Os sujeitos da obrigação de prestar alimentos se encontram
definidos nos artigos 1.696 e 1.69798, respectivamente, do Código Civil, in verbis:
“O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e
extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais
próximos em grau, uns em falta de outros”; “Na falta dos
ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem
de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como
unilaterais”.99
No direito, todo e qualquer pressuposto norteador se inicia
através dos princípios. Na esfera da obrigação do alimentar não seria diferente, fato
em que é importante atentar-se para proposições diretivas oriundas do princípio da
dignidade da pessoa humana, tema este proposto no presente trabalho.
Tratando-se de pleito alimentar, na medida em que objetiva
assegurar a vida, eleva-se como um direito primordial, tendo por escopo o princípio
da dignidade da pessoa humana. 100
97 CAHALI, Y. S. Dos alimentos. p. 41/48.
98BRASIL, Código Civil Brasileiro. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/
LCP/Lcp07.htm. Acesso em: 05 de Agosto de 2009.
99NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Novo código civil e legislação
extravagante anotados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 570/571.
100NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Novo código civil e legislação
extravagante anotados. p. 570/571.
Neste sentido, oportuna a fixação da dimensão
jurídico-constitucional do princípio da dignidade da pessoa humana em seu âmbito de
proteção no plano das ações alimentares, já que a dignidade é inerente a toda e
qualquer pessoa, vez que se relaciona à idéia de respeito e às condições essenciais
para se ter uma vida justa. 101
Claudia Bellotti Moura e Vitor Hugo Oltramari ensinam: “o
princípio da dignidade da pessoa humana foi consagrado pelo legislador
constitucional por representar, entre todos, um fundamento do Estado Democrático
de Direito”.102
Da mesma forma, Walsir Edson Rodrigues Júnior reconhece
que os alimentos têm força de direito fundamental, esclarecendo que:
A constituição de 1988 também elegeu como valor fundamental da
República a dignidade da pessoa humana, que deverá ser protegida
e promovida individual e socialmente. O direito á vida e à
solidariedade social e familiar foi esculpido na Carta de 1988 como
direito fundamental. Com isso, os alimentos passaram a ter força de
direito fundamental, por ser capaz de assegurar uma vida digna a
aquele que não têm como se manter.103
Madaleno conceitua os alimentos partindo dos ensinamentos
de Diniz, “como sendo prestações para a satisfação das necessidades vitais de
quem não pode provê-las por si”, pois carregam em seu bojo, o imprescindível
sustento à vida da pessoa que precisa atender aos gastos para com sua
alimentação, vestuário, habitação, tratamento médico, diversão, com recursos para a
sua instrução e educação, se for menor de idade.104
A autora Maria Berenice Dias, em conformidade com Maria
Helena Diniz, assevera:
101NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Novo código civil e legislação
extravagante anotados. p. 570/571.
102 MOURA, Claudia Bellotti.; OLTRAMARI, Vitor Hugo. Quebra da coisa julgada na investigação de
paternidade: uma questão de dignidade. Revista brasileira de direito de família. Porto Alegre. v.
6, n. 27. dez./jan., 2005, p. 84.
103RODRIGUES JUNIOR, Walsir Edson. Os alimentos e a transmissibilidade da obrigação alimentar,
Revista brasileira de direito de família. Porto Alegre. v. 8, n. 37, ago./set., 2006, p. 43.
104DINIZ Maria Helena apud MADALENO, Rolf. Renuncia de alimentos. Revista brasileira de direito
de família. Porto Alegre. v. 6, n. 27, dez./jan., 2005, p. 147.
O direito de família está umbilicalmente ligado aos direitos humanos,
que têm por base o princípio da dignidade da pessoa humana,
versão axiológica da natureza humana. O princípio da dignidade
humana significa, em ultima análise, uma igual dignidade para todas
as entidades familiares. A dignidade da pessoa humana encontra na
família o solo apropriado para florescer. A ordem constitucional dá
especial proteção a família, independente de sua origem.105
O termo alimentos, no direito, alcança atualmente acepção
jurídica muito mais abrangente do que a linguagem normalmente usada, pois sua
compreensão abrange não somente a idéia de ele se prestar a satisfazer a
necessidades vitais do ser humano, mas também necessidades especiais como a
habitação, medicamentos, educação, vestuário e moral, variando conforme a
posição social que se encontra.
Os alimentos, na linguagem jurídica, têm uma conotação
amplíssima, que não pode ser reduzida à noção de mero sustento [alimentação],
mas envolve, também, vestuário, habitação, saúde, lazer, educação,
profissionalização, etc., como prevê de forma abrangente o novo texto
constitucional.106
Os alimentos podem se originar da lei, da vontade das partes e
do ato ilícito. Elucida Silvio Rodrigues que a prestação de alimentos pode decorrer
da vontade das partes, que manifestada através de contrato, quer através de
testamento; pode advir de ato ilícito, o que ocorre na hipótese em que o causador do
dano fica obrigado a pagar uma determinada pensão a vítima; pode emanar da lei,
[...] é o que ocorre na hipótese do artigo 1.694107 do Código de 2002.108
Sob a visão de Marco Aurélio Gastaldi Buzzi109, são os
alimentos qualificados como sendo legítimos, face a imposição legal e oriundos das
105 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 62.
106 LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito civil aplicado. Direito de família, São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005, v. 5, p. 378.
107BRASIL, Código Civil Brasileiro, Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis
/LCP/Lcp07.htm. Acesso em: 05 de Agosto de 2009.
108RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 27. ed. atual. por Francisco José Cahali, com anotações ao
novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 6, p. 420-421.
109BUZZI, Marco Aurélio Gastaldi. Alimentos transitórios: uma obrigação por tempo certo, Curitiba:
Juruá, 2004, p. 39.
relações de parentesco, familiar ou mesmo decorrente do casamento ou da união
estável.
Nessa linha, Maurício Fabiano Mortari110 assevera que a lei é a
principal fonte da obrigação alimentar, pois nela estão inseridas as hipóteses de sua
configuração no Direito de família. São os chamados alimentos legítimos, os quais
decorrem das relações de parentesco, do casamento e, mais recentemente no
Direito brasileiro, da união estável.
Assim, resta caracterizado que somente os alimentos legítimos,
previstos em lei, se inserem no Direito de Família, onde são disciplinados e possuem
cunho assistencial alimentar entre as pessoas com vínculo de parentesco ou
companheirismo, visando propiciar à pessoa necessitada condições de uma vida
melhor. 111
O alargamento do conceito de alimentos levou a doutrina a
distingui-los alimentos entre naturais ou necessários e alimentos civis ou côngruos,
uma vez que não há essa distinção na lei.
Acerca de tal distinção, expõe Yussef Said Cahali112:
Quando se pretende identificar como alimentos àquilo que é
estritamente necessário para mantença da vida de uma pessoa,
compreendendo tão-somente a alimentação, a cura, o vestuário, a
habitação, nos limites assim do necessarium vitae, diz-se que são
alimentos naturais; todavia, se abrangentes de outras necessidades,
intelectuais e morais, inclusive recreação do beneficiário,
compreendendo assim o necessarium personae e fixados segundo a
qualidade do alimentando e os deveres da pessoa obrigada, diz-se
que são alimentos civis. [grifos do autor]
Conforme entendimento de Silvio Venosa113, “o Código de 1916
não distinguia ambas as modalidades, mas o atual Código o faz [art. 1.694],
110: FREITAS, Douglas Phillips [coord]. Curso de direito de família. Florianópolis: Vox Legem, 2004,
p. 175.
111 FREITAS, Douglas Phillips [coord]. Curso de direito de família. Florianópolis: Vox Legem, 2004,
p. 175.
112CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. p. 18.
113VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família, 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006, v. 6, p.
376.
discriminando alimentos necessários ao lado dos indispensáveis, permitindo ao juiz
que fixe apenas estes últimos em determinadas situações restritivas”.
Por conta dessa nova disposição de direito material, o cônjuge
ou companheiro que passa a necessitar de alimentos necessários poderá pleiteá-los
mesmo em ocasião da culpa conjugal.
Nesse caso, decretado a culpa de um dos cônjuges, as
prestações devidas limitam-se ao indispensável à sobrevivência, Sobre o assunto,
leciona Dias114: “limita a lei o valor dos alimentos sempre que é detectada culpa do
alimentando [1.694 §2o, 1702 e 1.704]115. Quem, culposamente, dá origem à
obrigação, faz jus a alimentos naturais, isto é, percebe somente o que basta para
manter a própria subsistência”.
Mesmo quando são limitados os alimentos ao indispensável à
sobrevivência, as necessidades educacionais não poderão serem excluídas, bem
como com o mínimo de lazer e ao atendimento das necessidades intelectuais.116
Cabe dizer que não se deve confundir a obrigação alimentar
com certos deveres familiares. Tendo em tela, nítidos objetivos didáticos, é relevante
promover a distinção entre dever alimentar e obrigação alimentar.
O autor Yussef Said Cahali, valendo-se das lições de Planiol,
Ripert e Rouast, pontua os caracteres distintivos das duas modalidades de
obrigações alimentares, em comento:
A doutrina, de maneira uniforme, inclusive com respaldo na lei,
identifica duas ordens de obrigação alimentares, distintas, dos pais
para com os filhos: uma resultante do pátrio poder [hoje, poder
familiar], consubstanciada na obrigação de sustento da prole durante
a menoridade [CC, art. 1.566, IV]; e outra, mais ampla, de caráter
geral, fora do pátrio poder e vinculada à relação de parentesco em
linha reta. [grifo nosso].117
114DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009,
p. 460.
115BRASIL, Código Civil Brasileiro. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/
LCP/Lcp07.htm. Acesso em: 05 de Agosto de 2009.
116DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 460.
Da análise ao entendimento do doutrinador Silvio Venoza118,
ele entende que tal divisão ocorre:
É importante ressaltar uma distinção que tem reflexos práticos: o
ordenamento reconhece que o parentesco, o jus sanguinis,
estabelece o dever alimentar, assim como aquele decorrente do
âmbito conjugal definido pelo dever de assistência e socorro mútuo
entre cônjuges e, modernamente, entre companheiros. Existe, pois,
no ordenamento, uma distinção entre obrigação alimentar entre
parentes e aquela entre cônjuges ou companheiros. Ambas, porém,
são derivadas da lei.
Conforme os doutrinadores acima identificados demonstram,
existem, duas espécies de obrigações, uma é corolário do poder familiar,
caracterizada na imposição dos pais ao dever de prestar sustento aos filhos,
enquanto civilmente menores. 119
Enquanto a segunda espécie de prestação de alimentos gera
em decorrência do vinculo sanguíneo, irmãos, tios, sobrinhos, netos, ou afetivos,
companheiros e companheiras. 120
Conforme entendimento de Carlos Alberto Bittar121:
Os alimentos estão relacionados com o sagrado direito à vida e
representam um dever de subsistência que os parentes têm, uns em
relação aos outros, para suprir as necessidades decorrentes de
deficiência etária; incapacidade laborativa; enfermidade grave e
outras adversidades da vida.
Ao tratar de alimentos, encontra-se uma diversidade de
conceitos que em lato sensu corresponde ao direito de grande abrangência que vai
mesmo além da acepção fisiológica, incluindo tudo que é necessário à manutenção
individual: sustento, habitação, educação, vestuário, tratamento e, etc.
Ensina neste sentido, Silvio Rodrigues122:
118VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família, 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006, v. 6, p.
377.
119BRASIL, Código Civil Brasileiro, Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis
/LCP/Lcp07.htm. Acesso em: 05 de Agosto de 2009.
120BRASIL, Código Civil Brasileiro, Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
Leis/LCP/Lcp07.htm. Acesso em: 05 de Agosto de 2009.
121 BITTAR, Carlos Alberto. Curso de direito civil. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.v. 2, p.
1.168.
Alimentos, em Direito, denomina-se a prestação fornecida a uma
pessoa, em dinheiro ou espécie, para que possa atender às
necessidades da vida. A palavra tem conotação muito mais ampla do
que na linguagem vulgar, em que significa o necessário para o
sustento. Aqui se trata não só do sustento, como também do
vestuário, da habitação, assistência médica em caso de doença,
enfim de todo o necessário para atender às necessidades da vida; e,
em se tratando de criança, abrange o que for preciso para sua
instrução.
Uma obrigação é exercida por ambos os genitores, que só
cessa com a maioridade civil dos filhos ou ainda, em razão da existência do
companheirismo ou conjugal ante o dever legal de assistência e socorro mútuo, que
devem ser cumpridos incondicionalmente. No entanto, a segunda irá perdurar até
que haja a necessidade de sustento e assistência. 123
Desta forma, entende-se que quando o alimentando atinge
maioridade civil, extingui-se o poder familiar, defluindo a obrigação alimentar,
resultante da relação de parentesco em linha reta daquele descendente que não
mais se encontra sob o poder familiar de seus pais, isto porque a cessação da
menoridade não retira do filho o direito de pedir alimentos àqueles, tendo em vista o
nascimento de outra espécie de relação obrigação, oriunda do parentesco.
Essa, porém, tem caráter mais amplo que obrigação anterior,
pois é oriunda de uma relação havida fora do poder familiar, estreitamente ligada ao
vínculo parental.
Desta forma, conclui-se que se rompendo o vínculo do poder
familiar surge à obrigação alimentar, a qual é imposta pela lei124, advém do
parentesco resultando na necessidade imperiosa de um parente de receber
colaboração material para a própria mantença, recíproca e condicionada, agora, ao
estado de necessidade do filho e à possibilidade do genitor/parente.
123BRASIL, Código Civil Brasileiro, Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/
Lcp07.htm. Acesso em: 05 de Agosto de 2009.
124BRASIL, Código Civil Brasileiro, Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
Leis/LCP/Lcp07.htm. Acesso em: 05 de Agosto de 2009.
No documento
PRINCÍPIO DA IRREPETIBILIDADE DE ALIMENTOS: UMA ANÁLISE DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL
(páginas 42-49)