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O corpus desta dissertação foi constituído por esquetes do coletivo Porta dos Fundos, os quais abordam diferentes temas: fatos cotidianos, política e religião, entre outros. A motivação para isso foi a minha percepção de que a construção desse material apresenta aspectos recorrentes, cuja minha observância dessas características levou-me a pensar sobre que estratégias discursivo-cognitivas estariam envolvidas no processo de elaboração dos esquetes com o objetivo declarado de causar humor em seus espectadores.

Nessa perspectiva, percebi que os esquetes apresentam situações ou comportamentos não previstos, rupturas semânticas, o que me pareceu ser responsável por causar uma reação naquele que assiste, independentemente do assunto abordado. Assim, o material dos esquetes se mostrou adequado para esta pesquisa, que adota uma visão ecológico-cognitiva das interações (DUQUE, 2016, 2017, no prelo), ou seja, contempla as informações perceptuais (affordances) e linguísticas (verbal e não verbal) presentes nas situações comunicativas, as quais acionam as unidades conceptuais básicas, denominadas frames (LAKOFF, 2014; DUQUE, 2015, 2016, 2017) nessa concepção de linguagem.

As relações estabelecidas entre participantes de situações sociais, segundo tal perspectiva teórica, são denominadas jogos de linguagem (WITTGENSTEIN, 2012; STEELS, 2011; DUQUE, no prelo) e parecem se comportar como um Sistema Complexo Adaptativo (SCA) (RZEVISK, [201?]; DUQUE, no prelo). Uma das características desse tipo de sistema são as quebras semânticas ocasionadas por uma ação e/ ou inserção de uma informação linguística não esperada pelos participantes dos jogos, o que instaura um estado de não equilíbrio no sistema, o estado de beira do caos, do qual resulta em uma reação/sensação naquele que recebe a informação não esperada.

Segundo Bardin (1977, p. 96), uma vez definido o universo da análise, é necessário proceder com a elaboração do corpus, o que pode implicar em seleções, escolhas e regras. Nesse contexto, o autor aponta quatro regras principais para atingir tal objetivo:

Regra da euxastividade; uma vez definido o campo do corpus, é preciso terem-se em conta todos os elementos desse corpus [...]. Regra da representatividade: a análise pode efctuar-se numa amostra desde que o material a isso se preste. A amostragem diz-se rigorosa se a amostra for uma parte representativa do universo inicial [...]

(sendo conhecidas as frequências das características da população, retomamo-las na amostra, em proporções reduzidas).

Regra da homogeneidade: os documentos retidos devem ser homogêneos, [...] e não apresentar demasiada singularidade fora destes critérios de escolha.

Regra de pertinência: os documentos retidos dessem ser adequados, enquanto fonte de informação, de modo a corresponderem ao objetivo que suscita a análise.

Assim, considerando que os esquetes obedecem a tais regras, optei por compor o corpus desta pesquisa por quatro esquetes, todos eles com o personagem Jesus, considerando situações em que ora se desenrolam no plano humano, ora no plano divino, quais sejam: Obrigada, Jesus!, Jesus te ama, Milagre e Palavra.

O corpus reduzido, além de atender aos critérios propostos pela Análise de Conteúdo de Bardin (1977), também atende à natureza qualitativa desta pesquisa, cujo foco recai no entendimento dos fenômenos, considerando os diversos fatores envolvidos (MINAYO, 2001; 2007). Dessa forma, o intuito desse tipo de pesquisa não tem como preocupação quantificar fenômenos, mas, sim, compreendê-los, ideia corroborada por métodos de pesquisa em Linguística Cognitiva, área em que esta pesquisa se insere.

Segundo esses estudos, um corpus reduzido possibilita estudar minuciosamente os aspectos relacionados aos fenômenos estudados, conforme aponta Waugh et al (2007). Esses autores, em sua pesquisa a respeito do discurso de comunidades, com foco em eventos comunicativos específicos realizados entre duas ou mais pessoas, defendem que um corpus dito pequeno pode ser grande suficientemente para alcançar os objetivos da pesquisa qualitativa, uma vez que permite ao pesquisador se concentrar nos detalhes da interação linguística dos participantes desses eventos.

3.2.1 Técnica de coleta de dados: Jogos de linguagem

Neste estudo, utilizamos uma técnica de coleta de dados em consonância com a concepção ecológico-cognitiva da linguagem. Nessa perspectiva, as interações sociais são denominadas jogos de linguagem, que podem ser simples ou complexos, conforme as seguintes características:

a) jogos simples estão relacionados a interações mais simples, cujo intuito comunicativo é mais básico como, por exemplo, nomear objetos, descrever eventos, ativar e evocar frames etc.; e

b) jogos complexos envolvem vários jogos simples em sua constituição, em que uns constituem os outros (DUQUE, no prelo).

Assim, partindo da observação, identificação e seleção desses jogos, obtive os dados para realizar as análises neste estudo. Para realizar a seleção dos jogos de linguagem presentes no corpus, utilizei um método de transcrição e análise de dados desenvolvido para estudos que utilizem vídeos, material de natureza audiovisual.

Desenvolvido por Lima (2015), para estudos na área da matemática, esse método se mostrou adequado por três razões: ser um método já validado; proporcionar ao pesquisador maior assertividade, por meio do direcionamento da sua atenção para os eventos críticos; e, consequentemente, por reduzir o tempo dedicado à transcrição e a análise, aplicadas aqui apenas aos eventos críticos segundo ao objetivo da sua pesquisa. Esse método possui seis etapas: 1. assistir aos vídeos; 2. selecionar os eventos críticos; 3. descrever os eventos críticos; 4. transcrever os eventos críticos; 5. discutir os dados encontrados; e 6. limpar os dados das transcrições.

Nesta pesquisa, adotei as mesmas etapas e a mesma sequência, adequando- as ao instrumento de pesquisa aqui utilizado: jogo de linguagem. Dessa forma, segui as seguintes etapas: 1. assisti aos quatro esquetes do Porta dos Fundos do corpus desta pesquisa; 2. selecionei os jogos de linguagem que apresentavam a beira do caos em cada um dos esquetes; 3. Descrevi cada um dos jogos de linguagem identificados por mim; 4. transcrevi as falas dos personagens participantes dos jogos de linguagem desses esquetes; 5. refleti sobre os dados encontrados; e 6. limpei os dados encontrados nas transcrições, determinando, dessa forma, quais seriam utilizados na pesquisa. Ao seguir essas etapas, no entanto, acabei por verificar que não seria possível utilizar apenas os jogos de linguagem que apresentassem a beira do caos, o desequilíbrio momentâneo, a quebra de expectativa. Isso porque os jogos de linguagem que compõem um esquete são orientados por uma ordem de seus eventos, o que fez com que fosse necessário analisar todos os jogos de linguagem, sob a pena de não se conseguir compreender as rupturas semânticas.

3.2.2 Técnicas de análise dos dados: análise de conteúdo baseada em jogos de linguagem e em frames

Nesta pesquisa, adotamos a análise de conteúdo como técnica de análise de dados. Segundo Minayo (2007), a análise de conteúdo tem como objetivo relacionar estruturas semânticas com estruturas sociológicas, articulando, assim, a materialidade linguística com os fatores socioculturais e os processos de produção da mensagem que determinam suas características. Assim, sua finalidade “é classificar e categorizar qualquer tipo de conteúdo, reduzindo suas características a elementos- chave, de modo que sejam comparáveis a uma série de outros elementos” (CARLOMAGNO; ROCHA, 2016, p. 175).

No caso desta pesquisa, classificar e categorizar o conteúdo dos esquetes do coletivo Porta dos Fundos que apresentam a beira do caos por meio das categorias jogo de linguagem e frames. Nesse contexto, considera uma materialidade linguística constituída pelo verbal e o não verbal, ou seja, por informações perceptuais e linguísticas utilizadas na construção desse material, as quais estão atreladas às questões socioculturais e a um contexto interacional. A técnica de análise de conteúdo, conforme Bardin (1977) aponta, possui três fases principais: pré-análise, exploração dos dados e tratamento dos resultados – a inferência e a interpretação. A primeira fase consistiu na escolha do material que será analisado, na constituição do corpus – considerando os critérios da exaustividade, representatividade, homogeneidade e pertinência; na elaboração de hipóteses e objetivos; na formulação de indicadores que fundamentarão a interpretação final; e na preparação do material. A segunda fase consistiu na operação de codificação e categorização, o que se dá de acordo com o que foi estabelecido na primeira fase. E a terceira consistiu no tratamento dos resultados brutos “de maneira a serem significativos (falantes) e válidos” (BARDIN, 1977, p. 101), além da retomada do referencial teórico para embasar as análises, o que possibilitou fazer inferências e dar sentido à minha interpretação.

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