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PRESSUPOSTOS TEÓRICOS – A ETNOGRAFIA VIRTUAL

5 MÉTODO

5.2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS – A ETNOGRAFIA VIRTUAL

O presente estudo é uma pesquisa com enfoque qualitativo apoiado no

método etnográfico, especialmente na Etnografia Virtual, com a finalidade de

descrever o comportamento cultural de grupos formados por mães enlutadas ao

expressaram o luto em weblogs temáticos.

Para Guimarães Júnior (1999), essa nova forma de expressão, por meio de

práticas comunicativas, caracteriza a interação social em comunidades

estabelecidas online:

À medida que a sociedade passa a considerar o ciberespaço como um espaço de emergência de novas formas de socialização, com o aparecimento de agregações via internet, os pesquisadores estão sendo

obrigados a refletir sobre questões de natureza epistemológica e metodológica em torno da constituição de objetos etnográficos no interior do ciberespaço (GUIMARÃES JÚNIOR, 1999).

A etnografia é um método de investigação oriundo da antropologia. Trata-se

de um método que reúne técnicas para instrumentalizar o pesquisador no trabalho

de observação a partir da inserção em comunidades para pesquisa, onde este

mesmo pesquisador entra em contato intra subjetivo com o objeto de estudo. A

etnografia é uma descrição densa da realidade observada, caracterizando-a como

aquela que não apenas descreve os acontecimentos. Mas os situa culturalmente,

permitindo a sua interpretação (GEERTZ, 2001).

Segundo Christine Hine (2004), a etnografia virtual, em sua forma básica,

consiste em que o pesquisador adentre no mundo que estuda, por tempo

determinado, e leve em consideração as relações que se formam entre quem

participa dos processos sociais deste recorte de mundo, com objetivo de dar sentido

às pessoas, quer esse sentido seja por suposição ou pela maneira implícita em que

as próprias pessoas dão sentido às suas vidas.

A etnografia oportuniza o conhecimento de como as pessoas interpretam o

mundo que as cerca e como organizam as suas vidas no mundo. A etnografia se

dedica à produção de uma compreensão autêntica da cultura, baseada em conceitos

específicos do estudo e que não são impostos pelo investigador (HINE, 2004).

Para Clifford (1998), a experiência etnográfica pode ser considerada como

uma construção de um mundo de significados, os quais se formam a partir de

sentimentos, percepções e inferências. Para a produção de sentidos, se faz uso de

pistas, como traços e gestos. O etnógrafo sempre leva em consideração textos, os

quais vão ser interpretados e vão produzir sentidos. Tais textos se tornam

evidências das características de determinada realidade cultural. Para este mesmo

autor, os discursos etnográficos não são, em nenhum momento, falas de

personagens inventados; os informantes são indivíduos específicos, reais e com

nomes próprios.

O ciberespaço tem sido considerado, pelos autores especializados no assunto

(AGUIAR, 2007; HINE, 2005; KOZINETS, 2002), como um meio rico para a

comunicação, tendo em vista o aumento do número de usuários.

Consequentemente, ciberespaço é tomado como um lugar privilegiado para a

pesquisa nas áreas humanas. Para Hine (2005), deve-se pensar a etnografia como

uma técnica que deve dar conta de uma performance de comunidade, enquanto

contexto cultural. Hine (2005) tece as seguintes considerações:

Nós podemos sugerir, então, que uma troca metodológica, a requisição do contexto on-line como um site de campo etnográfico foi crucial no estabelecimento do status das comunicações de Internet como cultura. Enquanto experimentos psicológicos demonstraram sua opacidade, métodos etnográficos foram capazes de demonstrar sua riqueza cultural. É possível ir mais longe e sugerir que nosso conhecimento da Internet como um contexto cultural está intrinsecamente ligado com a aplicação da etnografia. O método e o fenômeno definem o outro em um relacionamento de mútua dependência. O contexto on-line é definido como um contexto cultural pela demonstração de que a etnografia pode ser aplicada a ele. Se nós podemos estar confiantes de que a etnografia pode ser aplicada com sucesso em contextos on-line então nós podemos ficar seguros de que estes são, realmente, contextos culturais, uma vez que a etnografia é um método para entender a cultura (HINE, 2005, p. 8).

Na etnografia virtual, a construção do campo se dá a partir da reflexividade e

da subjetividade (HINE, 2004). Segundo a autora, a etnografia virtual se dá no e por

meio online e nunca está desvinculada do offline, acontecendo por meio da imersão

e do engajamento intermitente do pesquisador com o próprio meio.

Nesse contexto, Hine (2004) propõe que a Internet, enquanto objeto de

estudo, tende a ser compreendida conceitualmente sob dois modelos de abordagem

teórica: enquanto cultura e enquanto artefato cultural (AMARAL, 2010).

A perspectiva da internet enquanto cultura é compreendida como um espaço

distinto do offline, no qual o estudo enfoca o contexto cultural dos fenômenos que

ocorrem nas comunidades e/ou mundos virtuais. Essa abordagem leva em

consideração funções e formações sociais, além de tipos de organizações, tais

como os conflitos, as cooperações, o fortalecimento das comunidades virtuais como

uma entre os diferentes tipos de narrativas possibilitadas pelas redes digitais. A

perspectiva da internet como artefato cultural observa a inserção da tecnologia na

vida cotidiana. Assim, favorece a percepção da rede como um elemento da cultura e

não como uma entidade à parte, em uma perspectiva que se diferencia da anterior,

entre outras questões, pela integração dos âmbitos online e offline. A ideia de

artefato cultural compreende que existem diferentes significados culturais em

diferentes contextos de uso. O objeto da internet não é único, mas sim multifacetado

e passível de apropriações (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011; HINE, 2004).

A noção de artefato cultural é oriunda da antropologia e dos estudos sobre as

comunidades. Assim, “um artefato cultural pode ser definido como um repositório

vivo de significados compartilhados que são produzidos por uma comunidade de

ideias” (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011; HINE, 2004). É um símbolo

comunitário de pertencimento e possessão (no sentido não violento). Um artefato

cultural se torna infinitamente mutável e gera muitas auto referências que são

mutuamente definidas, muito mais do que gera uma narrativa linear central. Por

estar além do alcance da lei, o artefato cultural torna-se um signo para a ordem

simbólica dentro da comunidade; ele carrega uma autoridade ilegítima, que não é

sancionada por sistemas legais ou pelo Estado, mas pelas práticas vivenciadas

pelas pessoas que as criam (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011; SHAH, 2005).

No que diz respeito aos métodos para a realização de uma pesquisa

etnográfica, Crang e Cook (2007) afirmaram que a pesquisa etnográfica acontece a

partir de uma sequência bastante clara e definida. Inicialmente, há a preparação

para o trabalho de campo, com a definição do tema e dos objetivos da pesquisa,

assim como os elementos de análise. A seguir, ocorre a imersão do pesquisador no

campo, onde e quando ocorre a observação participante, além do registro de diário

de campo, entrevistas, entre outras fontes de coleta de dados, seguida pela

construção das informações, na análise dos dados.

O processo de construção da etnografia consiste em saber ver, saber estar

com e saber escrever. Os atos descritivos incluem uma série de protocolos a serem

devidamente organizados; recomendando-se alguns cuidados (WINKIN, 1998).

Na etnografia virtual, os passos e as etapas para a realização da pesquisa

ocorrem de maneira semelhante (KOZINETS, 2007; WINKIN, 1998), com algumas

adaptações, a saber: entrada ou “ingresso”, trabalho de campo, confiabilidade nas

interpretações, ética de pesquisa, checagem dos participantes.

Segundo Kozinets (2002), na pesquisa etnográfica em ambiente virtual, a

análise de dados começa frequentemente e concomitantemente com o levantamento

de dados, devendo o pesquisador contextualizar os dados online, que provam ser

frequentemente os mais desafiadores para ele.

Nesse sentido, a observação participante permite que o pesquisador observe

o fenômeno de maneira mais próxima a que os sujeitos o vêm, indo além da

observação pura e simples. Assim, o participa do meio que é observado e lança seu

olhar sobre o olhar do outro. Na pesquisa participante, é possível o desenvolvimento

de uma cumplicidade entre pesquisador e pesquisado, numa compreensão mútua, a

partir do envolvimento do pesquisador com o grupo estudado, ao desenvolver uma

rede de relacionamentos e envolvimentos emocionais (GEERTZ, 2001). A

observação encoraja o pesquisador a mergulhar nas atividades do dia a dia do

contexto que se busca entender, desenvolvendo relacionamentos com as pessoas

que poderão “demonstrar” e “falar” sobre suas experiências relacionadas ao objeto

da pesquisa (CRANG; COOK, 2007; MAY, 2004).

Nesta etapa, é essencial manter um diário de campo com as anotações. Por

calcar-se na observação participante, o método etnográfico dá especial atenção à

utilização do chamado “diário de campo”, onde serão anotadas todas as impressões

do pesquisador sobre o cotidiano dos pesquisados. Independentemente do suporte

(caderno, folhas avulsas, computador, gravadores), essas anotações são

fundamentais para o momento final da produção da etnografia.

Para os registros/diários de campo realizados dos estudos etnográficos, são

adotadas indicações temáticas apresentadas por Crang e Cook (2007) e Stringer

(2007), tais como: espaço e tempo; pessoas; objetos e artefatos; atos; debates

ideias – além da participação e das reflexões do pesquisador. Para Winkin (1998),

um diário de campo tem as seguintes funções: emotiva, empírica e reflexiva e

analítica. No caso da etnografia feita nos meios digitais, aumenta-se a possibilidade

do uso de ferramentas como um blog não apenas como objeto de pesquisa, mas

como o próprio diário de campo e ferramenta de coleta de dados a partir do

feedback com os participantes e da interatividade que lhe são característicos

(AMARAL; RECUERO; MONTARDO, 2009; WARD, 2006).

Apenas localizar geograficamente, virtualmente, o estudo não nos revela

muito a respeito das pessoas; é preciso conhecer de onde elas vêm, para onde

estão indo e em que momento de suas histórias de vida ocorre este encontro com a

pesquisa. Assim, é possível compreender seus pensamentos, sentimentos,

memórias e formas de enfrentar as diferentes situações. Nesse sentido, conhecer os

locais significativos para a construção da história destes indivíduos e,

consequentemente, os sentimentos e lembranças que evocam, faz parte do

processo coerente de compreensão do fenômeno como um todo (CRANG; COOK,

2007).