• Nenhum resultado encontrado

3 QUESTIONANDO OS IDEAIS BASILARES DO JORNALISMO

3.2 OBJETIVIDADE NO BRASIL: QUESTÕES TÉCNICAS

Ana Paula Goulart Ribeiro (2002) mostrou que a imprensa brasileira se transformou em seus aspectos técnicos e profissionais, na década de 1960, começando a incorporar o modelo norte-americano a partir de um novo padrão discursivo, o qual, aos poucos, foi tendo mais autonomia do universo literário e político, uma vez que essas esferas escreviam bastante para os jornais. Desse modo, o ideal da objetividade foi sendo construído através de formatos técnicos de redação, a exemplo do lead. “As novas regras se impuseram aos chamados gêneros informativos (notas, notícias e reportagens) e passaram a marcá-los pela impessoalidade, pelo distanciamento enunciativo em relação ao universo de referência” (RIBEIRO, 2002, p. 1-2).

A origem do jornalismo informativo nos Estados Unidos se deu, já no século XIX, a partir da popularização dos jornais com a chamada yellow press, fenômeno marcado por narrativas sensacionalistas. Entretanto, para Ribeiro (2002, p. 7), somente entre as décadas de 20 e 30 do século passado, a objetividade se tornou o conceito profissional mais importante do jornalismo daquele país.

Neste momento, os jornais se tornam grandes empresas de mídia e incorporam a publicidade, possibilitando um barateamento no preço do periódico.

Tais jornais têm o I Congresso Pan-americano de Jornalismo, na cidade de Washington (EUA), em 1926, como o início da profissionalização fundamentada na objetividade. Nessa ocasião, sugiram critérios para a criação da Sociedade Interamericana de Imprensa que mediava a relação de países latino-americanos com os Estados Unidos. “Participaram 14 representantes brasileiros, entre eles, Gilberto Freire (representando o Diário de Pernambuco), Edgard Leuenroth (que foi por conta própria), Nestor Rangel Pestana (pelo Estado de S.Paulo)” (RIBEIRO, 2002, p. 7).

Sobre a questão da influência norte-americana, Ribeiro (2002) aponta que, nesse congresso, profissionais da imprensa dos Estados Unidos procuraram mostrar o jeito de se fazer um jornalismo considerado bom. “Recomendavam aos redatores o cuidado de não exprimir nos textos a sua opinião pessoal, de não comentar a notícia. A proposta era o uso de uma linguagem absolutamente transparente, por trás da qual se apresentasse o fato íntegro” (RIBEIRO, 2002, p. 8). O discurso apresentado estimulava que, se o jornalista utilizasse uma linguagem objetiva, não haveria direcionamento e ficava ao cargo do leitor formar sua própria opinião.

Em abril de 1861, a primeira notícia em formato de pirâmide invertida foi escrita pelo jornal norte-americano The New York Times. Mais tarde, em meados do século XX, periódicos da América Latina já publicavam textos nesses moldes, pois recebiam notícias de agências norte-americanas (GENRO FILHO, 1996). Aqui no Brasil, o jornalista Pompeu Sousa é considerado o primeiro jornalista a escrever uma notícia obedecendo o lead, em 1950. Nessa época, nasce na imprensa brasileira a figura do copy-desk, profissional incumbido de revisar e reajustar os textos conforme o padrão de escrita vigente (RIBEIRO, 2002, p. 8).

Esse modelo de escrita noticioso surgiu, provavelmente, de acordo com Genro Filho, para atender um novo público de leitores que almejavam textos curtos, e porque seria mais fácil incluir anúncios chegados de última hora, já que esse formato preza pelas informações mais importantes em seu início. Genro faz várias críticas a esse padrão, considerando-o ideológico. “Essa nova estrutura da notícia não foi planejada para chamar o leitor à reflexão, mas apenas 'para informá-lo superficialmente, para adormecê-lo, fazê-lo indiferente e evitar que pense'” (GENRO FILHO, 1996, p. 115).

Esse ideal objetivo não foi introduzido pela imprensa brasileira de modo integral, segundo Ribeiro (2002). Aconteceu aos poucos e de modo distinto. A

objetividade reforçou as “noções diversas como a da imparcialidade da informação, a da responsabilidade social e a da honestidade do profissional” (RIBEIRO, 2002, p. 14). Porém, o modelo do jornalismo informativo fundamentado na objetividade foi se tornando majoritário e se impondo aos demais.

A autora (2002) lembra que a década de 60 do século passado foi o momento em que o modo de fazer jornalismo informativo calcado na objetividade foi efetivamente estabelecido. Caracterizado pela concentração empresarial do ramo em detrimento do fechamento dos pequenos diários políticos. “Sob as novas condições do mercado, os ideais da objetividade e da neutralidade suplantaram os da opinião e do julgamento crítico” (RIBEIRO, 2002, p. 15).

Nesse período, por conta da repressão da ditadura militar, os jornais passaram a investir na apresentação moderna de seus conteúdos. “Por outro lado, em meio à censura à imprensa, a defesa da objetividade e da responsabilidade social do jornalismo era, por parte de alguns profissionais, um ato essencialmente político, de resistência, e de construção afirmativa da identidade” (RIBEIRO, 2002, p. 14-15).

Para Ribeiro (2002), as décadas de 50 e 60 constituíram o período em que o jornalismo informativo passou a ter uma autonomia e um campo próprio, separado da política e da literatura, com uma linguagem discursiva própria, no qual, a modernidade estava atrelada a reformas em jornais e adaptação aos padrões estabelecidos pelos Estados Unidos. “No contexto dos anos 50-60, significava conferir ao campo jornalístico um capital simbólico sem precedentes, significava fazer do seu discurso uma 'fala autorizada' e transformar a imprensa em um ator social reconhecido” (RIBEIRO, 2002, p. 15).

Entretanto, para Ana Paula Goulart Ribeiro (2002), mesmo com a incorporação do modelo norte-americano pautado no cunho informativo, o jornalismo não conseguiu deixar a política de lado, não houve naquele momento uma independência plena. Ela explica que o estímulo ao modelo de objetividade não foi suficiente para autonomizar o campo em relação a política, pois “(…) as grandes crises do período democrático e o papel da imprensa na sua emergência e desenrolar (desde ao dramático suicídio de Vargas até a da posse e deposição de João Goulart) demonstram que, pelo menos até 64, os jornais não cessaram de atuar na cena política” (RIBEIRO, 2002, p. 15) Inclusive, de forma geral, o jornalismo nunca deixou de atuar nessa cena. De acordo com a autora, a política não estava

apenas explícita na linha editorial a partir de enquadramentos e opiniões, mas na forma de conduzir os acontecimentos.

A discussão teórica que emerge de vários autores sobre o sentido atribuído à objetividade por profissionais e manuais da imprensa brasileira nos indica uma distorção em relação à origem do conceito epistemológico, formulado nos Estados Unidos, nas primeiras décadas do século XX. Nesse período, a objetividade deu seus primeiros passos em um contexto de desenvolvimento científico cujos ideais positivistas foram basilares para se construir um modelo tecnicista de escrita, e novos valores jornalísticos (RIBEIRO, 2002; SPONHOLZ, 2008).

As distintas pesquisas sobre o sentido da objetividade jornalística desenvolvidas por Antonio Hohlfeldt (2001), Ana Paula Goulart Ribeiro (2002) e Líriam Sponholz (2008), envolvendo consulta a livros didáticos, manuais e entrevistas à jornalistas, concluíram que há uma multiplicidade de associações sobre o que significa tal termo e, que, atualmente, o mesmo pouco tem a ver com a sua epistemologia. Cada profissional entrevistado ou lido, em suas considerações, demonstrou associar a objetividade a diversos outros conceitos, a exemplo de pluralidade, imparcialidade ou mesmo à técnica redacional: clareza, coesão e eficácia do lead.

No seu relato de pesquisa, Sponholz (2008) explica que todas as vezes em que os jornalistas disseram ser impossível a objetividade no jornalismo, normalmente, os mesmos estavam se referindo ao conceito de neutralidade. “A noção mais frequentemente associada a objetividade é a de neutralidade: em 16% das declarações sobre o tema, os entrevistados falam sobre não tomar partido, não expor a própria opinião, não dizer o que pensam” (SPONHOLZ, 2008. p. 72).

A objetividade na ciência e no jornalismo é compreendida pela sua capacidade de apreender e reproduzir a realidade tal como ela aparece. Esta compreensão sugere que se deixe de lado a subjetividade, ou seja, que a apreensão e reprodução da realidade esteja livre de juízo valorativo. O conceito epistemológico, na perspectiva jornalística, é norte-americano e surgiu em um contexto de supervalorização da ciência hard, na qual havia uma crença acerca da possibilidade de acesso à verdade e à descrição da realidade. Nessa perspectiva, havia a orientação sobre a supressão de valores, ou seja, seria possível descrever a realidade como ela é, sem atribuir nenhum valor.

Em sua pesquisa, Sponholz (2008) diz que a objetividade não estava, na maior parte do tempo, associada ao sentido acima mencionado. “Só 3% das afirmações recorrem a ideias como aproximar-se o máximo possível da verdade ou da realidade. Isso significa que os repórteres ouvidos neste estudo raramente entendem objetividade como uma questão epistemológica” (SPONHOLZ, 2008. p. 72). Entretanto, Independentemente da compreensão ou não dos jornalistas sobre a discussão epistemológica sobre a verdade, existe um conceito que considera a validação de proposições eleitas consensualmente como verdade, conforme apontarão Habermas (2004), Rocha (2007) e Schudson (2003).

Liriam Sponholz (2008) afirma ser compreensível o modo como os jornalistas brasileiros percebem a objetividade, uma vez que eles receberam o modelo do lead juntamente ao ideal de objetividade e ao mesmo tempo em que foram estimulados a desenvolver novas técnicas de redação. Desse modo, o conceito de objetividade sobre a apreensão e o conhecimento da realidade deu lugar a ideia tecnicista “pode- se dizer, portanto, que esses jornalistas ainda seguem as pegadas dos pioneiros do lead. Com a construção histórica do conceito no Brasil, objetividade tornou-se sinônimo de texto compreensível” (SPONHOLZ, 2008. p. 74).

A objetividade foi bem recebida por boa parte dos jornalistas brasileiros, a exemplo de Alberto Dines, pois ela chegou com a promessa de um jornalismo informativo, sem o comprometimento ideológico das esferas políticas e literárias, as quais, comumente, escreviam para os jornais. Ana Paula Goulart Ribeiro (2002) mostra que muitos profissionais viram na objetividade uma forma de defender a sua própria profissão. Havia críticas sobre a forma como se utilizava da “livre escrita” para defender interesses pessoais e políticos. “É muito comum encontrar nos relatos reclamações em relação ao mal preparo cultural e ético dos profissionais da imprensa da primeira metade do século” (RIBEIRO, 2002, p. 8).

O novo modelo técnico estabelecia o lead e a lógica da pirâmide invertida como padrão, a partir de então, o jornalismo foi se firmando na objetividade, tanto enquanto valor quanto em técnica, e se tonando mais independente dos interesses políticos, econômicos e literários. O resultado foi a crescente credibilidade e destaque profissional (RIBEIRO, 2002, p. 9.)

Os ideais de objetividade e imparcialidade tão aclamados pela imprensa brasileira e mundial, e bem-aceitos em meados do século passado pelos profissionais da imprensa, foram também criticados por diferentes estudiosos da

área, a exemplo de Adelmo Genro Filho. Para este autor, esses conceitos representam os ideais da classe dominante, a qual vê na objetividade a possibilidade de sobreposição de interesses particulares de determinados grupos como interesse global. “Ora, sabemos que, numa sociedade dividida em classes, a universalidade sempre se manifesta mediada por interesses particulares” (GENRO FILHO, 1996, p. 88). Embora Genro não descarte por completo o ideal da objetividade, pois ressalva que, “certamente que há um 'grão de verdade' na ideia de que a notícia não deve emitir juízos de valor explícitos, à medida que isso contraria a natureza da informação jornalística tal como se configurou modernamente” (GENRO FILHO, 1996, p. 23).