5 MÉTODO
5.5 PERCURSO METODOLÓGICO
5.5.2 O trabalho de campo
O trabalho de campo teve início num processo de imersão virtual, onde e
quando foi possível ao pesquisador concentrar esforços para a compreensão da
cultura dos blogs. Ao dedicar-se a ter acesso a um sistema de códigos e padrões
partilhados por autores de blogs em relação às normas, crenças e valores
vinculados à prática de blogar (ato de escrever, editar, postar um artigo ou post), o
pesquisador pode envolver-se com a cultura dos blogs, iniciando-se a coleta e a
análise dos dados. Ao blogar sobre a perda de um filho, a mãe/autora registra a
história e as circunstâncias da perda, as emoções e os sentimentos vivenciados a
partir deste e os significados atribuídos à perda. É possível observar a interação
social virtual advinda da relação entre autores e usuários, por meio da ferramenta de
comentários.
Para fins de coleta de dados, foram utilizadas as seguintes fontes:
observação participante, diário de campo (APÊNDICE C), roteiro de entrevista
(APÊNDICE D), roteiro para análise do blog (APÊNDICE E).
A observação participante permitiu a familiarização com a cultura de um blog,
possibilitando conhecer a sistematização do processo de criação e manutenção dos
blogs selecionados. Os blogs são espaços virtuais hospedados em plataformas
especializadas esse formato online. Em páginas da web, o autor (blogueiro) registra
textos sobre assuntos que considera de interesse; neste caso, sobre a perda de um
filho, onde blogueiro adiciona a publicação mais recente (post), no topo da página.
Abaixo ou acima do post, podemos encontrar a data e a hora da publicação. A
apresentação dos conteúdos disponíveis nesta página gera uma cronologia de
postagens, sempre da mais recente para a mais antiga. Abaixo de cada postagem,
há a possibilidade de inserção de comentários dos conteúdos postados, que pode
ser realizada pelos usuários do blog e/ou pelo próprio autor. O conteúdo postado
nos comentários tem a possibilidade de ser moderado pelo autor, podendo ser por
ele excluído.
Os conteúdos postados nos blogs selecionados são narrativas pessoais,
imagens, fotografias, conversação, dentre outros recursos de imagem e escrita, que
serão detalhados nos resultados.
Os blogs funcionam como diários virtuais e permitem a interação com demais
usuários da rede com mesmos interesses do autor. Assim, ao pesquisar sobre a
expressão do luto em blogs temáticos, tem-se a possibilidade de, em um mesmo
ambiente virtual, compreender como o enlutado vivencia o luto, como se dá a
interação dos autores dos blogs com o mundo on e offline, e com usuários com
interesses em comum.
Em relação à estrutura dos blogs, há uma página inicial de apresentação, na
qual o blogueiro (autor do blog) apresenta informações gerais em relação à temática
e à motivação do blog. Nessa página, os primeiros conteúdos visualizados
configuram o cabeçalho, que identifica o foco principal do blog. A página principal é
personalizada com fotos, imagens e informações precisas sobre a temática, a
autoria e a motivação do blog. Observa-se, em segundo plano, a utilização de
imagens de fundo para ilustrar a página, produzidas a partir de imagens
correlacionadas ao tema do blog. O conteúdo postado cronologicamente fica
disponibilizado em ordem reversa ao centro da página, que, dependendo da
quantidade de posts realizados, pode gerar inúmeras páginas.
Nas barras centrais ou laterais da página principal, geralmente há menus
constando diferentes assuntos. Estes menus dão origem a seções diversas, tais
como a lista de datas e assuntos publicados anteriormente, posts mais visualizados,
e ferramentas do monitoramento estatístico que mede índices de popularização do
blog, audiências e interações sociais com usuários do ciberespaço.
A análise dos indicadores estatísticos das interações sociais e conexões
geradas pelos blogs permite a compreensão numérica, quantitativa da visibilidade do
mesmo. Os blogs pesquisados, em geral, apresentam as seguintes ferramentas de
monitorização estatística: o contador de visitas, a lista de usuários e blogs
seguidores e os selos virtuais.
Entende-se por contador de visitas, as ferramentas de monitoramento que
registram o número de visualizações da página. Seguidores são usuários e/ou blogs
que acompanham periodicamente as postagens de um determinado blog, recebendo
notificações a cada nova postagem. Já os selos virtuais são indicadores de interação
entre autores e blogs, que se referem à prática de presentear blogs entre si a fim de
fortalecer laços e estimular a divulgação dos mesmos. Em geral, são imagens
personalizadas e produzidas artisticamente, como um símbolo e uma identificação
do blog que presenteia. Ao ser presenteado com um selo virtual, frequentemente o
autor do blog divulga a informação, destacando o selo virtual e postando
agradecimento. Ao final da página principal, no rodapé, é comum encontrarmos
postagens com temas e assuntos em destaque e tags (palavra-chave ou termo
relevante associado a uma informação), dispositivo bastante utilizado na tecnologia
da informação de comunicação para a identificação e o rastreamento de conteúdos
afins.
O diário de campo permitiu o registro e as anotações dos dados observados
ao longo do processo de investigação, auxiliando a sistematização das experiências
ao longo da coleta e da análise dos dados. No diário de campo deste estudo, foram
registradas ideais desenvolvidas, frases isoladas, transcrições, mapas e esquemas,
referenciais teóricos, representando não apenas as observações realizadas, mas
também as impressões ou as conclusões ao longo da realização da pesquisa.
Destaca-se que a observação participante e os registros em diário de campo
ocorreram ao longo do processo de realização desta pesquisa, no período de
setembro de 2013 a março de 2015, configurando-se ao mesmo tempo como fonte
de coleta e análise dos dados.
A entrevista também foi utilizada com instrumento de coleta de dados nesta
pesquisa. Para Nunkoosing (2005), a entrevista é outra forma de gerar dados na
pesquisa qualitativa, pois permite ao participante mergulhar nas experiências
relacionadas à sua história de vida. As entrevistas são concebidas como um evento
de intercâmbio dialógico, denotando conversas guiadas e não necessariamente
investigações estruturadas (GODOI; MATTOS, 2006; YIN, 2005). As questões
norteadoras das entrevistas realizadas com as autoras dos blogs participantes
contemplaram conteúdos relacionados à história da perda do filho, à motivação e à
opção por criar um blog sobre o tema, às interações sociais geradas pelas
atividades realizadas no blog e ao significado da experiência de editar um blog
temático sobre a perda de um filho. As entrevistas foram realizadas no período de
fevereiro a julho de 2014, em ambiente online, por meio de ferramenta
comunicacional sincrônica na rede social Facebook (chat), mediante aceite e acordo
prévio realizado por e-mail ou ferramenta comunicacional sincrônica da referida rede
social. Ferramenta é conhecida no Brasil como conversação ou bate-papo.
Ao término da coleta de dados foi enviado às mães participantes da pesquisa,
carta de agradecimento à colaboração, via contato online (APÊNDICE F).
Para fins de coleta de dados referentes aos blogs, foi elaborado um formulário
de análise dos blogs, contendo questões norteadoras em relação à história da
perda, às interações sociais virtuais e ao significado da experiência de criar e manter
um blog temático sobre a perda de um filho; roteiro este produzido a partir da
pesquisa de campo online e da observação participante, à luz dos referenciais
teóricos especializados no assunto.
A análise dos dados ocorreu a partir da análise temática indutiva, que
consiste em um método para identificar, analisar e relatar padrões em dados
(BRAUN; CLARKE, 2006), sendo uma abordagem bastante útil na compreensão dos
significados explícitos e implícitos associados a dados textuais (GUEST;
MACQUEEN; NAMEY, 2012). O conceito de tema corresponde à identificação de um
determinado nível de padronização dos dados em relação às questões de
investigação colocadas e aos propósitos do estudo (BOYATZIS, 1998; BRAUN;
CLARKE, 2006; CLARKE; BRAUN, 2013; JOFFE; YARDLEY, 2004). Assim, os
padrões, denominados núcleos temáticos, são partes significativas do conjunto de
dados, relacionando-se intimamente com a questão norteadora da pesquisa
(BRAUN; CLARKE, 2006; CLARKE; BRAUN, 2013).
O processo de análise temática é desenvolvido segundo princípios que
conferem carater e rigor científico ao método, segundo as seguintes fases:
familiarização com os dados, geração de códigos iniciais, busca por temas/tópicos,
revisão dos temas/tópicos identificados, elaboração/produção do relatório final
(BRAUN; CLARKE, 2006; CLARKE; BRAUN, 2013; PEDRO, 2013).
A transcrição, a leitura e a releitura do material coletado a partir da
observação sistemática, dos registros de diário de campo, das entrevistas, do
formulário de análise dos blogs e das anotações de ideiais gerais propiciaram o
processo de familiarização com os dados. Nessa etapa, houve o cuidado de buscar
repetidamente estruturas e significados a partir de anotações gerais, como o
advento da morte de um filho, as cirscunstâncias da morte e história da perda; o
impacto profundo da vida e no cotidiano da mãe e da família; o processo de luto,
com manifestações de emoções, sentimentos e reações diversas, individuais e
singulares; a busca de um espaço de legitimação do luto; busca de sentido e
significados para a perda; a descoberta do ciberespaço como um lócus para a
expressão e o compartilhamento do luto; o encontro dos blogs temáticos sobre a
perda de um filho, a opção por criar e manter um espaço para expressar e
compartilhar o luto e trocar experiências; a possibilidade de interação/interatividade
com pessoas enlutadas; a possibilidade de dar e receber apoio/suporte para a dor e
o sofrimento frente à perda de um filho a partir do blog; o blog enquanto estratégia
mediadora de retomada e restauração da vida apesar da perda.
A organização das informações em grupos com o mesmo significado
constitui-se na fase de geração dos códigos iniciais, entendidos como o elemento
bruto mais básico e comum que possa ser considerado significativo em relação ao
tema estudado (BOYATZIS, 1998). Em seguida, deu-se início da busca por
temas/tópicos. Nessa etapa, o pesquisador “capturou” as informações importantes
sobre a questão de pesquisa, que representa um significado. O pesquisador buscou
agrupar códigos em unidades de sentido genéricos, tais como: a morte do filho; o
processo de luto; a busca por apoio/suporte; a busca por sentido e significado na
perda; a descoberta dos blogs temáticos no ciberespaço; a criação dos blogs; a
manutenção dos blogs (APÊNDICE G).
Após o agrupamento de códigos em unidades de sentido, foi necessário
retornar aos dados para um processo de checagem e validação das unidades de
sentido em relação aos códigos e aos dados como um todo. A partir de uma releitura
do material coletado, e na busca da identificação de um determinado nível de
padronicação dos dados em relação às questões de investigação e propósito da
pesquisa, houve a revisão dos temas/tópicos identificados. Foi um momento de
delimitação de temas, com recodificação e descoberta de novos tópicos.
Em uma etapa seguinte à delimitação dos temas, estes foram recodificados,
definidos, nomeado e descritos. Nessa fase, buscou-se o refinamento dos dados,
definindo claramente os núcleos temáticos e nomeando-os com títulos. O objetivo
foi o de concluir a construção dos “núcleos temáticos” de significado, pois cada
núcleo temático captura dados em relação ao objetivo e as questões da pesquisa,
além de representar padrões, relação ou sentido dos dados como um todo.
Numa etapa final de elaboração e produção de um relatório final, o
pesquisador desenvolve a construção de uma narrativa apoiada pelos argumentos
que derivam da compreensão e da interpretação das informações coletadas. Os
substratos de dados que dão origem às unidades de sentido e aos núcleos
temáticos foram relacionados com os achados da literatura.
As unidades temáticas constituídas a partir da busca e do agrupamento de
códigos em unidades de sentido genéricos, à luz dos achados da literatura, foram:
“Entrando em contato com a perda”, “Enfrentando o luto”, “Significando na perda”,
“Criação do blog”, “Cultura do blog”; “Interação on/offline”; “Luto e Ocupação
Humana”. Unidades temáticas estas que serão, ao longo deste estudo, detalhadas e
sistematizadas, numa dimensão qualitativa dos dados.
O diagrama temático proposto para a compreensão da experiência das mães
enlutadas, ao criar e manter um blog após a perda de um filho está representado na
figura 2, enquanto o quadro 1 apresenta os componentes teóricos e respectivos
temas conceituais.
Figura 2 -
Diagrama - Unidades temáticas
Fonte: Adaptado de Stroebe e Schult (1999; 2010); Stroebe, Schut e Stroebe (2007); Neimeyer (2001; 2002); Gillies, Neimeyer e Milman (2014); Castells (1999); Lèvy (1999); Hoppes (2005); American Occupational Therapy Association (2014; 2015).
Quadro 1 -
Referenciais conceituais para a compreensão do tema: Ocupar-se
de blogar – uma estratégia de enfrentamento do luto e restauração
da vida de mães após a perda de um filho.
Eixos Conceituais Componentes Conceituais Temas Conceituais
Luto
Modelo do Processo Dual
Stroebe e Schult (1999; 2010); Stroebe, Schut e Stroebe (2007).
Processo de Enfrentamento da Perda. Oscilação entre a perda/restauração Construção do significado
Neimeyer (2001; 2002);
Gillies, Neimeyer e Milman (2014)
Atribuição de sentido/significado mediante a perda
Cibercultura Sociedade em Rede Ciberespaço
Castells (1999); Lèvy (1999) Cultura online Virtualidade/visibilidade Interação social/interatividade Ocupação Humana Desempenho Ocupacional
American Occupational Therapy Association (2014; 2015).
Atividades de vida diária
Atividades instrumentais de vida diária Descanso e Sono Educação, Trabalho Brincar, Lazer Participação Social Tipos de Ocupações Hoppes (2005) Manutenção Ocupacional Dissolução Ocupacional Ambivalência Ocupacional Restauração Ocupacional
Fonte: Elaborado pela autora (2015).