hibernus, hiems, inclitus, lacrima, ocius, sidereus, silua; ao invés, coryphaeus em vez de coriphaeus;

– normalização do melhor uso da aspirada h em palavras como carus, catena,

feretrum, erus, incohatus, istaecne, letum, scalas, sepulcrum, tiara, tus e umerus, e suas cognatas,

em vez de charus, cathena, pheretrum, herus, inchoatus, isthaecne, lethum, schalas, sepulchrum,

thiara, thus e humerus;

– em matéria de assimilação de consoantes, uniformização pelas grafias consideradas preferíveis, optando, por exemplo, por umquam, utrimque, quamuis,

quicumque, etc., em detrimento de unquam, utrinque, quanuis e quicunque;

– opção pelo uso da oclusiva epentética, preterindo formas como demsi, demtam,

peremtam e outras similares em favor de dempsi, demptam, peremptam, etc;

– normalização do uso de geminadas, preferindo litus, litoris, religio, etc., a littus,

littoris, relligio e, ao invés, bracchium a brachium;

– correcção do dígrafo -ci- seguido de vogal por -ti-, em palavras como nuncius,

concio, ociose e saciata, que passaram a nuntius, contio, otiose e satiata.

Na utilização das iniciais maiúsculas adoptámos uma solução de compromisso, seguindo umas vezes C, outras vezes L. As iniciais dos versos são sempre maiúsculas, como sucede já no texto manuscrito. Seguimos mais C na colocação de maiúscula após ponto final (.), de interrogação (?) e de exclamação (!). O mesmo se fez, com as várias designações de Deus (―Rector‖, Regnator‖, ―Vindex‖, etc.), transformando em regra a prática tendencial mais preponderante em C. ―Numen‖ é utilizado como nome próprio quando se refere à própria divindade e como nome comum quando designa um

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