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5.2 FRAMES

5.2.2 Obrigado, Jesus!

No esquete Obrigado, Jesus!, antes que a primeira fala do esquete seja dita, eu consigo acionar o frame HOSPITAL, o que se dá devido às informações presentes no ambiente em que as cenas se desenrolam, as quais eu acesso via percepção por meio de elementos como : maca, cadeira de rodas, portas duplas com visores, a presença de pessoas esperando no que parece ser uma sala de espera; um homem que se movimenta, como se estivesse ansioso por notícias; e um mulher que parece estar em uma recepção. O acionamento é possível devido às minhas experiências com esse ambiente, ou seja, o fato de essas cenas e seus personagens me remeterem a vários eventos vivenciados por mim no hospital. Assim, me remetem ao frame interacional SITUAÇÃO MÉDICA, que engloba diversos eventos, com seus personagens e papeis, ancorados em um determinado espaço e tempo (FILLMORE, 1982; DUQUE, 2017), e armazena todas essas informações e as organiza, o que nos permite acionar os frames relacionados a esses eventos.

Em seguida, com a primeira fala – “Renato, a operação foi ótima, deu tudo certo” (PORTA DOS..., 2009) –, aciono MÉDICO, PACIENTE e FAMÍLIA, uma vez que uma operação é feita por um médico, em um paciente e, normalmente, as notícias a respeito da saúde do paciente é dada a alguém da família, nesse caso, Renato. Por meio da segunda fala – “Obrigada, Jesus” –, aciono os frames GRATIDÃO, JESUS, pois, conforme Lakoff declara, “mesmo que você queira negar um frame, você ativa o frame”, pois, ao ouvirmos uma palavra, acionamos seu frame. Esses frames estão relacionados a tantos outros que acabam sendo acionados, como RELIGIÃO, CRISTÃO E FÉ, devido à questão da constituência (DUQUE, 2017), uma vez que os elementos que compõem os frames são também frames. Na sequência, a fala de Renato – “Obrigado, Jesus” (PORTA DOS..., 20019) – todos os esquetes, Jesus para a cena, sendo essas pistas linguísticas responsáveis por instaurar o estado de beira do caos em mim. Isso não acontece pela presença de Jesus, mas por sua declaração “Eu não fiz nada, eu nem tava sabendo de nada, quem salvou sua mulher foi o médico (PORTA DOS...., 2019)”, pois provoca o desequilíbrio, exigindo a reconfiguração do frame JESUS. Assim, a ruptura de natureza semântica se dá em mim pelo fato de se esperar que Jesus, o onipotente e o onipresente, soubesse da cirurgia da esposa de Renato e houvesse intercedido no seu tratamento. No entanto, há uma subversão desses elementos e Jesus passa a demonstrar desconhecimento de fatos, ao invés

de onisciência; ausência, no lugar de onipresença. Essa quebra semântica é mantida e retroalimentada ao longo do esquete, por falas de Renato e de Jesus, tais como:

[RENATO –] Você intercedeu que eu sei [...]. [JESUS –] Não intercedeu, ninguém intercedeu... nem sabia que tua mulher tava sendo operada [...]. [RENATO –] Brigado por ter permitido que o médico curasse a minha esposa.

[JESUS –] Eu não permiti[...] eu não fiz nada[...]. [RENATO –] A humildade é a maior das virtudes (PORTA DOS..., 2019).

Essas falas deixam claro para mim que esse homem resiste ao fato de Jesus não ser o responsável pela cura, o que, provavelmente, a salvação cura, para os cristãos estar em suas mãos, o que torna difícil aceitar o processo de reframing (LAKOFF, 2014; FILLMORE, 1982; DUQUE, 2017), de reenquadramento do seu prévio entendimento sobre Jesus. Apesar de eu compreender isso, por termos frames JESUS aparentemente compatíveis, seu comportamento insistente irrita Jesus, e a mim também, ou seja, esse Jesus falho, humano como eu é o que me faz rir e identificar essas cenas como de humor.

Ao mesmo tempo, os diálogos entre Jesus e Renato revelam também o esforço de Jesus em estabelecer a verdade e a justiça, características suas, sobre a cura da mulher, ou seja, para dar o crédito a quem merece: o médico. Isso porque médico é “ [...] aquele que se formou em medicina e pode exercê-la” (HOUAISS, 2009), ou seja, aquele que utiliza “ [...] um conjunto de conhecimentos relativos à manutenção da saúde, bem como à prevenção, tratamento e cura das doenças, traumatismos e afecções” (HOUAISS, 2009), na busca de reestabelecer a saúde de alguém.

Ao não alcançar seu intuito, Jesus acaba por causar a morte da mulher, o que causa surpresa a Renato, pois há uma quebra de sua expectativa. Assim, identifico os comportamentos de Jesus e de Renato oscilando entre divino e humano, em que o ser divino se comporta como humano. Jesus, ao negar a sua onisciência, onipotência e onipresença, bem como ao afirmar sua ira parece-me humano; mas também causa a morte de uma pessoa, mostrando sua onipotência, o que reconheço como divino. Por sua vez, Renato nega o crédito da cura ao médico, por ser humano, mas não hesita em culpa-lo pela morta da sua esposa, como se tudo que é bom vem de Jesus, mas o que é ruim é causado por humanos, como se soubesse de tudo e pudesse julgar o outro.

5.2.3 Palavra

Os primeiros frames deste esquete são PORTA e CASA, além de JESUS, acionados pelo fato de Jesus estar em uma cena caminhando e parar em frente a uma porta, acionados por pistas não verbais, sendo os dois primeiros reforçados pela expressão linguística “Ô de casa”, que ele fala enquanto bate palmas, para verificar se a pessoa a aquém ele procura está em casa e, então, poder estabelecer uma comunicação. Mas a quebra de expectativa acontece em seguida, depois que ele cumprimenta e o homem diz “Senhor, eu não sou digno que entreis em minha morada, mas dizei uma palavra e serei salvo”, obtendo a resposta de Jesus: “Formiga”. O texto dito pelo homem aciona em mim o frame MISSA, pois essas palavras fazem parte de um evento específico que ocorre dentro desse ritual, o qual está relacionado à eucaristia, quando o fiel recebe o corpo de cristo por meio da hóstia, bem como BÍBLIA, pois essa é uma passagem Bíblica sobre a cura de alguém, cujo responsável foi Jesus. No entanto, não é a palavra de Jesus que cura no texto bíblico, mas a fé que o homem tem no Senhor, por isso não há uma palavra específica. No esquete entanto, há uma subversão dessa cena, pois é necessária uma palavra específica para se conseguir a cura, a qual Jesus, inesperadamente, não sabe qual, assim, ele começa a dizer todo tipo de coisa, e essa é a razão do meu riso. Essa minha reação é reforçada durante toda o esquete, pois os personagens entram num jogo de adivinhação, em que o homem orienta Jesus na direção da palavra certa. E, dessa forma, aciono os frames CARPACCIO, OLIVEIRA, AZEITONA referentes às palavras ditas por Jesus– “carpaccio”, “oliveira” e “azeitona”. Mas é isso que acontece, pois Jesus vai tentando, aleatoriamente, várias palavras, dessa vez com uma pista dada pelo homem, que diz “Começa com J” Em resposta, Jesus diz “jipe, gigante, Judite, janela”, que acionam os seus respectivos frames JIPE, GIGANTE, JUDITE, JANELA. O homem, por sua vez, vai confirmando, ou não se está certo: “O que é Jipe? Gigante é com Jota”. O acionamento dos frames em questão não me causa o riso, pois a quebra não está neles, mas no frame JESUS, que além de não saber a palavra que cura, pois fica “chutando” qualquer palavra, ainda não sabe que “gigante” é com g e não com “jota”, ou seja, não domina a língua portuguesa, o que me faz rir.

Mais uma vez, o caráter humano de Jesus, que erra é evidenciado, o que é evidenciado pelo fato de o homem precisar orientá-lo para chegar a palavra certa, subvertendo a ideia de que Jesus é quem nos orienta, a quem deveríamos seguir,

pois “Ele é o caminho e a salvação” (BÍBLIA, ). Assim, Jesus só consegue descobrir a palavra correta com muita ajuda do homem, que vai dizendo “Já...Jar...Jard..”, até que Jesus adivinha e diz “Jardineira”, cujo frame é JARDINEIRA e os dois comemoram a descoberta da palavra, não a salvação/cura. Dessa forma, desde a primeira tentativa de acertar a palavra até a sua descoberta, a beira do caos se mantém, como também o meu riso, ambos sustentados pela subversão de elementos do frame JESUS, sobretudo, a onisciência.

5.2.4 Milagre

Os primeiros frames que aciono neste esquete são considerados na minha análise são: JESUS, BÍBLIA, FESTA, CONVIDADOS, BEBIDA, COMIDA, MÚSICA. Todos eles estão relacionados ao ambiente, ao momento e ao espaço em que os personagens encenam as cenas, baseados na percepção, os quais confirmo com a primeira fala de Zaqueu – “Jesus, querido, que bom que você veio. Tá gostando?” (PORTA DOS...., 2019) e de Jesus – “Festança boa... gostei da música no bandolim” (PORTA DOS..., 2019). Em seguida, por meio de outra fala do homem, percebo uma proximidade entre Jesus e esse homem, por meio da escolha das palavras e devido ao fato do dono da festa pedir um favor a Jesus, e aciono os seguintes frames: PEDIDO, FAVORZÃO, JESUS, MILAGRE, ZAQUEU, PROXIMIDADE, AMIZADE. Essa proximidade é percebida por mim tanto neste esquete quanto no esquete Palavra, o que me parece ser pelo espaço e tempo em que eles se desenrolam. Nesses esquetes, Jesus não foi crucificado ainda, dessa forma, está vivo e compartilha um mesmo plano humano com os demais personagens, inclusive, permite que Zaqueu use isso a seu favor. Percebo isso também, conforme o jogo evolui, por falas como “Podia fazer o que você fez no aniversário do Natanael? [...] um negócio que resolveu o problema do vinho”, dirigidas a Jesus, demonstrando interesse, na verdade, por algo que Jesus pode proporcionar.

Assim, além de acionar os frames JESUS, FAVOR, ANIVERSÁRIO, NATANAEL, VINHO, percebo que a proximidade entre Jesus e Zaqueu não é de amizade, mas sim pelo interesse, o que me faz substituir AMIZADE por FALSIDADE. Por consequência, há uma ruptura semântica no meu frame MILAGRE, uma vez que as cenas o subvertem, uma vez que a possibilidade de Jesus prover qualquer necessidade dos homens se transformam no atendimento a meros pedidos em uma

festa, como se ele fosse um garçom, por exemplo. Na continuidade das cenas, confirmo o meu riso e minha suspeita, pois o homem pede mais: “Frango a passarinho[...] “Pode ser pão com alho”, acionando os frames referentes a essas expressões – FRANGO A PASSARINHO e PÃO COM ALHO e OPÇÃO, o que me faz acionar frames como: GRAÇOM, PEDIDO, SUBSTITUIÇÃO DO PEDIDO. Isso irrita Jesus, o que observo na fala “Vocês só me chamam para festa, comemoração pra eu ficar multiplicando comida”, que tem a certeza que o estão usando, e me faz rir, pois me remete a características humanas de mágoa, o que não condiz com o que eu espero de Jesus, e essa fragilidade causa o riso em mim, humana.

Eventos de festa persistem em todo o esquete, mantendo meu riso, pois, descaradamente, por meio dos pedidos de Zaqueu e Natanael, “Podia fazer o que você fez no aniversário do Natanael? [...] um negócio que resolveu o problema do vinho”, Zagel – “fiz a festa do filho dele e ele nem olhou na minha cara” – e de um outro homem que se junta a eles, “Sou seu fã! Gente, são os melhores doces que eu comi na minha vida”, orientando o espectador para a confirmação de que Jesus tem mas talento para gastronomia que para salvação. Apesar de Jesus tentar sair dessa armadilha criada pelos homens – “eu quero salvar pessoas[..], quero que as pessoas me sigam” – eles atacam a vaidade de Jesus – “Mas você tem que conquistar as pessoas pelo estômago”. Isso também me faz rir, pois, mais uma vez, identifico um comportamento humano em Jesus.

Esse comportamento de proximidade entre Jesus e os demais personagens parece estar relacionado ao tempo em que se dá a interação, na época em que Jesus (“Cristo”) ainda está entre os mortais, como mais um mortal, mas que possui um talento, fazer milagres que, nesse caso, são: prover comida e bebida na festa. Devido a isso, após assistir ao esquete, meu frame JESUS passou a ter elementos como: humano, com dons especiais de gastronomia, ingênuo, vaidoso, realiza pedidos dos bajuladores. Ao fazer isso, percebo a crítica, na verdade, feita aos humanos e seguidores, sobre as suas atitudes em relação a Jesus: excessivos pedidos, bajulação( com suas orações, esperando recompensas divinas por isso), vaidade ( ao acreditarem que são especiais por acreditarem em Jesus) e ingênuos ( por acreditarem que Jesus pode salvá-los de todo esse comportamento não compatível com pessoas que creem nele).

5.3 FRAME INTERACIONAL

O frame interacional de cada um dos esquetes é comum a mim e as pessoas em geral, pois reconhecemos, por meio da evocação de frames, a situação comunicativa apresentada nos esquetes e , consequentemente, o ambiente, que, por sua vez, nos guia em relação às interações e eventos possíveis de acontecerem nos locais em que as cenas dos esquetes se desenrolam (FILLMORE, 1982; FELDMAN, 2006; DUQUE, 2017), os quais denominei da seguinte forma: Jesus te ama! – COMPRA DE MERCADORIA; Obrigada, Jesus – SITUAÇÃO MÉDICA; Palavra – ATENDIMENTO EM DOMICÍLIO; e Milagre – FESTA.

A respeito do frame interacional, Fillmore (1982) declara que só podemos compreender os conceitos em relação aos ambientes que os suscitaram, ou seja, os nossos frames estão relacionados aos ambientes que o subjazem. O ambiente, nesse caso, é o mesmo para todos, no entanto, a percepção desse ambiente varia de acordo com cada percebedor (GIBSON, 2015) e as minhas experiências nesse local são únicas e modelam meus frames, além de refletir na escolha lexical. Por essa razão, optei por nomear o frame interacional dos esquetes, respectivamente, por nomes de eventos que tais ambientes me remetem: COMPRA DE MERCADORIA (Jesus te ama!); SITUAÇÃO MÉDICA (Obrigada, Jesus); ATENDIMENTO EM DOMICÍLIO (Palavra); e FESTA (Milagre).

Observei, também, que a estrutura do frame interacional de cada esquete parece se organizar em uma série de eventos. Entre esses eventos, estão os que provocam quebra semântica, por meio de ações dos participantes que não estavam previstas na estrutura do frame interacional, o que acaba por provocar uma quebra semântica no desenrolar do jogo de linguagem complexo relacionado a esse frame, ressaltando a questão da constituência dos frames (DUQUE, 2017). A seguir, relaciono os eventos de cada esquete e, em vermelho, destaco aqueles que disparam o riso em mim e são, dessa forma, responsáveis pelas rupturas semânticas e, consequentemente, pela emergência do estado beira do caos no Jogo de linguagem complexo, uma vez que seu comportamento mostra-se equivalente a um Sistema Complexo Adaptativo (SCA).

Quadro 67 – Eventos, esquetes e riso

Jesus te ama! Frame interacional COMPRA DE MERCADORIA

Eventos

Escolha de mercadoria; Ajuda para pegar a mercadoria; Agradecimento pela ajuda; Interrupção feita por Jesus; Pronunciamento que não ama o

homem; questionamento do

homem; justificativa de Jesus; argumentação do homem; crítica de Jesus à justificativa do homem; o homem diz que vai melhorar, irritação de Jesus; interrupção da mulher; resposta de Jesus à mulher; aparecimento do ateu;

declaração de amor de Jesus ao ateu;

Obrigada, Jesus SITUAÇÃO MÉDICA Espera no hospital; notícia da cirurgia; Agradecimento a Jesus; Chegada de Jesus; revelação do responsável pela cura Visita a recém-nascido;recusa do homem em aceitar que Jesus não salvou; irritação de Jesus com o homem; Notícia de morte; Briga; Jesus revela que é o culpado.

Palavra ATENDIMENTO EM DOMICÍLIO Procura da casa; chegada à casa; Chamamento do cliente; Cumprimento; pedido de cura de salvação; Jesus não sabe a palavra da salvação; jogo de adivinhação longo; acerta a palavra; celebração; Despedida;

continuidade das atividades de rotina de cada um.

Milagre FESTA Ida à festa; encontro com Zaqueu;

Cumprimento entre os dois; Pedido de Zaqueu; realização do pedido; Novo pedido; negação do

pedido por Jesus;

Reconhecimento da ação de Zaqueu como aproveitador;

argumentação de Jesus; Contra- argumentarão de Zaqueu; Reconhecimento do talento gastronômico de Jesus; Satisfação de jesus em saber disso; Afirmação de que quer salvar pessoas com seus poderes; Argumentação de Zaqueu a favor do dom de Jesus; elogios a Jesus; mais elogios por um fã; Jesus se convence de seu talento verdadeiro; despedida. Fonte: autoria própria.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com esta pesquisa propus-me a analisar esquetes do coletivo de humor Porta dos Fundos com o intuito de evidenciar quais as estratégias discursivo-cognitivas utilizadas nesse material que tornam possível a emergência do riso. Esse propósito foi motivado pela minha observação de um padrão nesse material audiovisual, em que são apresentados aos personagens novos significados para conceitos já existentes, causando rupturas nesses conceitos, ocasionando uma quebra na expectativa desses personagens e a consequente necessidade de reconceptualização desses significados, o que resulta em uma mudança em seu comportamento, no meu caso, o riso.

Tal padrão me remeteu ao comportamento de um Sistema Complexo Adaptativo (SCA), no qual seus agentes em interação – , ao menos dois – possuem a capacidade de se ajustarem frente às rupturas causadas pela imprevisibilidade na relações dos seus elementos constituintes, causando um desequilíbrio momentâneo que deixa o sistema em um estado de beira do caos, do qual resulta uma mudança no seu comportamento, para reequilibrá-lo e impedir o caos.

A problemática a ser respondida surge dessa motivação e suscitou as seguintes questões: Na perspectiva ecológica-cognitiva de linguagem, como os esquetes do Porta dos Fundos podem ser categorizados; Que indexadores linguísticos (verbais e não verbais) estão envolvidos na elaboração dos sentidos nos esquetes do Porta dos Fundos?; Que recursos linguísticos estão diretamente relacionados às rupturas semânticas nos esquetes do Porta dos Fundos?; Em que medida as rupturas semânticas nos esquetes do Porta dos Fundos se relacionam à quebra de expectativa e como essa quebra pode ser categorizada?

Diante disso, o principal objetivo deste estudo foi o de investigar as estratégias discursivo-cognitivas utilizadas pelo coletivo Porta dos Fundos para causar riso em seus telespectadores. A pesquisa caracterizou-se como qualitativa, interpretativista, técnica de elaboração de dados jogos de linguagem e análise de conteúdo com a finalidade de alcançar as proposições deste estudo. A análises consideraram duas categorias: jogos de linguagem e frames – linguístico e interacional. Após a construção dos dados por meio dos esquetes Jesus te amo, Obrigado, Jesus; Palavra; e Milagre, eles foram analisados e seus resultados foram comparados entre si. Os pontos

convergentes e divergentes alicerçaram a análise e a discussão teórica, apontando possíveis respostas para as questões de pesquisa e o êxito deste estudo.

No que concerne à primeira questão, os dados resultantes das análises realizadas nos esquetes do Porta dos Fundos mostraram permitem confirmar que são jogos de linguagem complexos, formados por outros jogos de linguagem mais básicos. Devido a essa relação de constituência, não foi possível manter a proposta de analisar apenas os jogos de linguagem que apresentavam o estado da beira do caos, pois o entendimento das rupturas semânticas dos esquetes só é possível por meio da relação desses jogos. Isso parece se dá devido à questão do aterramento (DUQUE, prelo), da necessidade de fornecer aos participantes do jogo informações sobre a situação de comunicação em que estão inseridos. Identifiquei essa questão em minha análise dos esquetes, pois como telespectadora eu não poderia compreender as rupturas semânticas que viriam a seguir sem ter acesso ao jogo de linguagem inicial que antecede o que instala o estado de beira do caos, pois não estava naquele momento e espaço dos personagens.

Conforme a proposta ecológica-cognitiva dos jogos de linguagem (DUQUE, 2016), essas interações sociais são específicas e precisam ter dois ou mais participantes compartilhando a atenção sobre algo (TOMASELLO, 2003) em que se relacionam a um ambiente devido a possuírem uma base ecológica comum (STEEL, 2011; DUQUE, 2016, no prelo). Isso possibilita sua adaptação a situações imprevisíveis que venham a ocorrer, o que confirmou que seu comportamento se equivale a um SCA, pois os participantes conseguiram adaptar seus conceitos frente às rupturas semânticas, para manter a comunicação entre eles até o final dos esquetes e evitar o caos, mudança que causa um comportamento de riso, no caso da minha análise. Esse tipo de sistema é propício a rupturas momentâneas causadas por seus agentes, o que provoca um desequilíbrio e uma consequente reação de busca do equilíbrio, dinâmica responsável por sua manutenção e produtividade.

Quanto aos tipos de jogos de linguagem, houve a prevalência de quatro tipos de jogos básicos em todos os esquetes– a jogo de ação, postura e movimento; jogo de discriminação; jogo de descrição de evento; e jogo de identificação e construção de protótipo –, devido a estarem relacionados ao processo de categorização. Essa predominância, então, está relacionada ao fato desses esquetes fomentarem rupturas semânticas, exigindo dos participantes das interações a reformulação de conceitos, o

que demanda acesso às informações armazenadas a esse processo, conforme Duque (no prelo) aponta.

Quanto à segunda questão, confirmei a hipótese de que as informações

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