O Direito Romano conheceu a obrigação alimentar baseada em
causas diversas, quais sejam: na convenção; no testamento; na relação familiar; na
relação de patronato e na tutela. 70
Primariamente, foi à obrigação alimentar celebrada entre a
clientela e o patrono sendo que apenas mais tarde, foi aplicada nas relações
familiares. 71
O código civil de 1916, com o intuito de proteger a família,
previa que o reconhecimento da paternidade só cabia aos filhos legítimos, isto é,
aqueles concebidos na união do casal que vivia em matrimônio, o restante eram
considerados bastardos, e não tinham direito de nada72.
Quer dizer que antes de 2003, um passado recente, uma
criança não tinha o direito do reconhecimento paterno, e somente teria seu direito
adquirido após da vigência do Código Civil de 200273, atual.
O poder familiar, como o poder pátrio era exercido somente
pelo homem. O varão era considerado o chefe da família. Era ele que provia o
sustento do grupo com quem vivia74.
70 CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. p. 41.
71 CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. p. 41.
72 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 455.
73BRASIL, Código Civil Brasileiro. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/
Lcp07 .htm. Acesso em: 05 de Agosto de 2009.
A doutrina romana demorou a admitir esta obrigação em sua
esfera familiar em virtude de sua estrutura familiar ser fincada na figura do pater
famílias, o qual detinha sob sua condução todos os demais membros da família, não
admitindo o reconhecimento dessa obrigação. Tais dependentes não poderiam
exercitar contra o pater nenhuma pretensão de caráter patrimonial. 75
Não há uma precisão histórica no que concerne ao momento
em que a noção de alimentos passou a ser conhecida. As obrigações alimentícias
baseada nas relações familiares não tinham força e sequer eram mencionadas nos
primeiros momentos da legislação romana. Pode-se afirmar que essa omissão seria
um reflexo da própria constituição da família romana. Isto porque a relação de
alimentos entre o vínculo familiar não teria sentido algum. 76
Com relação à obrigação alimentar decorrente do casamento,
Maria Berenice Dias77 afirma:
Era idêntico o perfil conservador e patriarcal da família. Apesar de o
código atribuir a ambos os cônjuges o dever de mútua assistência,
existia somente a obrigação alimentar do marido em favor da mulher
inocente e pobre.
Este entendimento referia-se ao que estipulava o Código Civil de
1916, porém, atualmente, quaisquer dos cônjuges possuem obrigações recíprocas com o
outro.78
O único vínculo existente entre os integrantes de uma relação
familiar era o vínculo derivado do pátrio poder. O pater familias concentrava em suas
mãos todos os direitos, sem que qualquer obrigação os vinculasse aos seus
dependentes. Tais dependentes não poderiam exercitar contra o titular da patria
potestas nenhuma pretensão de caráter patrimonial, como a derivada de alimentos.
Neste caso, pode-se afirmar que a recíproca é verdadeira, pois o pai também não
tinha o direito de buscar os alimentos em relação aos filhos. 79
75 CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. p. 41.
76 CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. p. 41.
77 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 455.
78 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 455.
O poder familiar era exercido pelo homem, no qual era a
cabeça do casal, o chefe da sociedade conjugal. Era somente dele o dever de
alimentar e sustentar a sua prole. 80
Não existe uma linha determinando o início, ou momento
histórico na medida do reconhecimento da obrigação em oferecer alimentos no
contexto familiar. Aquilo que era simplesmente um dever moral, em uma
transformação histórica, acabou tornando-se uma obrigação jurídica. 81
A obrigação alimentar, em sua própria disciplina, representa o
ponto de partida da sucessiva e ampla reelaboração do instituto, de que resulta a
determinação no círculo da obrigação alimentar no âmbito do poder familiar,
compreendendo-se aos cônjuges, ascendentes, descendentes, irmãos e irmãs.82
Nesse sentido, o Código Civil Brasileiro83, atual, disciplina:
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir
uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo
compatível com a sua condição social, inclusive para atender às
necessidades de sua educação.
§ 1o Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades
do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
§ 2o Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência,
quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os
pleiteia.
É notória a previsão legal estabelecida pelo poder Legislativo e
Judiciário, no entanto, numa trajetória histórica evolutiva, focando a análise no
período inicial da colonização brasileira, podemos dizer que o texto mais expressivo
sobre a obrigação alimentar apareceu nas Ordenações Filipinas, no Livro 1, Tít.
LXXXVIII, 15. 84
80 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 455.
81 CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. p. 42.
82 CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. p. 44.
83BRASIL, Código Civil Brasileiro, Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/
Lcp07.htm. Acesso em: 05 de Agosto de 2009.
O dever de solidariedade, a pietatis causa (por causa da
piedade) foi o que deu origem a obrigação alimentar, desde que para com os
notadamente necessitados.85
O parentesco existente entre os membros de uma família no
direito romano era baseado no poder existente do paterfamilias, sobre os membros
da família.
A partir do momento em que o vínculo sangüíneo e o familiar
tornaram-se essenciais, nasceu o fortalecimento da obrigação alimentar entre
parentes. Inicialmente tal dever era destinado ao parentesco em linha reta, entre
ascendentes e descendentes, o que após foi abrangida pela colateral, sendo
portanto obrigados também os irmãos e os cônjuges.
Embora se tratar-se de uma proteção relacionada a órfãos,
Yussef Said Cahali traz a indicação dos elementos que comporiam a obrigação.
Se alguns órfãos forem filhos de tais pessoas, que não devam ser
dados por soldados, o juiz lhes ordenará o que lhes necessário for
para seu mantimento, vestido e calçado, e tudo mais em cada um
ano. E mandará escrever no inventário, para se levar em conta a seu
tutor, ou Curador. e mandará ensinar a ler e escrever aqueles, que
forem para isso, até a idade de 12 anos. E daí em diante lhes
ordenará sua vida e ensino, segundo a qualidade de pessoas e
fazenda.86
O Assento de 09.04.1772, que adquiriu força e autoridade de
lei por meio do Alvará de 29.08.1776, foi considerado o documento mais importante
que disciplinava a obrigação alimentar. Dispunha “ser dever de cada um alimentar e
sustentar a si mesmo”. Porém, também apresentava algumas exceções, como por
exemplo, nos casos de irmãos, primos e consanguíneos legítimos e ilegítimos. 87
No decorrer dos anos, diante de uma evolução histórica e
jurídica, foram surgindo no ordenamento brasileiro inúmeras leis disciplinando o
85 NEVES, Márcia Cristina Ananias. Vademecum do direito de família, 5.ed. São Paulo: Jurídica
Brasileira, 1997. p.398.
86 CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. p. 45.
direito alimentar, sendo a de maior expressão a Lei 5.47888, de 25.07.1968,
pertinente à ação de alimentos.
Além dessas acima identificadas, encontram-se outras
disposições legais, tais como: a Lei de Proteção à Família89; o Estatuto dos
Funcionários Públicos Civis90; o Estatuto dos Funcionários Públicos Militares91; a Lei
968, de 10.12.1949 [artigo 1º], dispondo sobre a tentativa de acordo nas causas de
desquite litigioso e alimentos, inclusive os provisionais; a Lei 883, de 21.10.1949,
regulando os alimentos provisionais em favor do filho ilegítimo reconhecido pela
sentença de primeira instância; o novo Código de Processo Civil [artigos 732 a735]92,
disciplinando a execução da prestação alimentícia.93
A Lei 8648/199394 acrescentou parágrafo ao art. 399 do CC de
1916, especificou o dever de ajuda e amparo em favor dos pais que, na velhice, pela
carência ou pela enfermidade, ficaram sem condições de prover o próprio sustento.
Os conviventes também receberam proteção legal no tocante a
alimentos e à sucessão com as Leis nº 8.97195 e 9.27896.
Logo que se iniciou a aplicação do CC/2002, a perspectiva era
que o Código Civil iria trazer inovações, quais sejam: o caráter patrimonial da
obrigação alimentícia, equiparando o cônjuge aos parentes, no direito de pedir
88BRASIL. Lei 5478 de 25 de julho de 1968. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/
L5478.htm. Acesso em: 07 de maio de 2010.
89BRASIL. Decreto nº 3200 de 19 de abril de 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/
Decreto-Le i/Del3200.htm. Acesso em: 07 de maio de 2010.
90BRASIL. Lei 1.711 de 28 de outubro de 1952. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03 /Leis/ 1950-1969/L1711.htm. Acesso em 07 de maio de 2010.
Art. 126.
91BRASIL. Decreto Lei 9.698 de 2 de setembro de 1998. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br /ccivil_03/Leis/L9698.htm. Acesso em: 07 de maio de 2010. Art. 40.
92BRASIL, Código Civil Brasileiro. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil
_03/Leis/LCP/Lcp07.htm. Acesso em: 05 de Agosto de 2009.
93 CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. p. 46/47.
94BRASIL. Lei 8.648 de 20 de abril de 1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/
LEIS/1989_1994/L8648.htm. Acesso em 07 de maio de 2010.
95BRASIL. Lei 8971 de 29 de dezembro de 1994. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL /leis /L8971.htm. Acesso em: 07 de maio de 2010.
96BRASIL. Lei 9.278 de 10 de maio de 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis
/L9278.htm . Acesso em 07 de maio de 2010.
alimentos, para fazê-los irrenunciáveis em qualquer caso, e remanescendo a
obrigação alimentícia mesmo em caso de dissolução da sociedade conjugal pela
separação judicial, até a benefício do cônjuge responsável pela separação e a
possibilidade dos alimentos indispensáveis à subsistência, quando a situação de
necessidade resulta de culpa de quem os pleiteia, ou, tratando-se de ex-cônjuge, foi
responsável pela separação judicial. 97
Diante desse quadro extremamente complexo, esperava-se
que o CC/2002 viesse a proporcionar um instituto atualizado e com menor
dificuldade para o menos operador do direito, porém isso acabou não ocorrendo.
No documento
PRINCÍPIO DA IRREPETIBILIDADE DE ALIMENTOS: UMA ANÁLISE DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL
(páginas 37-42)