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5 AS NARRATIVAS JORNALÍSTICAS: SEUS CONCEITOS E SUAS

6.1 JORNALISTAS LIVRES

6.1.3 As personagens

A classificação de personagens nos Jornalistas Livres pode ser dividida em dois grupos. Existe a personificação de figuras que se tornaram centrais na trama do impeachment, personagens que são protagonistas e antagonistas, e as personagens auxiliares ou secundárias, de acordo com a categorização de Cândida Gancho (2002). Dilma Rousseff e Lula estão inseridos no primeiro grupo, o segundo está destinado à mídia, ao judiciário, ao legislativo e à vice-presidência, a partir da atuação de personas como Rede Globo, revista Veja, Jornal Folha de S.P., juiz Sérgio Moro, senador Antônio Anastasia, Aécio Neves, ex-deputado Eduardo Cunha e o vice-presidente Michel Temer. O terceiro grupo é composto por atores sociais que se manifestaram contrários ou favoráveis ao impeachment e tiveram suas falas incluídas na narrativa.

O texto abaixo “Aécio é escorraçado da Paulista e PSDB perde as ruas para a direita”42 ilustra a atuação das figuras que estão no cerne da narrativa sobre o impeachment. O narrador problematiza a forma como o juiz Sérgio Moro se transformou no grande herói do movimento pró-impeachment, associando-o à figura de justiceiro e, ao mesmo tempo, monstro. Abordados ainda como vilões são: o senador Aécio Neves, citado como político anão que não aceitou o resultado das urnas em 2014 e os meios de comunicação Globo e Veja, porque intencionaram conduzir suas reportagens a partir de um enquadramento em apoio ao Sérgio Moro e reprovando os governos Lula e Dilma com disseminação de ódio à esquerda.

O 13 de março ficará marcado como o dia em que os tucanos e os peemedebistas do golpe perderam as ruas para a extrema-direita. Moro virou um semi-deus, ou um monstro, que ameaça a democracia porque já não se submete a ela: tem à disposição massas furiosas que servem a seu ímpeto justiceiro.

Com exceção do Rio de Janeiro (onde nitidamente mais gente foi às ruas dessa vez), nas demais cidades o comparecimento não saiu do que se esperava durante a manhã: a classe média em fúria dava

as caras – num misto de delírio, autoritarismo e ódio longamente semeados pela Globo/Veja e pelo próprio “líder” da oposição, Aécio Neves (um anão e político que pôs em risco a

estabilidade democrática, ao não aceitar a derrota nas urnas em 2014).

Acima de todos eles, no entanto, está a figura de Sergio Moro.

Transformado numa espécie de semideus da moral e dos costumes, apoiado pela Globo de Ali Kamel, Moro poderia

42 Aécio é escorraçado da Paulista e PSDB perde as ruas para a direita. Disponível em:

< https://jornalistaslivres.org/2016/03/aecio-e-escorracado-da-paulista-e-psdb-perde-as-ruas- para-a-direita/ > Acesso em 13 de março de 2016.

instalar guilhotinas em Curitiba já na semana que vem e transmitir execuções públicas pela TV. Seria apoiado pela massa

cheirosa que tomou as ruas.

Lula, de vilão, pode virar o fiador de um novo arranjo que impeça o caos e o desmoronamento do sistema político. Traz vários adjetivos. Vários recursos linguísticos para causar efeito de sentido. Esse texto traz a confirmação do texto anterior, busca-se deslegitimar os meios de comunicação, especialmente a TV Globo, tornando-a também uma vilã para enfatizar seu enquadramento. Seu autor é um blogueiro. (JORNALISTAS LIVRES, 2016)

Observamos que outras personagens atuam na grande trama do impeachment de modo a confirmar o enquadramento já estipulado pelo veículo. As pessoas que participam das reportagens são pessoas estratégicas, a exemplo de representantes de sindicatos ou movimentos como integrantes do MTST, do MST, ocupações distintas, manifestações, atos, palestras e outros eventos semelhantes.

Nas coberturas dos JL, geralmente, as falas estão de acordo com o enquadramento feito nas matérias. Verificamos poucos casos em que há inclusão de vozes de personagens discordantes em relação ao enquadramento proposto pelo narrador, a exemplo da cobertura da manifestação em Manaus, em 13 de março, já citada anteriormente; ou a cobertura do ato no dia da votação do impeachment, na Câmara Federal, em que a narradora traz falas discordantes. Porém, mesmo nesses casos, há outras estratégias de enquadramento.

Outro exemplo é a reportagem sobre “Orçamento seletivo”43. Nessa, a repórter procura mostrar que o governo de Michel Temer fez uma opção errada ao priorizar pagar a dívida pública e congelar gastos em detrimento da população mais necessitada dos serviços assistenciais. Ela traz a fala da ex-ministra Tereza Campello que apresenta o site “Alerta Brasil – qual direito você perdeu hoje?”, a partir do qual é possível monitorar quais direitos as pessoas têm perdido. Nesse texto, há outras personagens como o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão que convergem com o enquadramento selecionado pela narradora,

Há quase três meses no poder, o governo provisório decidiu adotar a lupa do equilíbrio das contas públicas para determinar suas prioridades. Esse caminho tem implicações importantes, não apenas em impactos econômicos. As consequências serão sentidas pela parcela mais vulnerável de brasileiros.

A justificativa é uma retórica simplista que afirma que “a Constituição não cabe no Orçamento”.

43 Orçamento seletivo. Disponível em: < https://jornalistaslivres.org/orcamento-

(…) É o “Alerta Social – Qual Direito Você Perdeu Hoje?”, que detectou, até o final de julho, mais de 40 ameaças à área social. Cumpre o papel de registrar esses acontecimentos em uma linha do tempo.

(…) O ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, que ocupou o cargo de 2007 a 2011, considera “uma barbárie” essas sinalizações do governo Temer. “Pela primeira vez temos um ministro que fala de maneira clara que quem vai ditar uma política de Saúde é o mercado”, constata Temporão, que foi um dos criadores do SUS. (JORNALISTAS LIVRES, 2016)

Texto semelhante é a reportagem sobre os rumos que Temer tem tomado no âmbito da Assistência Social, “Ofensiva conservadora de Temer põe em risco a Assistência Social”44, o qual traz denúncias em relação ao projeto neoliberal em curso que prevê fiscalização do Bolsa Família e desmonte dos programas de assistência social, demonstrando desrespeito à Constituição Federal de 1988.

Cada personagem possui uma função, nenhum está disposto à-toa na narrativa, o que torna evidente o critério de noticiabilidade que seleciona determinadas personagens-chave para conduzir o leitor ao efeito desejado (TRAQUINA, 2016). Entretanto, o jornalismo da mídia independente possui seus próprios valores-notícia para tornar legítimo o seu enquadramento.

O herói na narrativa jornalística aparece a partir do momento em que o narrador age estrategicamente para fazer sobressair determinadas caraterísticas heroicas do mesmo. Surge, a partir de então, uma personagem com qualidades superiores, com características distintas em relação às demais pessoas na sociedade (GANCHO, 2002). Igualmente como o vilão, o tempo de exposição dessa personagem também é diferenciada. Tomemos, por exemplo, a quantidade de vezes e a forma como o juiz Sérgio Moro aparece na grande mídia. Ele é visto como principal representante da Operação Lava Jato, alguém que está “contra o mal”, que está “eliminando a corrupção”. Enquanto Lula, visto como vilão, é o expoente da corrupção, é alguém que precisa ser combatido.

Na mídia independente, o cenário muda, pouco se vê Lula ou Dilma como vilões. Durante a análise desses veículos, percebemos críticas pontuais. Já a figura de Sérgio Moro é vista como contrária à justiça, alguém que age de forma parcial, partidária e que abusa do poder. Observamos, portanto, o dia em que Lula foi preso

44 Ofensiva conservadora de Temer põe em risco a Assistência Social. Disponível em: <

https://jornalistaslivres.org/ofensiva-conservadora-de-temer-poe-em-risco-assistencia- social/ > Acesso em 22 de agosto de 2016.

em uma condução coercitiva, que provocou uma mobilização e esquema de protesto para gerar o efeito de sentido de exagero por parte da Polícia Federal e de inocência em relação a Lula. Na reportagem “Caso Lula ao vivo: acompanhe o que está acontecendo”45 está explícita a indignação do veículo e do narrador que, por meio do recorte, busca gerar uma comoção frente ao leitor.

A reportagem atualiza o leitor a partir do desenrolar das ações sobre a prisão coercitiva do ex-presidente. Há, então, uma cobertura ao vivo, com disponibilização de vídeos e áudios de políticos e pessoas influentes, além de citações diretas e vídeo de manifestantes com o seguinte título “Apoiadores do Presidente Lula se manifestam em frente ao Diretório Nacional do PT, na Sé, em São Paulo”. E enquanto mostra o áudio do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, disponibiliza o vídeo de manifestantes contra e pró Lula no aeroporto de Congonhas.

O narrador traz uma sequência de fatos que ocorreram nesse dia e oferece uma estruturação cronológica, ao disponibilizar fatos por minuto, a partir da entrevista com um funcionário do Instituto Lula, em uma sequência temporal de tudo o que aconteceu durante o dia. “Na manhã desta sexta-feira (4), por volta das 6h, a Polícia Federal invadiu a casa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em ação da 24ª fase da Operação Lava Jato, batizada de Aletheia”.

8h– Em entrevista para os Jornalistas Livres, Paulinho Vieira, funcionário do Instituto Lula, fala sobre a operação de guerra montada pela PF:

“Estamos aguardando a polícia desde sexta passada, mas não pensaríamos que fosse dessa forma. Parece que eles estão procurando o Pablo Escobar. A gente nunca viu uma ação de busca e apreensão dessa forma”.

Assista!

8:30h – CUT do Rio de Janeiro aciona reunião dos movimentos sociais às 15h no auditório do Sindicato dos Bancários (prédio da CUT Rio).

8h40 – Receita Federal entra na casa onde ficam guardados documentos do ex-presidente, local próximo ao Instituto Lula. (JORNALISTAS LIVRES, 2016)

A reportagem é construída com o intuito de desenvolver a figura do herói na pessoa de Lula. Nela, observamos várias falas, de diversas personagens, todas elas ressaltando o abuso por parte da Polícia Federal ou a inocência de Lula. Há distintas

45 Caso Lula ao vivo: acompanhe o que está acontecendo. Disponível em:

< https://jornalistaslivres.org/2016/03/caso-lula-ao-vivo-acompanhe-o-que-esta- acontecendo/ > Acesso em 4 de março de 2016.

vozes que partem de um mesmo enquadramento. Portanto, percebemos que a fala do herói está presente de forma enfatizada em todo o texto.

Na página da matéria há link para a transmissão ao vivo e também toda a fala de Lula descrita após depoimento da PF, em um discurso que proferiu para movimentos sociais, partidos e para o povo brasileiro de uma maneira geral.

Nesse tipo de reportagem o destaque é dado para a fala de quem é a personagem marcado como heroína. O caso Lula ilustra como a fala e a imagem são valorizadas no texto, sua fala possui grande espaço e suas qualidades são exaltadas.

(...) Pois bem, eu deixei a presidência e achei que tinha cumprido com a minha tarefa. Achei que ao eleger a Dilma eu tinha consagrado a minha vida, porque eu tinha duas teses: presidente bom é aquele que se reelege e “bi” bom é aquele que faz sucessor. Então eu já me considerava “bi” bom e até “tri” bom quando reelegemos a Dilma. E eles estão desde o dia 26 de outubro de 2014 não permitindo que a Dilma governe esse País.

(…) Eu deixei a presidência como o melhor governante do País. O Brasil era motivo de orgulho. E por isso eu virei um conferencista importante. Ninguém queria que eu discutisse o sexo dos anjos, ninguém queria que eu discutisse o cosmo. O que as pessoas queriam? Que o Lula falasse das coisas que foram feitas no Brasil. Que milagre que vocês fizeram para aprovar as cotas colocando negros nas universidades? Que milagre que vocês fizeram para aprovar o ProUni? Que milagre que vocês fizeram para aprovar o FIES? Que milagre vocês fizeram para levar energia a 15 milhões de pobres nesse País? Ou seja, que milagre vocês fizeram para aumentar o salário mínimo todos esses anos? (JORNALISTAS LIVRES, 2016)

Na fala do ex-presidente Lula há uma demarcação em relação aos fatos heroicos feitos por ele. O conjunto de enunciados revela seu enquadramento, ao divulgar a mensagem que conseguiu fazer algo inatingível que, até então, ninguém havia conseguido. Expressa que exerceu uma atitude heroica para com o povo brasileiro e que isso incomodou profundamente a elite brasileira, incomodou os vilões que atualmente têm “entrado no combate” para derrotar sua imagem. Há várias figuras que estão na posição de vilãs ou coadjuvantes a exemplo da Rede Globo, o juiz Sérgio Moro, a revista Veja, entre outros. De forma sutil, a fala do ex- presidente Lula sugere que a ameaça de impeachment contra a ex-presidente Dilma se dá por conta de “intriga da oposição”.

Lula se torna herói nas narrativas jornalísticas de grande parte da mídia independente e o espaço para a fala, na roupagem de herói, é profundamente

sintomático. Diferentemente do papel do vilão, as falas que são destacadas denotando heroísmo configuram um enquadramento feito pelo repórter, o que se se torna importante, visto a escassez de espaço dado a partidos ditos de esquerda, como o dos Trabalhadores (PT). Nesse caso, o conflito dramático em torno dessa personagem se torna positivo.

Na trama do impeachment de Dilma Rousseff, o ex-deputado Eduardo Cunha é tratado como vilão. No texto “Simpathy for the Devil: O diabo pode ser golpista”46 fez-se um relato associando Eduardo Cunha à imagem do Diabo e mesmo não havendo uma referência direta a Eduardo Cunha, fica subentendido que se trada do mesmo.

O Maligno tem muitos nomes e se você não souber o nome dele, não irá reconhecê-lo, quando, no século XXI, ele assumir a forma do Presidente da Câmara dos Deputados do seu país e comandar processos de condenação de inocentes e ainda gastar dinheiro roubado e depositado em contas correntes na Suiça e viver feliz para sempre na companhia de sua linda esposa de olhos sempre arregalados. (JORNALISTAS LIVRES, 2016)

Esse texto é finalizado, acentuando mais uma vez sobre a quem o narrador está se referindo. “Se você não souber o nome do Diabo, ele zombará eternamente de sua ingenuidade, fará mesuras, jurará inocência, rirá alto, invocará o nome de Deus e, na pele de um pastor evangélico, ensinará os incautos que nele creem a orar por ele e pagar um dízimo para afastar as maldades do mundo” (JORNALISTAS LIVRES, 2016).