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3. Modelação da Ventilação em Edifícios de Habitação

3.1. Mecanismos da ventilação natural

3.1.2. O vento

O vento dá origem a um escoamento de ar à volta de um edifício que gera na envolvente pressões estáticas superiores ou inferiores à pressão atmosférica. As primeiras ocorrem sobretudo nas zonas da envolvente expostas directamente à incidência do vento (barlavento), enquanto que as últimas predominam nas zonas da envolvente do lado oposto ao da direcção do vento (sotavento). Nas coberturas, as pressões e depressões dependem da inclinação das águas. Assim, por acção do vento, resultam distribuições de pressão dos tipos que se ilustra na Figura 3.3.

Figura 3.3- Distribuições de pressão resultante da acção do vento (adaptado de [3.6]).

Deve notar-se que a velocidade do vento incidente é normalmente de caracterização difícil. Por um lado, tratando-se de um escoamento fortemente turbulento, ela varia continuamente (em situações correntes usa-se a velocidade média). Por outro lado, os efeitos da Camada Limite Atmosférica (CLA) que, com a aproximação ao solo, faz reduzir a velocidade do ar desde a zona não perturbada do escoamento até valores quase nulos junto ao solo e ainda particularidades geométricas dos edifícios e dos obstáculos vizinhos (outros edifícios, orografia, local, vegetação, etc.) tornam a caracterização e previsão da velocidade do vento

incidente num dado ponto da envolvente um dos aspectos de mais difícil estudo no domínio da ventilação natural.

Caracterizações particulares de um edifício são possíveis mediante estudos experimentais em túnel de vento com modelos em escala reduzida. Nestes, é possível medir os denominados coeficientes de pressão, Cp, que, para cada ponto da envolvente, permitem o cálculo da pressão local (pv), em função da pressão dinâmica do escoamento não perturbado. pv = Cp 2 1 ρeUref2 (3.7) com: Cp = 2 ref i 2 1 U p p e ρ − (3.8) em que:

- Cp: coeficientede pressão no local i [-];

- pi: pressão estática local [Pa];

- p: pressão estática de referência, pressão atmosférica [Pa];

- Uref : velocidade média do vento não perturbada pelo edifício a uma altura de referência, normalmente referida à cota da cobertura [m/s].

Os coeficientes de pressão variam com a incidência (direcção + orientação) do vento, a topografia, a rugosidade do terreno e os obstáculos vizinhos. Só é possível obter coeficientes de pressão para velocidades do vento superiores a 3-4 m/s [3.7]. A sua obtenção é dispendiosa, recorrendo-se normalmente a ensaios em túnel de vento ou modelos numéricos do tipo CFD [3.8] (ver §3.4.5), só se justificando em edifícios muito especiais ou em investigação [3.9], [3.10], [3.11]. Para os casos correntes, os coeficientes

de pressão poderão ser retirados de bibliografia especializada [3.4] ou das disposições regulamentares relativas a acções para estruturas de edifícios (RSA: DL 253/83, de 31 de Maio [3.12]).

O tipo de bibliografia anterior fornece-nos um valor único do coeficiente de pressão para a superfície total de uma fachada (ou cobertura). No entanto, para efeitos de estudos de ventilação é conveniente conhecer os valores para um local exacto, janela, grelha de entrada de ar, etc.. Assim, desenvolveu-se um modelo paramétrico resultante de estudos de túnel de vento [3.13] (Cpcalc+: disponível em http://groups.yahoo.com/group/comis/files) que permite calcular o coeficiente de pressão para um local pré-definido da envolvente e para qualquer direcção do vento. No entanto, o modelo tem restrições de aplicação derivadas dos limites de variação dos parâmetros utilizados. O modelo não pode ser aplicado quando [3.14]:

- o edifício está instalado em terreno com elevada rugosidade (não aplicável em centros urbanos) e/ou alta densidade de construção na imediação do edifício;

- os edifícios contíguos têm padrão disperso ou irregular;

- o edifício tem uma altura superior a 4 vezes os edifícios contíguos ou metade da altura dos edifícios contíguos;

- o edifício tem forma irregular;

- o edifício tem um rácio entre o comprimento e a altura menor que 0,5 ou maior que 4.

O modelo de previsão Cpgenerator (disponível em http://cpgen.bouw.tno.nl) tenta ultrapassar as limitações do modelo anterior. Aplica-se a toda a gama de rugosidades do terreno e não tem restrições relativamente às dimensões do edifício analisado ou dos edifícios vizinhos. Partindo de uma forma acessível de introduzir as dimensões/orientação do edifício e obstruções vizinhas, este permite o cálculo automático dos coeficientes de pressão em fachadas e coberturas de edifícios com forma paralelepipédica [3.15].

Estudos obtidos por túnel de vento e simulação numérica [3.16], [3.17], demonstraram que os coeficientes de pressão obtidos para objectos sólidos (estudos mais correntes) são

diferentes dos coeficientes obtidos para os mesmos objectos, mas providos de aberturas (objectos porosos). Mais especificamente, demonstraram que os coeficientes de pressão são dependentes do tamanho e localização da abertura.

O registo da variação do vento em função do tempo mostra que o vento é um fenómeno físico muito irregular. Este comportamento aleatório é designado por turbulência. Nas camadas inferiores da atmosfera, a turbulência é gerada por qualquer obstáculo do terreno, bem como pela instabilidade térmica do escoamento (só para velocidades baixas). A turbulência decresce com o aumento da altura [3.18].

A influência da turbulência nas renovações horárias ainda é um assunto muito pouco estudado [3.19]. A subestimação das renovações horárias, devida à não consideração da turbulência do vento, é da ordem dos 10 a 20% [3.20]. No entanto, em estudo recente, demonstrou-se que a turbulência, em situações correntes, não influencia os caudais médios de ventilação natural [3.1]. Acresce também que flutuações com frequência superior a 1 Hz não induzem caudais de infiltração [3.1].

Para o cálculo da velocidade média do vento em situações de ventilação natural, torna-se conveniente tomar esta como a média das velocidades obtidas em registos com durações compreendidas entre 10 minutos a uma hora [3.11].

A camada limite atmosférica

A camada limite atmosférica desenvolve-se desde o solo (velocidade horizontal nula) até uma altura em que se deixam de sentir os efeitos dos obstáculos existentes neste, variando progressivamente entre os dois pontos. A espessura da camada limite, δ, varia entre os 250 m e os 600 m, dependendo da natureza da superfície onde se desenvolve o escoamento [3.21].

A experimentação sobre escoamentos de camada limite, quer na atmosfera quer no ambiente controlado dos túneis de vento, permitiu obter uma descrição matemática simplificada do perfil de velocidades sob a forma de uma lei de potência [3.11].

z U = Uref α       ref z z (3.9) em que:

- Uz: velocidade média à cota z [m/s];

- Uref: velocidade média de referência medida à cota zref[m/s];

- α: expoente que caracteriza a rugosidade do terreno [-].

Na Figura 3.4 apresentam-se, esquematicamente, os perfis de velocidade do tipo potência, para três tipos diferentes de rugosidade do terreno.

Figura 3.4- Influência da rugosidade do terreno nos perfis do tipo potência da velocidade do vento [3.11].

A velocidade gradiente representada na figura anterior é gerada pelas diferenças de pressão, resultado directo dos diferenciais de aquecimento solar sobre o globo [3.1].

No Quadro 3.1 apresentam-se os valores da espessura da camada limite e o expoente do perfil do tipo potência.

Quadro 3.1- Valores da espessura da camada limite e expoente do perfil do tipo potência (adaptado de [3.11]).

Tipo de superfície Espessura da camada limite δ [m]

Expoente do perfil α [-]

Oceano 250 0,12

Zona rural com vegetação rasteira 300 0,16

Zona Suburbana, floresta 400 0,28

Zona com edifícios de grande porte 500 0,40

Historicamente, o perfil do tipo potência foi o primeiro a ser utilizado para representar a variação de velocidades médias em terrenos homogéneos, dada a simplicidade que lhe está inerente (é uma lei empírica [3.7]). No entanto, esta lei de variação apresenta algumas desvantagens, sendo a principal o facto de este tipo de perfil se ajustar bem na zona exterior da CLA, mas não na zona superficial, que corresponde à zona junto aos edifícios, constituindo este desajuste a principal desvantagem do perfil do tipo de potência face ao logarítmico.

A variação em altura da velocidade média do vento junto à superfície (20Z0 ≤ z ≤ 0,1δ [3.11], [3.22]) pode ser descrita pela seguinte lei logarítmica [3.11]:

z U = Uref             0 0 Z z Z z ref ln ln (3.10) em que:

- Uz: velocidade média à cota z [m/s];

- Z0: escala de rugosidade [cm]3.

Os valores da escala de rugosidade, Z0, resumem-se no Quadro 3.2.

3

Quadro 3.2- Valores da escala de rugosidade, Z0, referentes a diferentes tipos de terreno

[3.11].

Tipo de terreno Z0

[cm]

Areia 0,01 - 0,1

Superfície coberta com neve 0,1 - 0,6

Relva aparada (≈ 0,01 m) 0,1 - 1

Vegetação rasteira, estepe 1 - 4

Terreno de pousio, não cultivado 2 - 3

Vegetação alta 4 - 10

Palmeiras 10 - 30

Pinheiros 90 - 100

Subúrbios com baixa densidade de edifícios ( com d = 0 m) 20 - 40 Subúrbios com alta densidade de edifícios; cidades (com d = 0 m) 80 - 120 Centros das grandes cidades (com d = 0 m) 200 - 300

No quadro anterior, o parâmetro d pretende representar o deslocamento do plano de referência em zonas com grande densidade urbana. Sendo assim, nestas zonas, o plano de origem será z = zsolo – d, com d igual a aproximadamente 70% da altura média dos edifícios (d ≈ 0,70hmédia) [3.1]. Abaixo de d, face à dificuldade de caracterização da velocidade do vento, pode considerar-se esta como constante [3.21].

Quando não existe possibilidade de obter a velocidade do vento num determinado local, é conveniente recorrer a valores registados em estações meteorológicas, obtidos fora da zona em estudo, Figura 3.5.

Figura 3.5- Transposição da velocidade obtida em estações meteorológicas para o local em estudo (adaptado de [3.23]).

Há, portanto, que transferir os valores registados para o local em estudo, através da equação [3.24]: l U = Uref ref 1 ref ref 1 1 α α

δ

δ

            z z (3.11)

onde os índices ref e 1 se referem, respectivamente, às características do local da estação meteorológica e às do local em estudo (pode-se utilizar o mesmo raciocínio para a lei logarítmica [3.18]).

A equação (3.11) pode ser aplicada quando o terreno é aproximadamente plano (não é o caso da transposição entre um local rural e uma zona urbana), sem colinas ou montanhas entre os dois locais, e quando o local onde se pretende obter a velocidade não é muito longe do local da estação meteorológica, caso contrário, devem ser aplicados outros métodos [3.23].

Como não se dispõe até ao momento de nenhum modelo para a direcção do vento, assume- se, normalmente, que a direcção do vento é a mesma que a da estação meteorológica (hipótese mais verosímil para terreno plano), sendo esta considerada horizontal para velocidades superiores a 3-4 m/s (sem influência térmica) [3.7].

Para velocidades do vento baixas (< 4 m/s), a velocidade no interior de um canyon (altura edifícios / largura rua < 0,7) não se relaciona com aquela, sendo influenciada pela acção térmica, neste caso, já existem modelos para prever a velocidade no interior da malha urbana [3.25].

A escolha da velocidade de referência deverá ser feita de acordo com a variação sazonal própria da zona e, se possível, tendo em conta a probabilidade de ocorrência, obtida a partir de uma análise estatística dos valores registados [3.1], [3.21]. Para efeitos de ventilação natural, pode considerar-se a velocidade média do vento que é excedida em 50% do tempo [3.26].