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5 AS NARRATIVAS JORNALÍSTICAS: SEUS CONCEITOS E SUAS

6.1 JORNALISTAS LIVRES

6.1.2 As temáticas

O veículo Jornalistas Livres trabalha com vários temas que não são abordados na grande mídia. Como foi criado a partir da lógica de financiamento coletivo e funciona por meio da colaboração e descentralização de narradores, acreditamos que há uma abertura maior para atuar em defesa de uma diversidade temática mais ampla. De acordo com o que Andrea Hunter (2015) propõe, o jornalista busca autonomia para advogar sobre temas diversos porque não há espaço para tais temas na grande mídia, e o financiamento coletivo proporciona essa liberdade.

Os Jornalistas Livres enquadram seu conteúdo a partir de variados tipos de temas, a exemplo de questões como: racial, indígena, classe, etnia, entre outros. A abordagem desse veículo vai além da medição de temáticas oriundas das demandas sociais, ele opta por atuar enquanto militante, declaradamente:

Combatemos frontalmente a misoginia, o racismo, a homofobia, a lesbofobia, a transfobia, as fobias, os preconceitos de origem social, o fascismo, a desigualdade, o ódio à democracia e à coexistência democrática. Defendemos a liberdade religiosa individual como defendemos a laicidade do Estado. Somos libertários (as) e prezamos a memória, a verdade, a justiça, a solidariedade.

(…) Nos indignamos profundamente com a desigualdade racial vigente neste país de maioria afrodescendente que teima em afirmar que “não somos racistas”. Afirmamos a urgência do combate à discriminação racial e social, ao genocídio da população negra, à desumanidade carcerária.

(…) Temos lado (cada uma de nós tem seus próprios lados). Individualmente, não somos neutros, isentos, apartidários, brancos ou nulos. Nossa pluralidade é resultado do agrupamento de todos nós, não da ruptura interna de nossos corpos e mentes individuais. (JORNALISTAS LIVRES, 2016)

Para o grupo Jornalistas Livres, diferente do acontece com o jornalismo convencional em que se defende a ideia da objetividade, parcialidade e neutralidade, ele procura ir além da oportunidade de colaborar com a formação da opinião pública e atua enquanto militância em prol das causas que considera mais pertinentes para a coletividade. Não está preocupado com o factual, com um suposto distanciamento necessário para associar o seu conteúdo aos ideais basilares do jornalismo convencional. Preocupa-se com a ação para a militância e em formar grupos capazes de se articular enquanto movimento para gerar os resultados desejados.

Os Jornalistas Livres buscam conseguir mais adeptos a partir de uma visão muito semelhante àquela exposta por Cicilia Peruzzo (1998), relacionada à linguagem da comunicação popular que busca informar pessoas das mais variadas classes e, ao mesmo tempo, advogar em torno de temas diversos em uma linguagem próxima à sindical. Eles buscam também uma isonomia na participação no processo comunicacional.

Conforme dito anteriormente, observamos que vários temas estiveram permeando a grande narrativa do impeachment. Esses, por sua vez, são basilares e formam a “espinha dorsal” das causas defendidas pelos Jornalistas Livres. Como bem colocou Kelly Prudêncio (2009), a mídia ativista por mais que se pretenda livre, ela possui o seu enquadramento e os seus próprios critérios de noticiabilidade.

Portanto, é necessário narrar a partir da perspectiva formulada pelo veículo, obedecendo seu enquadramento político. Não se trata de censura, mas de conseguir propor pautas alternativas em um panorama permeado pelo oligopólio midiático.

As narrativas do impeachment do veículo JL se distanciaram do que estava sendo veiculado pela grande mídia, enquanto o primeiro denunciava a atuação da mídia convencional, a segunda direcionava seu foco para a operação Lava Jato, corrupção, crise financeira do país e possíveis crimes de responsabilidade cometidos por Dilma Rousseff, promovendo uma demonização do PT como causa única de todos os males do país. O JL abordava o tema corrupção quando seu objetivo era desconstruir a perspectiva proposta pela grande mídia. Seu foco era fazer uma leitura crítica dessa mídia e denunciá-la.

A questão racial foi um tema bastante utilizado como pano de fundo das narrativas sobre o impeachment, e para legitimar as manifestações através de seus participantes. Na cobertura de atos favoráveis ao impeachment, dois textos que cobriram o ato do dia 13 de março tiveram como tema de fundo o racismo. O primeiro cujo título era “Onde estavam os negros da Paulista” que discutiu como aquele ato foi tomado pela elite branca na Avenida Paulista, em São Paulo:

“Entre as milhares de pessoas que invadiram a avenida Paulista neste domingo (13/3), quase não havia negros”.

(…) Esse quadro trata de reproduzir a posição subalterna dessa parcela da sociedade brasileira, desde a escravidão até hoje”.

(…) Entre as demandas por honestidade, havia zero cartazes pedindo igualdade de direitos, cotas ou conquistas trabalhistas das empregadas domésticas. Ao contrário. O que se viu na avenida Paulista foi a representação do desejo da classe média alta e da elite branca do Brasil em manter seus privilégios. A manifestação está para a justiça social assim como a casa grande está para a senzala. Idêntico e escancarado”. Faz nesse item um juízo crítico de valor O que se viu em alguns lugares foram cenas de racismo explícito: um homem pintado de negro (os “blackfaces”, movimento teatral escravocrata que tem por objetivo ridicularizar a população negra) simulava uma “Forca da Inconfidência”.

(…) Atualmente, corresponde a 53,6% da população total do Brasil. Significa dizer que mais de 110 milhões de pessoas não estavam

retratadas nos atos pró-impeachment. “Andei duas horas na

manifestação. Não tinha pobres nem negros”, constatou a advogada Eliane Dias, produtora do grupo de rap Racionais MC’s. Outra personagem tem sua profissão destacada e fala a partir de um enquadramento de apoio em relação aos demais. (JORNALISTAS LIVRES, 2016)

O outro texto “Preto no Branco – as ruas nos dias 13 e 18”, já citado no tópico anterior, traz a problematização do racismo e sugere que as manifestações foram marcadas pelo recorte racial. O narrador propõe uma diferenciação entre as manifestações do dia 13 e 18 a partir da cor dos participantes de cada ato:

(…) O segundo preto no branco diz respeito aos negros e sua ausência na festa branca do dia 13. A questão, que já foi posta por Maria Carolina Trevisan, retomo aqui por outra ponta.

(…) O país sem negros que almeja, nada mais é que a expressão do horror de perder privilégios de quem quer de volta uma universidade sem cotas, um aeroporto sem mistura (“aeroporto ou rodoviária?”), a empregada doméstica escrava, o fim da impertinência dos cabelos negros (“baixar a crista dessa gente”), etc. E que teme, sobretudo, que o pior ainda esteja por vir. Isso vem a confirmar a questão da crise política do governo devido ao fato de ter mexido com privilégios. Pano de fundo é o racismo, apesar de estarmos falando sobre o

impeachment (manifestação). (JORNALISTAS LIVRES, 2016)

Observamos que outros temas também apareceram no site Jornalistas Livres, a exemplo das pautas: feminista, LGBT ou indígena. Por exemplo, durante a cobertura da Parada do Orgulho LBGT, observamos que houve ênfase em relação ao grito “Fora Temer”, contra o presidente Michel Temer.

Os grupos socialmente excluídos estiveram sempre presentes nas manifestações contrárias ao impeachment, eles são citados nas narrativas como forma de legitimar tais atos. É fator positivo de distinção a presença de grupos LGBT, periféricos, negros ou indígenas. No texto “O povo no espelho”41 o narrador deixa evidente sua parcialidade e sua luta em favor das minorias citadas.

Foram espetaculares manifestações de força os atos deste dia 18 de março de 2016. Não do PT, não da esquerda, mas da Democracia. Quando todos achavam que o jogo estava perdido, que a ala golpista do Judiciário e da mídia conseguiria cravar o punhal da negação das conquistas sociais e da participação popular no peito do povo brasileiro, eis que centenas de milhares de pessoas tomaram as principais avenidas do país — do Norte e Nordeste ao Sul —  e também na Argentina, México e Paris.

O povo pobre, os favelados, as mulheres, os gays, as lésbicas, os operários, os sem-terra, os sem-teto, os explorados e oprimidos, os intelectuais, os artistas, os universitários, os produtores culturais, as famílias, as crianças, os jovens e os idosos foram para as ruas do país defender um país de amor, de inclusão social, de solidariedade, de oportunidades, de cultura e alegria.

E, então, exatamente às 19h30, em uma avenida Paulista lotada de toda a diversidade humana do povo brasileiro (quanta diferença em

41 O povo no espelho. Disponível em: < https://medium.com/jornalistas-livres/o-povo-no-

relação ao protesto pelo impeachment do dia 13/3), eis que surge o maior líder operário da história do Brasil, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Lula, atual ministro-chefe da Casa Civil do governo da presidente Dilma Rousseff. Ao lado dele, a sambista do povo, Leci Brandão. Apoteose. Com uma camisa vermelha, como a maioria dos presentes na avenida, Lula era a própria representação do povo brasileiro. Como assim se ele não conseguiu assumir? (JORNALISTAS LIVRES, 2016)

Em outros textos, cobrindo atos contrários ao impeachment que aconteceram em Brasília, o pano de fundo é a questão indígena. Na reportagem “Não, pode mais meu coração”, por meio de uma linguagem poética, o narrador faz o registro de grupos de mulheres indígenas que ali estiveram presentes a favor da democracia e contra a PEC 215 que pretende transferir a demarcação de terra para o legislativo.

A capital é meu destino e o tempo é pouco. Procuro entender o que une movimento por moradia e movimento indígena em um governo de esquerda, a morada como direito de aldeia e sonho das famílias urbanas.

No sábado parti para Brasília em carona com o movimento pela moradia e ao encontro dos índios, sempre em movimento, contra o impedimento da presidente e contra a PEC 215. Casa é coisa feminina e moradia é coisa séria, e as mulheres, em maioria, ocupam o ônibus, deixando seus maridos, filhos e tanques em defesa da democracia. Ah, as mulheres, sempre as mulheres a rimar coração com valentia. O vermelho delas aqui é vida, fardo que se carrega na cabeça apaixonada e no interior das opções, não é dor nem confronto. Valentia é sangue de aorta e regra, é urucum na pele e batom na boca, esmalte de unhas.

O tempo dessa gente é acostumado aos ventos contrários e ao sol quente do campo, viver sempre foi um grande sertão. Os indígenas que aqui encontro estão sem muito entender essa confusão dos brancos, tempo de índio é outro e aqui estão preocupados com suas terras e protestam contra a PEC 215. (JORNALISTAS LIVRES, 2016)

O conceito de valor-narrativa basilar para a grande mídia, na concepção de Gonzaga Motta (2014), não é a regra dos Jornalistas Livres. Encontramos muitos textos elaborados por profissionais da comunicação cuja finalidade é envolver o leitor e tornar aquela experiência da narrativa marcante ou impactante, despertando sentimentos como revolta ou nostalgia pelo passado frutífero de um governo de esquerda e futuro amedrontador a partir de um governo de direita. Porém, mais do que a estética, importa o engajamento em torno das causas defendidas, identificando-se, portanto, com a categoria “ativista de mídia” proposto por Kelly Prudêncio (2009), conforme citado anteriormente.