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Porta dos Fundos: um estudo ecológico-cognitivo do humor à beira do caos

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM ÁREA DE PESQUISA: LINGUÍSTICA TEÓRICA

LINHA DE PEQUISA: DISCURSO, COGNIÇÃO E INTERAÇÃO

ANA PAULA DA MOTTA BOTELHO GADELHA

PORTA DOS FUNDOS: UM ESTUDO ECOLÓGICO-COGNITIVO DO HUMOR À BEIRA DO CAOS

NATAL 2020

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Ana Paula da Motta Botelho Gadelha

PORTA DOS FUNDOS: UM ESTUDO ECOLÓGICO-COGNITIVO DO HUMOR À BEIRA DO CAOS

Dissertação apresentado ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem – PPgEL –, do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra em Estudos da Linguagem.

Área de Concentração: Linguística Teórica e Descritiva.

Linha de Pesquisa: Discurso, Cognição e Interação.

Orientador: Prof. Dr. Paulo Henrique Duque.

NATAL 2020

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA

Gadelha, Ana Paula da Motta Botelho.

Porta dos Fundos: um estudo ecológico-cognitivo do humor à beira do caos / Ana Paula da Motta Botelho Gadelha. - Natal, 2020.

144f.: il. color.

Dissertação (mestrado) - Centro de Ciência Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2020. Orientador: Prof. Dr. Paulo Henrique Duque.

1. Linguagem e cognição - Dissertação. 2. Jogos de linguagem - Dissertação. 3. Sistema Complexo Adaptativo - Dissertação. 4. Humor - Dissertação. 5. Porta dos Fundos - Dissertação. I. Duque, Paulo Henrique. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 81'27

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Suzana e Múcio (in memoriam), pelo amor e dedicação. Aos meus irmãos, Múcio, Josana e Juliana, pela cumplicidade.

Ao meu sobrinho Thiago e minhas sobrinhas Maria Luíza, Ana Júlia e Maria Clara, pela confiança e pelo amor.

À minha amiga Gerlanne da Cunha Tavares, pela amizade e paciência. Aos amigos Wildson e Cíntia, pelo carinho e incentivo.

Às amigas Edineide, Cris, Jéssica, Manu e Nara, pela generosidade.

Ao meu orientador, professor Dr. Paulo Henrique Duque, pelo compartilhamento de tanto conhecimento e pela confiança na minha capacidade como pesquisadora. À professora Dra. Ada Lima, pela participação na Banca de Qualificação.

À professora Dra. Maria da Penha Casado Alves, pela participação na Banca de Qualificação e na Banca de Defesa.

Ao professor Ricardo Yamashita, pela participação na Banca de Defesa.

Aos colegas do Grupo de Pesquisa Cognição e Práticas Discursivas (UFRN), especialmente a Túlio e a Ilana.

À UFRN, pelo compromisso com o desenvolvimento humano.

À SEDIS, pela oportunidade de contribuir, como bolsista de revisão, com a sua missão de levar a educação a todos, por meio da sua modalidade a distância.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela concessão de bolsa de mestrado, por meio do Programa de Pós-graduação de Estudos da Linguagem (PPgEL), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

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RESUMO

Esta pesquisa busca investigar o humor de esquetes do coletivo Porta dos Fundos. Assim, tem como objetivo principal verificar as estratégias cognitivas e linguísticas (verbais e não verbais) utilizadas na produção desse material audiovisual que proporcionam o riso em seus telespectadores. Para isso, este estudo utiliza as categorias de análise frames (FILLMORE, 1982; LAKOFF, 2012, 2014; DUQUE, 2017) e jogos de linguagem (WITTGENSTEIN, 2012; STEELS, 2206, 2011; DUQUE, 2016; no prelo), numa perspectiva complexa e adaptativa (RZEVISK, [201?]; DUQUE, 2017) e está respaldado na abordagem ecológico-cognitiva da Linguagem (DUQUE, 2015, 2016, 2017,2018), vertente da Linguística Cognitiva cuja condição inicial é a relação organismo-ambiente (GIBSON, 2015). Este trabalho segue o paradigma interpretativista de pesquisa e, assim, opta pela abordagem qualitativa, uma vez que seu interesse recai na compreensão e interpretação da semiose das relações humanas (MINAYO, 2007). As análises efetuadas sugerem que os jogos de linguagem nesses esquetes são orientados por estruturas cognitivas extremamente dinâmicas que, devido à sua fluidez e dinamicidade, sofrem turbulências com a inserção de informações novas em qualquer um dos componentes do sistema complexo e adaptativo. Tais turbulências estariam vinculadas, portanto, a diversos comportamentos do telespectador, não se restringindo apenas ao humor.

Palavras-chave: Linguagem e Cognição. Jogos de Linguagem. Sistema Complexo

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ABSTRACT

This research seeks to investigate the humor of sketches of the comedy collective who go by the name of Porta dos Fundos (Back Door). Thus, its main objective is to verify the cognitive and linguistic strategies (verbal and nonverbal) used in the production of this audiovisual material that makes its viewers laugh. For so, this study uses the categories of analysis frames (FILLMORE, 1982; LAKOFF, 2012, 2014; DUQUE, 2017) and language games (WITTGENSTEIN, 2012; STEELS, 2006, 2011; DUQUE, 2016; no prelo), in a complex and adaptive perspective (RZEVISK, 2011; DUQUE, 2017). Furthermore, it is supported by the ecological-cognitive approach of language (DUQUE, 2016, 2017, 2018) which is an aspect of Cognitive Linguistics whose initial state is the organism-environment relationship (GIBSON, 2015). This work follows the interpretative paradigm of research and, in doing so, opts for the qualitative approach since its interest lies in understanding and interpreting the semiosis of human relations (GERHARDT ET AL, 2009). Examinations performed suggest that language games in the sketches are guided by extremely dynamic cognitive structures that, due to their fluidity and dynamics, suffer turbulence with the insertion of new information in any of the components of the complex and adaptive system. Such turbulences would be linked, therefore, to several behaviors of the viewer, not restricted to humor only. Keywords: Language and Cognition. Language Games. Adaptive Complex System. Humor. Porta dos Fundos (Back door).

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Lista de Figuras

Figura 1 – Homem e mulher interagindo no supermercado...40

Figura 2 – Brigada, Jesus te ama!...40

Figura 3 – A Chegada de Jesus...42

Figura 4 – Jesus não ama a todos...44

Figura 5 – Por que não?...45

Figura 6 – Eu vou à igreja...47

Figura 7 – Não vá à missa, por favor...49

Figura 8 – A ira de Jesus...51

Figura 9 – Desculpa!...51

Figura 10 – Esse aqui eu amo pra...52

Figura 11 – Obrigada, Jesus!...66

Figura 12 – Foi o médico!...67

Figura 13 – Tô só passando...69

Figura 14 – O mérito é dele...70

Figura 15 – Não fui eu! ...71

Figura 16 – A humildade é a maior das virtudes...72

Figura 17 – Agora fui eu ...73

Figura 18 – Jesus?...80

Figura 19 – Formiga, carpaccio...82

Figura 20 – Êêêê... Consegui!...82

Figura 21 – Oi!...88

Figura 22 - Ê... Jesus! (ufa)...89

Figura 23 – Quebra essa pra mim, Jesus!...90

Figura 24 – Sai um vinho aí, Jesus!...91

Figura 25 – Fui eu que fiz!...93

Figura 26 – Cena de aterramento do esquete Jesus te ama...101

Figura 27 – Cena de aterramento do esquete Obrigada, Jesus!...102

Figura 28 – Cena de aterramento do esquete Palavra...102

Figura 29 – Cena de aterramento do esquete Milagre...103

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Quadro 1 – Exemplo de indexadores linguísticos verbais e não verbais...25

Quadro 2 – Processo de reframing...29

Quadro 3 – Reframing como mecanismo regulador de um SCA...30

Quadro 4 – Jogo de linguagem complexo esquete Palavra – primeira cena...34

Quadro 5 – Etapas falante e ouvinte na execução de um jogo de linguagem...35

Quadro 6 – Jogos simples e etapas de um jogo de linguagem complexo... 36

Quadro 7 – Descrição de jogos responsáveis pela categorização...38

Quadro 8 – Equivalência entre SCA, Jogo de Linguagem e esquete...42

Esquete Jesus te ama Quadro 9 – Jogos de linguagem – sequência 1...65

Quadro 10 – Jogos de linguagem – sequência 2...66

Quadro 11 – Jogos de linguagem – sequência 3...67

Quadro 12 – Jogos de linguagem – sequência 4...69

Quadro 13 – Jogos de linguagem – sequência 5...70

Quadro 14 Etapas de um jogo de linguagem complexo – esquete Jesus te ama...72

Quadro 15 – Jogos de linguagem – sequência 6...74

Quadro 16 – Jogos de linguagem – sequência 7...76

Quadro 17 – Frames acionados pela expressão “Brigada, Jesus te ama...77

Quadro 18 – Frame JESUS: homem, mulher e Jesus...79

Quadro 19 – Frames acionados por “você é babaca, ele é babacoide”...79

Quadro 20 – Frames BABACA ampliado...80

Quadro 21 – Frames evocados em “retuita Bolsonaro, posta foto de comida no face. [...] manda foto de ex no WhatsApp”...80

Quadro 22 – Frame MISSA 1...82

Quadro 23 – Frame MISSA 2...82

Quadro 24 – Evolução do frame JESUS 1...84

Quadro 25 – Frame JESUS 2 ...85

Quadro 26 – Frame ATEU atualizado......86

Quadro 27 – Frame interacional COMPRA DE MERCADORIA 1...87

Quadro 28 – Frame interacional COMPRA DE MERCADORIA 2...89

Esquetes Obrigada Jesus Quadro 29 – Jogos de linguagem – sequência 1...90

Quadro 30 – Jogos de linguagem – sequência 2 ...92

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Quadro 32 – Jogos de linguagem – sequência 4...94

Quadro 33 – Jogos de linguagem – sequência 5...95

Quadro 34 – Jogos de linguagem – sequência 6...96

Quadro 35 – Jogos de linguagem – sequência 7...97

Quadro 36 – Frames acionados por “Renato, a operação foi ótima, deu tudo certo”.98 Quadro 37 – Frames acionados por “Obrigada, Jesus”...98

Quadro 38 – Frame MÉDICO ...99

Quadro 39 – Frame Jesus ...100

Quadro 40 – Frame interacional SITUAÇÃO MÉDICA 1...101

Quadro 41 – Frame interacional SITUAÇÃO MÉDICA 2...101

Esquete Palavra Quadro 42 – Jogos de linguagem – sequência 1...103

Quadro 43 – Jogos de linguagem – sequência 2...104

Quadro 44 – Jogos de linguagem – sequência 3...106

Quadro 45 – Frames evocados pelo indexador linguístico “Ô de casa”...106

Quadro 46 – Frames acionados pelo indexador linguístico “Jesus!” ...107

Quadro 47 – Frame JESUS – evolução...107

Quadro 48 – Frame interacional ATENDIMENTO EM DOMICÍLIO1...109

Quadro 49 – Frame interacional ATENDIMENTO EM DOMICÍLIO 2... 109

Esquete Milagre Quadro 50 – Jogos de linguagem – sequência 1...111

Quadro 51 – Jogos de linguagem – sequência 2...112

Quadro 52 – Jogos de linguagem – sequência 3...113

Quadro 53 – Jogos de linguagem – sequência 4...114

Quadro 54 – Jogos de linguagem – sequência 5...115

Quadro 55 – Jogos de linguagem – sequência 6...116

Quadro 56 – Frames acionados pelas informações não verbais...116

Quadro 57 – Frames acionados em “Jesus, querido, que bom que você veio. Tá gostando?”...117

Quadro 58 – Frames acionados em “Festança boa.. gostei da música no bandolim”117 Quadro 59 – Frames acionados pelo trecho “Podia fazer o que...[...]” ...118

Quadro 60 – Frames acionados por “[...] negócio que resolveu o problema do vinho”...118

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Quadro 61 – Frames acionados por “Vocês só me chamam para festa [...]”...119

Quadro 62 – Frames acionados por “eu quero salvar gente [...]”...119

Quadro 63– Jesus cozinheiro x Jesus salvador...120

Quadro 64 – Frame interacional FESTA 1...121

Quadro 65– Frame interacional FESTA 2...121

Quadro 66 – Frame interacional FESTA 3...122

Quadro 67 – Eventos, esquetes e riso...135

Quadro 68 – Principais frames acionados em cada esquete...139

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Lista de notações

Aspas duplas – expressões linguísticas. Aspas simples – formas linguísticas. Itálico – componentes dos frames. Versalete – frames (conceitos).

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 15

1 LINGUÍSTICA COGNITIVA: DA MODULARIDADE À CORPORALIDADE ... 19

1.1 A ABORDAGEM ECOLÓGICA-COGNITIVA DA LINGUAGEM: UMA PROPOSTA BASEADA NA UNIDADE ORGANISMO-AMBIENTE ... 22

1.1.1 Affordances e invariantes: as informações fornecidas pelo ambiente ... 23

1.1.2 Frame: a informação linguística ... 24

1.1.3 Jogo de linguagem: uma perspectiva ecológico-cognitva da interação sociocultural ... 31

2 ESTADO DA ARTE ... 48

3 METODOLOGIA ... 55

3.1 Tipo de pesquisa ... 55

3.2 Processo de elaboração do corpus ... 55

3.2.1 Técnica de coleta de dados: Jogos de linguagem... 57

3.2.2 Técnicas de análise dos dados: análise de conteúdo baseada em jogos de linguagem e em frames ... 59

3.3 Procedimentos de análise de dados... 59

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS ... 62

4.1 ESQUETE JESUS TE AMA ... 63

4.1.1Jogos de linguagem ... 63

4.1.2 Frames ... 76

4.1.3 Frame interacional... 86

4.2 ESQUETE OBRIGADA, JESUS! ... 89

4.2.1 Jogos de Linguagem ... 90

4.2.2 Frames ... 97

4.2.3 Frame interacional... 100

4.3 ESQUETE PALAVRA ... 102

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4.3.2 Frames ... 106 4.3.3 Frame interacional... 108 4.4 MILAGRE ... 110 4.4.1 Jogos de Linguagem ... 110 4.4.2 Frames ... 116 4.4.3 Frame interacional... 120

5 ANÁLISE SUBJETIVA DOS DADOS ... 123

5.1 JOGOS DE LINGUAGEM ... 123

5.2 FRAMES ... 126

5.2.1 Esquete Jesus te ama ... 126

5.2.2 Obrigado, Jesus! ... 129 5.2.3 Palavra ... 131 5.2.4 Milagre ... 132 5.3 FRAME INTERACIONAL ... 134 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 137 REFERÊNCIAS ... 142

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INTRODUÇÃO

A motivação para o desenvolvimento desta pesquisa de mestrado surgiu durante reuniões do grupo de pesquisa Cognição e Práticas Discursivas, cujo coordenador é o Professor Doutor Paulo Henrique Duque, também meu orientador. Em um desses encontros de orientação, o professor informou que a Professora Hanna Batoréo, da área de Linguística Cognitiva, vinculada à Universidade Aberta de Portugal, iria ministrar algumas aulas e palestra na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Entre essas, havia uma aula referente ao tema humor, intitulada Humor e ironia na perspectiva da Linguística Cognitiva, a qual meu orientador sugeriu assistir.

Após assistir a essa aula, em abril de 2018, meu interesse por esse tema aumentou e comecei a procurar um corpus que me propiciasse observar as questões relacionadas à emergência do humor nas interações, tarefa um tanto difícil para alguém com um senso de humor peculiar (pegadinhas e piadas em geral, por exemplo, não se encaixam na minha concepção de humor). Nessa busca, acabei por me decidir por estudar episódios de uma série americana chamada Lucifer, veiculado pela plataforma de streaming Netflix, que apresenta uma proposta de interações entre personagens que vivem em mundo diferentes, no caso o diabo e a detetive Decker. O diabo fala tudo de forma direta, assumindo sua identidade para a sua parceira principal de cena, mas ela compreende tudo no sentido metafórico, o que causa um desencontro de conceitos nas cenas, pois os personagens possuem diferentes concepções de mundo, o que me diverte, causando, consequentemente, o riso.

No entanto, devido a essa série possuir episódios longos, em média 40 minutos, as situações que me interessavam, quebras de expectativa causadas pela diferença conceptual entre o que era dito por esse personagem e o que era assimilado pela detetive Decker, com quem Lúcifer contracenava a maior parte do tempo, só se efetivavam em uma cena posterior. Além desse fato, a língua original da série é o inglês, o que afetaria na análise, uma vez que todas as interações se baseavam no sentido que as falas de Lúcifer se concretizavam em metáforas para a detetive Decker, e as metáforas estão baseadas em nossas experiências socioculturais. Devido a isso, acabei por descartar o material e as análises realizadas.

Assim, parti em busca de um material audiovisual com as mesmas características de produção, ou seja, com um humor que emergisse de situações em

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que os personagens experimentassem concepções diferentes de mundo. E, nesse caminho, acabei por apresentar ao meu orientador os esquetes1 produzidos pelo coletivo Porta dos Fundos como possibilidade de corpus, pois já conhecia o material e me identificava com a sua proposta de humor.

Esse grupo tem como atividade a criação e a produção de conteúdo semanal para veiculação na internet, abordando diversos assuntos, como política, religião, futebol, entre outros, sempre com o objetivo de causar o riso, uma vez que se autodenominam como produtores de material de humor. Essas produções causam em mim, como telespectadora, o riso, o que corrobora a proposta de humor dessas produções, no entanto, outros materiais ditos de natureza humorística não causam essa reação em mim. Isso me levou a pensar que o comportamento de outras pessoas ao assistirem esses esquetes podem ser diferentes do meu.

Meu interesse parecia estar relacionado à subversão apresentada nos esquetes, ou seja, meu riso parecia emergir das reviravoltas apresentadas nesses vídeos de curta duração, em que comportamentos inesperados são apresentados pelos personagens dos esquetes, e isso suscitou em mim uma curiosidade a respeito das estratégias utilizadas pelo coletivo Porta dos Fundos para proporcionar aos seus telespectadores o riso como reação às cenas apresentadas.

Um mês depois de tomar essa decisão sobre o corpus, segui para o GELNE, evento que ocorreu no mês maio de 2018, em Vitória da Conquista – BA, onde tive a oportunidade de participar de um minicurso ministrado pelo professor Felipe F. Kupske (UFBA), cujo título era Complexidade, Cognição e Desenvolvimento, em que foram abordadas teorias sobre os sistemas complexos, sistemas dinâmicos, caos e cognição. Voltei desse evento ainda mais motivada – e mais intrigada também –, pois o contato mais aprofundado com tais teorias, de alguma forma, parecia confirmar a minha impressão sobre a relação entre as reviravoltas percebidas por mim nos esquetes e a minha reação ao assistir tal material.

1Esquete é uma peça de curta duração, geralmente de caráter cômico, produzida para teatro, cinema, rádio ou televisão. O termo em inglês com o mesmo significado é sketch”. Cada esquete tem cerca de 10 minutos de duração. Os atores ou comediantes possuem forte capacidade de improvisação. Os temas para os esquetes são variados, mas geralmente incluem paródias sobre política, cultura e sociedade” (https://www.significados.com.br/esquete/).

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Essas reviravoltas pareciam se equivaler às rupturas que ocorrem nos Sistemas Complexos Adaptativos, as quais fazem emergir um estado de desequilíbrio momentâneo denominado beira do caos. Tais rupturas exigem uma adaptação do sistema, o que causa uma mudança em seu comportamento, de forma que possa se adaptar a uma nova situação, no meu caso, parecia se equivaler ao humor, um humor à beira do caos, caracterizado pelo meu riso. Esses fatores me levaram a escolha do objeto de pesquisa e do título desta dissertação: Porta dos fundos: um estudo ecológico-cognitivo do humor à beira do caos.

Assim, no intuito de examinar tais questões envolvidas nesse processo, senti-me motivada a dar continuidade à pesquisa com o material do Porta dos Fundos, sobretudo por ser compatível com a Abordagem Ecológica-cognitiva da Linguagem (DUQUE, 2016, 2017, 2018, no prelo). Esse viés teórico se fundamenta na relação organismo – ambiente, a qual, a princípio, é responsável pela emergência da cognição e do comportamento linguístico, que, gradativamente, evolui, por meio das interações sociais. Esses esquetes, por sua natureza audiovisual, então, me possibilitariam a análise dessa relação – pela observação dos gestos e movimentos dos personagens, bem como as informações dos elementos que formam o ambiente desses esquetes – quanto das expressões linguísticas utilizadas nas interações dos personagens.

Assim, o corpus se mostrou compatível com a concepção ecológica-cognitiva da linguagem e, por consequente, com a investigação proposta por minha pesquisa, pois ambos consideram recursos linguísticos de natureza verbal e não verbal. Nessa vertente teórica, esses recursos são responsáveis por acionar mecanismos cognitivos denominados frames (LAKOFF, 2014; DUQUE, 2017) envolvidos na elaboração dos sentidos. Assim, com base nessas observações, formulei as seguintes perguntas de pesquisa, quais sejam:

a) na perspectiva ecológico-cognitiva de linguagem, como os esquetes do Porta dos Fundos podem ser caracterizados?

b) Que indexadores linguísticos (verbais e não verbais) envolvidos na elaboração dos sentidos nos esquetes do Porta dos Fundos?

c) Que recursos linguísticos estão diretamente relacionados a rupturas semânticas nos esquetes do Porta dos Fundos?

d) em que medida as rupturas semânticas nos esquetes do Porta dos Fundos se relacionam à quebra de expectativa e como essa quebra pode ser categorizada?

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Como forma de responder a esses questionamentos, elaborei o objetivo geral desta pesquisa, qual seja: explicitar as estratégias discursivo-cognitivas utilizadas pelo coletivo Porta dos Fundos em seus esquetes para causar o riso numa Abordagem Ecológico-cognitiva de linguagem. A partir disso, tracei objetivos específicos, quais sejam:

a) caracterizar os esquetes do Porta dos Fundos em termos de jogos de linguagem;

b) identificar recursos linguísticos (verbais e não verbais) adotados nos esquetes do Porta dos Fundos para a construção, evocação e modelagem de sentidos;

c) analisar os recursos linguísticos que estão diretamente relacionados com rupturas nos padrões semânticos utilizados nos esquetes do Porta dos Fundos; d) relacionar as rupturas semânticas instauradas nos esquetes do Porta dos Fundos a diferentes tipos de quebra de expectativa.

Pensando em atender o intuito desta pesquisa, explicitado por meio dos objetivos apresentados, organizei o trabalho em seções, no total de sete. Na primeira seção, apresento o referencial teórico que fundamenta esta pesquisa, na qual mostro um suscinto panorama da Linguística Cognitiva, apresento a Abordagem Ecológica-cognitiva da Linguagem (DUQUE, 2016, 2017,2018), bem como as noções de affordance (GIBSON, 2015), frame (LAKOFF, 2014; DUQUE, 2015, 2016, 2017), jogo de linguagem (STEELS, 2011; DUQUE, 2017; no prelo) e Sistema Complexo Adaptativo (RZEVISK, [201?]; DUQUE, 2016). Na segunda seção, está o estado da arte, em que apresento trabalhos cujo escopo está relacionado ao humor, que serviu de motivação para a realização deste estudo. Na terceira seção, está a metodologia utilizada nesta pesquisa, que comtempla a natureza deste estudo, o processo de elaboração do corpus e o procedimento de análise de dados. Na quarta seção, apresento a análise e discussão dos dados construídos a partir dos esquetes, e a análise e discussão desses dados na minha percepção desses esquetes. Na quinta seção, faço a discussão geral dos dados das análises realizadas. Na sexta seção, apresento a conclusão deste trabalho, estabelecendo uma relação entre os objetivos e os achados de pesquisa. Por fim, na sétima seção, relaciono as referências utilizadas na elaboração desta dissertação.

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1 LINGUÍSTICA COGNITIVA: DA MODULARIDADE À CORPORALIDADE

Os estudos da linguagem apresentam diversas vertentes que visam analisar as peculiaridades de uma língua e verificar os fenômenos linguísticos, conforme seus pressupostos teóricos. Nesse contexto, encontra-se a Linguística Cognitiva (doravante LC), a qual se caracteriza por uma concepção integradora, em que linguagem, cognição e contexto sociocultural estabelecem uma relação de troca mediada pelo nosso corpo, ou seja, uma abordagem teórica da linguagem na qual

[...] as unidades e estruturas da linguagem são analisadas não como entidades autônomas, mas como manifestações de capacidades cognitivas gerais da organização conceptual, de princípios de categorização, de mecanismos de processamento e da experiência cultural, social e individual. (DUQUE, 2011, p.89).

. No entanto, o processo de construção dessa vertente teórica foi longo e iniciou-se com os estudos do linguista Noam Chomsky, inaugurados na década de 1950. Nessa época, Chomsky apresentou ao mundo o gerativismo, uma tendência nos estudos linguísticos que entende a linguagem como um sistema autônomo constituído por princípios inatos relacionados à estrutura gramatical das línguas.

De acordo com Chomsky, o aspecto relevante da linguagem é o procedimento recursivo (gerativo), que se sustenta numa gramática universal inata. Linguística seria, então, uma ciência da mente-cérebro, mais próxima da Neurociência, da Biologia e da Física, do que da gramática estrutural, tradicional ou da Sociologia (DUQUE; COSTA, 2012, p. 50).

Nessa proposta teórica, o linguista apresenta a dicotomia competência e desempenho. O primeiro elemento diz respeito aos aspectos universais da linguagem, estudados por meio de um falante ideal, em situações ideais de produção de linguagem, o qual está relacionado à sintaxe. O segundo se refere às questões socioculturais, comuns ao uso da língua por falantes reais, em situações reais, referente à semântica.

Em sua abordagem gerativista, Chomsky privilegia a sintaxe, mais que isso, institui sua autonomia em relação à semântica, integrada a um projeto que entende a mente como um conjunto de módulos, entre eles o da linguagem (DUQUE; COSTA, 2012). Apesar de esse aspecto excludente e modular, indubitavelmente, os estudos

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chomsckianos trouxeram um grande avanço para o campo dos estudos da linguagem, uma vez que apontaram a importância do entendimentos dos aspectos cognitivos envolvidos na compreensão da linguagem, “relativos ao modo como nossa mente interage com o mundo que nos cerca, além dos processos que permeiam essa interação” (MARTELOTTA; PALOMANES, 2016, p. 177). Dessa forma, esses estudos deslocaram a Linguística para a área das ciências naturais, e esse período dos estudos linguísticos recebeu o nome de primeira geração cognitivista.

No processo natural e contínuo do desenvolvimento científico, entre os anos de 1970 e 1980, vários pesquisadores passaram a se posicionar contra essa abordagem sintaticocêntrica proposta por Chomsky, entre eles Ronald Langaker, George Lakoff e Charles Fillmore (MARTELLOTA; PALOMANES, 2016). Insatisfeitos com o lugar destinado à Semântica nos estudos gerativistas, esses autores, estudiosos da Semântica Gerativa, passaram a questionar a ausência da relação entre sintaxe e semântica nesses estudos (FERRARI, 2014). Esses estudiosos passaram a adotar a denominação Linguística Cognitiva para identificar os estudos que surgiram a partir dessa dissidência de base teórica, implementando, assim, a segunda geração cognitivista.

Com o intuito de reconhecer o lugar da Semântica nos estudos da linguagem, esses autores propuseram o afastamento de determinados pressupostos do gerativismo, tais como: a modularidade da mente; a linguagem como um sistema autônomo, constituído por princípios inatos relacionados à estrutura gramatical das línguas; e o falante/ouvinte ideal. Em contrapartida, ofereceram três pressupostos básicos e gerais para essa nova perspectiva dos estudos da linguagem:

(I) as faculdades cognitivas não são separadas: ao contrário do que postula o paradigma chomskiano, a linguagem não constitui um módulo inato, separado de outras capacidades cognitivas do ser humano. Dessa forma, essa segunda etapa dos estudos cognitivistas do ser humano se propõe a descrever processos cognitivos, sociointeracionais e culturais, simultaneamente. As representações do conhecimento linguístico, nesse enfoque, são essencialmente do mesmo tipo de outros mecanismos conceptuais, amplamente divulgados pela Psicologia, tais como categorização, conceptualização, organização [...], dentre outros, de fundamental importância para a emergência, estruturação e recuperação do conhecimento linguístico;

(II) a estrutura da gramática de uma língua reflete diferentes processos de conceptualização: de acordo com Langaker (1987), gramática é conceptualização. [...] Tal afirmação sugere que a

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linguagem é simbólica em todos os seus aspetos, inclusive os morfossintáticos.

(III) o conhecimento linguístico emerge e se estrutura a partir do uso da linguagem: de acordo com esse pressuposto, o conhecimento linguístico se estrutura a partir do uso efetivo da língua em eventos comunicativos reais (CROFT; CRUSE, 2004 apud DUQUE; COSTA, 2012).

Em relação a esse novo paradigma de pesquisa, Lakoff e Johnson (1999, p. 77 apud DUQUE; COSTA, 2012, p. 62) apontam oito pressupostos teóricos em tornos dos quais a LC se organiza, entre os quais destacamos:

1) a estrutura conceptual se origina da nossa experiência sensório-motora e das estruturas neurais que lhes dão origem; 2) as estruturas mentais possuem significado devido à relação com nossos corpos e as experiências proporcionadas por eles; 3) há um nível básico de conceitos que originam parte dos nossos esquemas motores e das capacidades para percepção e formação de imagens; 4) nossos cérebros projetam a ativação de áreas sensório-motoras para níveis corticais mais altos, o que origina as metáforas primárias; 5) a estrutura dos conceitos inclui protótipos, elementos mais salientes; 6) a razão é corpórea, uma vez que se fundamenta nas inferências sensório-motoras e na experiência corpórea; 7) a razão é imaginativa, mapeada de forma abstrata via metáforas; 8) os sistemas conceptuais são pluralísticos, ou seja, conceitos abstratos são definidos por múltiplas metáfora conceptuais, que inclusive poder ser inconsistentes entre si.

O cérebro, antes concebido como uma máquina, passa ao estatuto de ecossistema, o que vai ao encontro da noção de mente corporificada (embodied mind) também desenvolvida por esses autores (LAKOFF, 2014; SHAPIRO, 2011), segundo a qual a mente se estrutura por meio de nossas experiências corporais, por isso não pode ser considerada como puramente metafísica e desconectada do corpo. Assim, essa concepção da LC insere-se em um enfoque experiencialista e postula que os processos cognitivos não devem ser tomados à margem das rotinas significativas da vida em sociedade (DUQUE; COSTA, 2012).

A contribuição desses autores permitiu o avanço nos estudos linguísticos cognitivistas, pois conseguiram explicar a forma como as informações socioculturais atuam na organização, estruturação e funcionamento dos sistemas conceptuais, mas a explicação sobre a forma como se dá a integração de processos cognitivos com as nossas experiências socioculturais ainda é frágil. Com o objetivo de apresentar uma possibilidade de suprir tal lacuna, Duque (2016, 2017, 2018, 2019) propõe a

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Abordagem Ecológica-cognitiva da Linguagem, perspectiva teórica utilizada nesta pesquisa, a qual apresentarei a seguir.

1.1 A ABORDAGEM ECOLÓGICA-COGNITIVA DA LINGUAGEM: UMA PROPOSTA BASEADA NA UNIDADE ORGANISMO-AMBIENTE

A Abordagem Ecológica-cognitiva da Linguagem postula que os processos de conceptualização emergem da relação entre organismo e ambiente (DUQUE, 2017), e, ao evoluírem, em meio as nossas interações sociais, propiciam a emergência da linguagem. Assim, tal viés teórico “ [...] exige a coordenação dos dois extremos dessa emergência e a consideração de que o uso da linguagem inevitavelmente envolve tanto os processos iniciais de interação do organismo com o ambiente quanto as estruturas e os processos que emergem dessas interações” (DUQUE, 2017, p. 2), nessa abordagem concebidas como jogos de linguagem2.

A cognição nessa abordagem é, então, mais que corporificada (SHAPIRO, 2011; STEELS, 2011), é ecológica, pois, além de o corpo todo está envolvido no processo de conceptualização, “a percepção de si e do ambiente é inseparável” (DUQUE, 2017, p. 24) e, dessa forma, organismo e ambiente produzem modificações um no outro, rearranjos mútuos, de forma dinâmica e constante. Para tratar dessa relação, Duque (2016, 2017, 2018) recorre a Gibson (2015, p. 30) e seu sistema óptico-ecológico, segundo o qual os objetos dispostos em um ambiente possuem padrões de energia detectáveis, via sistemas perceptuais. Ou seja, a luz, ao incidir sobre as estruturas do ambiente, forma padrões que podem ser captados de forma específica por um observador e esses padrões fornecem possibilidades de ação para o percebedor, o que Gibson (2015) denominou de affordances.

No que se refere às estruturas e processos discursivos-cognitivos que emergem dos jogos de linguagem, essa teoria da linguagem adota a noção de frames (LAKOFF, 2014; DUQUE, 2017), estruturas cognitivas responsáveis por armazenar as informações das nossas experiências no mundo, evocadas por meio de informações linguísticas3 presentes nas interações sociais. E como não é possível

2 Abordaremos a concepção de Jogos de linguagem na seção 1.1.3.

3 Na Abordagem Ecológica-cognitiva da Linguagem, o linguístico engloba tanto elementos verbais

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compreender tudo que há no mundo, valemo-nos dos frames (LAKOFF, 2014; DUQUE, 2016, 2017, 2018) para categorizar, gerenciar e interpretar as nossas experiências perceptuais e motoras no mundo, relacionando-as às formas linguísticas. Desse modo, a energia que incide sobre as estruturas do ambiente fornece informações perceptuais, as quais são captadas de acordo com as habilidades perceptuais de cada organismo em relação ao mundo, num determinado espaço e momento (DUQUE, 2018). Isso confirma o fato de a linguagem, assim como a cognição, apresentar dois nichos de natureza distintas, mas complementares: a informação perceptual e a informação linguística (DUQUE, 2016). O primeiro é limitado a um espaço e tempo; e o segundo, ao contrário, é expandida, ajudando-nos a lidar com o conhecimento a respeito do ambiente em que um determinado organismo está inserido sem que para isso esteja no ambiente, pois faz uso desses padrões, ou seja, das informações perceptuais de suas vivências primeiras e aplica em novas situações por meio do componente linguístico.

Portanto, essa abordagem da linguagem é fundamentada nas affordances (GIBSON, 2015) e nos frames (LAKOFF, 2014; DUQUE, 2016, 2017, 2018), ambos responsáveis pela forma como construímos – e reconstruímos – o sentido mediante o mundo que nos cerca. A seguir, abordarei com mais ênfase as noções de affordance e frame.

1.1.1 Affordances e invariantes: as informaç ões fornecidas pelo ambiente

Acreditamos que o nosso aparato sensório-motor, em relação direta com o ambiente, é capaz de detectar as características nele presentes num determinado espaço e momento. Ou seja, a nossa percepção das superfícies, objetos, locais, pessoas e eventos se dá de acordo com as especificidades da nossa corporalidade em relação ao ambiente em que se encontra (DUQUE, 2018).

Nessa perspectiva, um organismo e o seu ambiente formam uma unidade e complementam um ao outro, ou seja, “as maneiras fundamentais como as superfícies estão definidas possuem um significado intrínseco para o [nosso] comportamento – ao contrário de conceitos abstratos, formais e intelectuais – a respeito do espaço

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matemático [ambiente]4” (GIBSON, 2015, p. 38, tradução nossa) e orientam as ações possíveis de serem realizadas pelo nosso organismo, numa relação de percepção-ação, as quais o autor denomina affordances, sem as quais é impossível verificarmos como se constrói o sentido. De acordo com a teoria ecológica da percepção visual de Gibson (2015), as affordances compreendem a relação da luz, captada pelo aparato óptico dos animais, e das estruturas presentes em um ambiente. Tais superfícies possuem diferentes características, como densidade, extensão, elasticidade, entre outras, as quais modificam a luz irradiada sobre si, ou sejam, refratam tal energia.

Essa refração, então, molda a energia luminosa, a qual deixa seu estado puro e passa a ser uma informação específica da superfície a que se referem de forma invariante (GIBSON, 2015). Portanto, invariantes são parâmetros encontrados nos padrões da energia estruturados pelas affordances fornecidas pelo ambiente, que “não se alteram diante das transformações desses padrões (invariantes estruturais) ou [apresentam] constância de transformação, revelando regularidades nas mudanças (invariantes transformacionais)” (DUQUE, 2018, p.33), de forma que o ambiente persiste em alguns aspectos e muda em outros (GIBSON, 2015). Assim, invariantes são responsáveis pela emergência da informação perceptual, um dos nichos em que se fundamenta a Abordagem Ecológica-cognitva da Linguagem.

1.1.2 Frame: a informação linguística

Frames são circuitos neurais (DUQUE, 2017; LAKOFF, 2014) constituídas por múltiplas descrições das mais diversas interações que um ser humano experimenta a respeito de um elemento. São acionados via pista linguística, que pode ser de natureza verbal, como o som ou a escrita da palavra Jesus, ou de natureza não verbal, como uma imagem de Jesus, possibilitando o acesso a todo repertório de informações perceptuais e linguísticas armazenadas nos frames, advindas das vivências de cada um que envolvam Jesus. No esquete Obrigada, Jesus (PORTA DOS..., 2019), por exemplo, o personagem Renato parece acionar seus conhecimentos a respeito de Jesus por meio de pistas linguísticas de natureza não verbal, ao ver um homem com barba, cabelos longos e vestimenta bíblica, possivelmente, devido às interações

4 “The fundamental ways in which surfaces are laid out have an intrisic meaning for behavior unlike

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socioculturais vivenciadas ao longo de sua vida, repetidas vezes, como, por exemplo ao ver a imagem de Jesus na igreja, ao assistir a filmes bíblicos; e pistas de natureza verbal, em que escutamos o nome Jesus, como: ao aprender a rezar, ao ir à missa, ao escutar alguém falando sobre Jesus etc., conforme mostra o quadro a seguir. Quadro 1 – Exemplo de indexadores linguísticos verbais e não verbais

Fonte: autoria própria.

Dessa forma, os frames estabelecem a relação dessas situações anteriores com o momento atual, possibilitando a sua compreensão, bem como a ressignificação dessas experiências no mundo sem que seja necessário vivenciá-las novamente; e, por isso, constituem-se como a base do processo humano de construção de sentido. Assim, conforme explica Fillmore (1982, p.117, tradução minha) “ ao usar a palavra ‘frame’ para se referir a forma estruturada em que uma cena é apresentada ou relembrada, nós podemos dizer que o frame é responsável pelo significados das palavras, enquanto a palavra evoca o frame” 5. O autor (1982) aponta também que existem dois tipos de frames: os frames cognitivos, aqueles relacionados a descrição de situações que podem ser independentes de situações discursivas atuais, do contexto conversacional; e os frames interacionais são relacionados à forma como conceptualizamos o que acontece entre o falante e o ouvinte, ou entre o autor e o

5 Using the word ‘frame’ for the estructured way in which the scene is presented ou remembered, we

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leitor, numa interação específica em que ambos têm conhecimento comum sobre as questões socioculturais que orientam essa relação. Um exemplo clássico do frame interacional apresentado por Fillmore (1982) remete à forma de cumprimentar uma pessoa no Japão, em que o autor aponta ser necessário que falante e ouvinte compartilhem os conhecimentos socioculturais desse povo sobre como realizar tal ação: se costumam apertar as mãos, ou se beijam uns aos outros no rosto, ou se apenas inclinam a cabeça em direção ao outro participante da interação.

Duque (2017), por sua vez, também admite dois grupos de frames, os quais denomina frames linguísticos e frames interacionais. O primeiro grupo de frames são considerados menos complexos ou básicos e correspondem às seguintes dimensões: 1) esquemática: frame extremamente básico, relacionado, por exemplo, a nossa movimentação no espaço (esquema I – TRAJETOR-MARCO);

2) conceptual básica: responsável por fornecer os conceitos, por meio de indexadores linguísticos;

3) evento: indica que tipo de relação são estabelecidas entre os conceitos acionados;

4) frames de roteiro: eventos estruturados cronologicamente;

5) frames de domínio específico: conceitos acionados por frames de domínios conceptuais específicos (JUSTIÇA, RELIGIÃO, POLÍTICA PARTIDÁRIA, ECONOMIA etc.);

6) sociocultural: orienta o nosso comportamento e expectativas sociais, mas pode também enquadrar pessoas e culturas idealizadas e generalizadas, a partir de padrões de comportamento, aparência, orientação sexual, etnia etc.

É importante ressaltar que esses frames “não só refletem os padrões cognitivos de distribuição social na distribuição do material linguístico. Eles também podem conter implicações abertas aos cenários interacionais em que os itens linguísticos são usados (DUQUE, 2017, p. 30)”. Portanto, a classificação dos frames como cognitivos e interacionais é meramente didática, uma vez que a estrutura dos frames é reticulada e os seus elementos constitutivos estabelecem relação entre si, em que a partir de frames mais simples, frames mais complexos são elaborados. Isso ocorre por meio de um mecanismo denominado constituência (DUQUE, 2017), cuja função é combinar os seus elementos cosntitutivos.

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O segundo grupo de frames é denominado frames interacionais, mesma nomenclatura utilizada por Fillmore (1987) e envolve situações comunicativas intersubjetivas. Caracteriza-se, segundo Duque (2017) por sua complexidade, uma vez que envolve informações advindas dos frames linguísticos, e as seis dimensões, referentes às nossas experiências anteriores, evocadas de acordo com um propósito comunicativo específico, em um dado espaço e tempo. Conforme Duque ( 2017) e Fillmore (1982), essa espécie de frame está relacionada à comunicação, pois baseia-se na relação entre os participantes de uma interação e possibilita que eles conheçam as caraterísticas da categoria discursiva – como a saudação japonesa, por exemplo – , de forma que essas informações possam dar suporte a sua compreensão do que é dito/ouvido. É responsável, então, por nos orientar nessas situações, possibilitando a sua identificação, bem como a antecipação de as ações de seus participantes, e até mesmo a simulação dessas ações. Isso é possível devido à emulação (DUQUE, prelo), um “mecanismo de “afastamento” da condição inicial semântica, por meio da reutilização das condições iniciais”, que permite às pessoas construírem conceitos novos a partir de outros já existentes. Além disso, dá estabilidade a cultura e, consequentemente, ao frame interacional, por ser de natureza sociocultural.

Nesta pesquisa, abordaremos essas duas perspectivas de frames, linguísticos e interacionais (DUQUE, 2017), pois, como apontado, estão intrinsicamente relacionadas, não havendo possibilidade de proceder as análises sem considerar essa relação, no entanto, a análise não comtemplará as dimensões dos frames linguísticos. A ênfase será no acionamento dos frames linguísticos e na sua relação com o frame interacional, devido à natureza audiovisual do material que compõe o corpus desta pesquisa com o propósito maior de explicitar as estratégias discursivo-cognitivas utilizadas pelo coletivo Porta dos Fundos em seus esquetes para causar o riso numa abordagem ecológico-cognitiva de linguagem. A seguir, abordaremos os processos por meio dos quais construímos e reconstruímos o sentido: framing e reframing. 1.1.2.1 Framing

O processo denominado framing (DUQUE, 2017), de natureza cognitiva, é responsável por classificar, organizar e interpretar as nossas experiências perceptuais e motoras em circuitos neurais. Esse processo é acionado pela informação linguística e leva à conceptualização, à construção de significados e de visões do mundo por meio da associação dessas experiências à linguagem, o que se dá nas interações

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socioculturais de cada pessoa, de forma subjetiva. Segundo Duque (2017), para que o framing cumpra seu papel na construção dos conceitos, são necessárias diversas descrições de um mesmo evento, assim, a cada repetição do mesmo evento, uma nova e diferente descrição é feita, o que implica a formação de um repertório com diferentes descrições, e essas diferenças implicam a formação de significados e crenças (DUQUE, 2017), resultando em um estrutura conceptual constituída por todas essas informações: o frame.

Tomemos como exemplo o frame CASA, no esquete Palavra, parte do corpus desta pesquisa. Na cena inicial, Jesus caminha à procura de algo, o que parece ser uma casa, o que o telespectador pode inferir devido ao personagem reclamar do fato de não ter um número e de parar na frente de uma estrutura de barro, com uma porta e dizer: “Ô de casa” (PORTA DOS..., 2019). Esses elementos foram suficientes para que o personagem reconhecesse a casa, provavelmente, pelo fato de suas diversas e repetidas experiências anteriores com casa, ou seja, do processo de framing, apresentarem informações como essas, entre outras, proporcionando a construção do frame CASA, retomado nessa cena por Jesus via informação linguística não verbal – estrutura de barro, com uma porta e sem número.

Esse processo cognitivo, apesar de fundamental para o processo se dá nas nossas interações iniciais, de forma a possibilitar a emergência da linguagem, não será contemplado diretamente nas análises, mas indiretamente, uma vez que as categorias analisadas nesta pesquisa são frames e jogos de linguagem, sendo a primeira resultante do processo de framing e a segunda corresponde às interações socioculturais, denominadas Jogos de linguagem6 numa Abordagem Ecológica-cognitiva da Linguagem, nas quais esse processo se dá. A ênfase nesta pesquisa será dada ao processo de reframing (FILLMORE, 1982; DUQUE, 2017), devido à complexidade das interações apresentadas nos esquetes demandarem a reelaboração de concepções de mundo, ou seja, de frames. Assim, apresentarei com mais detalhes o processo na seção a seguir.

1.1.2.2 Reframing

Reenquadramento é a tradução literal de reframing (FILLMORE, 1982; DUQUE, 2016), termo que denomina um processo cognitivo responsável por

6 Nesta pesquisa, adotamos o termo jogo de linguagem para identificar as interações socioculturais, o

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reenquadrar, remodelar conceitos, ou seja, frames. Assim, se diferencia do framing, cujo resultado é um frame, pois, nesse processo, utilizamos as informações constituintes do frame e, diante de novas informações emergidas nos jogos de linguagem e de seu propósito comunicativo, ele, recombinamos os elementos prévios com os novos, por meio da emulação (DUQUE, 2016), resultando numa atualização do frame em questão, em uma alteração no seu significado conforme a dinâmica apresenta no quadro a seguir.

Quadro 2 – Processo de reframing

Fonte: autoria própria.

A esse respeito, Fillmore (1982) explica que há vários tipos de mudança semântica e que a semântica de frames nos ajuda a entendê-las. Entre essas mudanças, o autor destaca a importância da alteração semântica que reconstitui as circunstâncias motivacionais sem alterar o item lexical de acordo com uma determinada situação. Para esclarecer a questão apontada por esse autor, aponto o exemplo do frame JESUS, acionado ao assistir quaisquer dos esquetes que compõem esta pesquisa, uma vez que Jesus é personagem de todos os esquetes analisados nesta pesquisa , assim, é impossível não acioná-los, seja por pista linguística verbal ou não verbal. Dito isso, o fato de, por exemplo, no esquete Milagre novas informações permitam aos telespectadores compreender Jesus como um cozinheiro, por exemplo, uma vez que ele dá receita de brigadeiro e é responsável por fazer o buffet de um

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festa, não há alteração no léxico, ou seja, na palavra Jesus, mas sim no seu significado, pois são apresentadas características novas sobre ele. Assim, segundo o autor (1982), as realidades não mudam, muito menos o material linguístico disponível, mas, sim, “a esquematização subjacente, as circunstâncias motivadoras dos contrastes de categorias” (FILLMORE, 1982, p. 126), o que não se dá uniformemente a todos falantes.

Segundo Lakoff (2014, p. 12, tradução nossa), “o reenquadramento [reframing] é um processo de mudança social”7, pois, para mudarmos nossos frames, precisamos mudar nossa visão do mundo, nossos objetivos, a forma que agimos e o que consideramos bom ou mau em nossas ações, todos esses elementos construídos em relação ao meio sociocultural em que vivemos. Assim, é nos jogos de linguagem complexos8 em que os participantes, no mínimo dois, constroem suas concepções do mundo, bem como proporcionam embates das suas diferentes concepções do mundo, o que pode causar rupturas semânticas, e por sua vez um desequilíbrio, exigindo criatividade das partes envolvidas nesse jogo para que se adaptem, movidos pelo objetivo comunicativo dessa interação, o que exige criatividade e proporciona um ganho semântico, uma expansão linguística. Nessa perspectiva, a função do reframing ( FILLMORE, 1982; DUQUE, 2017) no jogo de linguagem complexo parece ser buscar o reestabelecimento do equilíbrio, e consequente manutenção da comunicação entre os participantes.

Esse comportamento dos jogos de linguagem parece se equivaler ao de um Sistema Complexo e Adaptativo (Rzevisk, [201?]; DUQUE, 2016), considerando que esse tipo de sistema apresenta agentes diferentes que, em interação, podem provocar rupturas e provocar um desequilíbrio momentâneo denominado “estado de beira do caos”, ao trazerem informações diferentes dos dados iniciais do sistema, demandando desses agentes uma adaptação com o objetivo de evitar o caos. Assim, o reframing parece ser o mecanismo regulador do equilíbrio dos jogos de linguagem complexos, acionado pelos participantes para realizar adaptações frente às rupturas semânticas, a nível de frames, e ao “estado de beira do caos”, para que a comunicação entre os jogadores seja mantida e o objetivo comunicativo cumprido.

7 “Reframing is a social change”.

8 Nesta pesquisa, adotamos o termo jogo de linguagem para identificar as interações socioculturais, o

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Dessa forma, reconceptualiza, atualiza os frames, corroborando o princípio cognitivo da economia, além de confirmar que os frames são estruturas neurais flexíveis, como mostra o quadro a seguir.

Quadro 3 – Reframing como mecanismo regulador de um SCA

Fonte: autoria própria.

Na próxima seção, abordarei a teoria dos Jogos de Linguagem com mais profundidade, bem como o seu comportamento complexo e adaptativo, fundamental para a confirmação da hipótese defendida por este estudo de que equivale a um Sistema Complexo Adaptativo (SCA) de natureza linguística.

1.1.3 Jogo de linguagem: uma perspectiva ecológico-cognitva da interação sociocultural

Para abordar a concepção dos Jogos de linguagem, fazemos uso de ideias difundidas por teóricos como: Wittgenstein (2012), Steels (2011) e Duque (2017). O filósofo da linguagem Wittgenstein (2012, p. 27) considera “ [...] que falar uma língua é parte de uma atividade ou de uma forma de vida”, assim, admite que as interações sociais são formas dos indivíduos “[...] compartilharem percepções, controlarem e selecionarem as atuações uns dos outros no ambiente (DUQUE, 2016, p. 163)”. Segundo Wittgeinstein (2012), os jogos de linguagem iniciam na infância, com os tipos mais simples de jogos, em que as crianças nomeiam, adivinham, entre outras

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atividades, e aprendem com alguém mais experiente a “técnica” para dominar as faculdades comunicativas. Dessa forma, o autor inaugura a teoria dos jogos de linguagem.

Steels (2011, p. 25), por sua vez, em sua teoria da evolução cultural da linguagem, defende uma abordagem da comunicação em que a sua modelagem se baseia em termos de jogos de linguagem e destaca o papel da comunicação situada entre sujeitos corporificados como relevante na “[...] formação, seleção e auto-organização dos sistemas de linguagem”. O autor ressalta também que esses jogos não apresentam elementos em comum, pois “[...] são baseados em uma realização específica, que relaciona os participantes a um mundo, o qual possui um ambiente e configurações ecológicas específicas”. Desse modo, compartilham apenas as bases ecológicas responsáveis pela emergência da linguagem, o que corresponde às condições iniciais de um Sistema Complexo Adaptativo (SCA).

Considerando as características dos jogos de linguagem, percebemos que tais interações funcionam também como modeladores e remodeladores de frames – e, consequentemente, de frames interacionais – que exigem, no mínimo, dois sujeitos, um contexto e uma intenção comunicativa (STEELS, 2011), incluindo aspectos pragmáticos nos processos comunicativos iniciais, aspecto que é destacado nesta pesquisa. Ao jogarem um jogo, então, tais participantes estabelecem trocas mediante uma situação sobre a qual possuem conhecimentos prévios, armazenados nos frames linguísticos (DUQUE, 2017) relacionados a essa interação, isto é, “as regras” para jogar tal jogo. Esse processo dinâmico possibilita a comunicação entre as partes e uma modelagem de seus frames, por meio do reframing (FILLMORE, 1982), mesmo que momentânea, para atingir seu objetivo comunicativo.

Tais aspectos dos Jogos de linguagem parecem se equivaler ao dos esquetes analisados neste estudo, uma vez que apresentam interações com dois ou mais em um contexto, ou seja, em um determinado espaço e ambiente, os quais possuem um intuito comunicativo. Para interagir, esses sujeitos utilizam seus conhecimentos de vivências anteriores que possuam relação com a situação atual em que estão envolvidos, isto é, as regras dessa interação. No caso do esquete Milagre, por exemplo, Jesus, Zaqueu e mais um homem interagem em um espaço que se assemelha a um salão de festa, em um tempo não atual, pois o ambiente possui características que remetem ao tempo relatado em cenas bíblicas, cujo intuito é comemorar o aniversário do filho de Zaqueu.

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Ao estabelecer tais equivalências, parece que consigo comprovar a hipótese de que os esquetes são Jogos de linguagem. No intuito obter mais informações sobre essa questão, aprofundarei a questão sobre os jogos de linguagem apresentando os tipos de jogos de linguagem na seção a seguir.

1.1.3.1 Tipos de jogos de linguagem

Para esta pesquisa, admito que todas as interações entre no mínimo duas pessoas é um jogo de linguagem, conforme a Abordagem Ecológica-cognitiva da Linguagem (DUQUE, 2016, 2017, 2018). Tendo esclarecido esse ponto, sigo explicando que esses jogos podem ser classificados de acordo com seu propósito comunicativo. A esse respeito, Wittgenstein (2012, p.27) ressalta que a expressão “jogo de linguagem” se refere ao fato de que o uso de uma língua “é parte de uma atividade ou de uma forma de vida”. Assim, são inúmeros os jogos, como jogo de ordenar e agir segundo ordem, descrever um objeto pela aparência e suas medidas, relatar um acontecimento, entre outros; e novos jogos podem surgir, da mesma forma que outros podem envelhecer e ser esquecidos.

Steels (2011), em sua definição de jogo de linguagem, corrobora a ideia de Wittgenstein (2012) sobre a interação uma atividade cooperativa, de diálogo situado, com falantes reais, em um contexto e com um propósito comunicativo. No entanto, avança, ao deixar mais clara o seu funcionamento, destacando a importância da corporalidade (SHAPIRO, 2011) na construção dos sistemas linguísticos, ou seja, o seu caráter ecológico. Além disso, sua perspectiva de jogos de linguagem estabelece que esses eles se comportam como um Sistema Complexo Adaptativo (SCA). Dessa forma, argumenta que eles não são iguais, mas compartilham uma base ecológica, a qual está relacionada ao compartilhamento de dados iniciais compartilhados pelos humanos. Assim, vai de encontro à hipótese norteadora desta pesquisa de que a dinâmica dos jogos de linguagem se comporta como um Sistema Adaptativo Complexo.

O refinamento da proposta dos jogos de linguagem se dá por meio das investigações de Duque (no prelo), que declara que esses jogos são eventos de interação social em que os participantes têm sua atenção sobre algo presente no ambiente, seja pessoa, seja objeto. Enfatiza, ainda, que esses jogos de linguagem são geralmente complexos, uma vez que há a coexistência de jogos mais simples, estabelecendo o autor uma relação com o que se dá com os frames, em que essas

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estruturas neurais mais simples constituem outras mais complexas. Isso acontece por meio da combinação dos seus elementos constituintes, o que é possível por um mecanismo denominado constituência (DUQUE, 2017). Assim, os esquetes analisados nesta pesquisa seriam jogos de linguagem complexos, por apresentarem eventos sociais em que os participantes têm sua atenção sobre elementos do ambiente em que as cenas se passam, cenas essas construídas por outros jogos de linguagem mais simples entre os personagens, conforme o exemplo mostrado no quadro a seguir sobre o esquete Palavra.

Quadro 4 – Jogo de linguagem complexo esquete Palavra – primeira cena

Fonte: autoria própria.

Numa perspectiva ecológica do Jogo de linguagem, Steels (2011) e Duque (no prelo) apontam que é necessário que falante e ouvinte cumpram algumas etapas, para que um jogo de linguagem complexo seja bem-sucedido, conforme o quadro a seguir mostra.

✓ Jogo de identificação e construção de protótipo - homem identifica o homem à sua porta como Jesus

✓ Jogo de ação, postura e movimento - homem cumprimentando Jesus

✓ Jogo de ação, postura e movimento – Jesus cumprimentando o homem

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Quadro 5 – Etapas falante e ouvinte na execução de um jogo de linguagem

9 As esquematizações são processos cognitivos extremamente básicos, podendo ser considerados

frames muito básicos, relacionados às ações realizadas pelos nossos corpos no ambiente, tais como, por exemplo, àquelas relacionadas à nossa movimentação, conforme Fillmore (1982) e Duque (2015).

10 Língua Brasileira de Sinais.

ETAPA FALANTE

ATERRAMENTO

Há um conjunto de processos que conectam esquematizações9 e

frames a estados e ações do mundo que o falante pretende comunicar. Segundo Steels (2011), entre esses processos destacam-se: a segmentação e a extração de elementos do ambiente; o reconhecimento de um objeto ou evento, bem como a sua categorização; a identificação perceptual de um objeto ou evento; e a manipulação de objeto(s).

CONCEPTUALIZAÇÃO

Um falante, por meio de processos cognitivos, seleciona aquilo que precisa ser dito e, a partir disso, conceptualiza o mundo, concretizando-o em expressões linguísticas para alcançar o seu objetivo comunicativo. Por exemplo, quando O homem do esquete Jesus te ama diz “ eu vou à missa todo domingo”, ele conceptualiza MISSA da perspectiva de uma trajetória, cujo trajetor é ele, que se descola de um ponto de saída (não identificado, nesse caso) a um ponto de chegada (missa). Obviamente, além dessa esquematização, a falante ativa e aciona conhecimentos prévios (frames) sobre MISSA: IGREJA, RELIGIÃO etc.

PRODUÇÃO

Processos que tomam uma estrutura semântica e a transformam em uma série de pareamento de forma-significado, considerando as convenções linguísticas (fonológicas, morfológicas, gramaticais e lexicais) capturadas por uma rede de construções.

ARTICULAÇÃO DA FALA

Há um conjunto de processos responsáveis pela produção do enunciado por meio do controle motor do sistema articulatório necessário para a execução da fala, bem como do controle motor para a execução de gestos e expressões, no caso de LIBRAS10.

OUVINTE

RECONHECIMENTO DA FALA

O sinal da fala precisa ser processado por meio do processamento de sinais e de processos de reconhecimento de padrões. Assim, elabora um conjunto de hipóteses sobre os elementos que podem estar presentes na fala do interlocutor.

ANÁLISE O ouvinte usa esses elementos para reconstruir tão bem quanto possível o significado do enunciado transmitido pelo falante.

INTERPRETAÇÃO O ouvinte precisa confrontar o significado resultante do processo de análise com esquematizações e frames e compreender o jogo de

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Fonte: adaptado de Duque (no prelo).

Partindo desses pré-requisitos para um bom funcionamento dos jogos de linguagem complexos, Duque (no prelo) propõe um esquema que relaciona os tipos de jogos de linguagem simples a cada uma dessas etapas, conforme o Quadro 2.

Quadro 6 – Jogos simples e etapas de um jogo de linguagem complexo

ETAPA JOGOS DE LINGUAGEM SIMPLES E SUAS FUNÇÕES

ATERRAMENTO

Jogos ostensivos e observacionais.

Função: preparar e alinhar as pessoas em um ato comunicativo, e rastrear os segmentos salientes do ambiente.

Jogo de identificação

Função: relacionar segmentos do ambiente com protótipos armazenados na memória.

Jogo de discriminação: detectar propriedades do ambiente; segmentar o ambiente; selecionar objetos como tópicos; identificar propriedades singulares suficientes para identificar uma cena do jogo de descrição de evento.

Jogo de seguir

Função: compor cenários; reconhecer as ações direcionadas a objetos.

ARTICULAÇÃO E RECONHECIMENTO DA

FALA

Jogo de imitação

Função: reproduzir movimentos articulatórios, gestos e expressões corporais.

11Frame interacional é um frame complexo relacionado às nossas interações socioculturais conforme

as concepções de Fillmore (1982) e Duque (2017).

12 “Roteiros constituem eventos estruturados cronologicamente” conforme Duque (2017).

linguagem, para encontrar a interpretação adequada do enunciado conforme suas expectativas e observações. Por exemplo, Jesus precisa recuperar, em sua memória, as informações sobre missa que o homem mencionou e o frame interacional11 MISSA, contendo o

roteiro 12 do jogo de linguagem em tela: “. “E aí tem que falar o cordeiro

de Deus que eu tinha que falar “Eu”, não falo, tô desatento. Aí tinha que benzer as hostiazinhas, muitas eu não benzo...vira pãozinho”.

ATERRAMENTO

O ouvinte precisa manter, por meio da percepção e ação, uma conexão entre esquematizações e frames e estados do mundo, incluindo os possíveis estados mentais do falante, como desejos, intenções e crenças.

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PRODUÇÃO E ANÁLISE

Jogo de nomeação

Função: Construir um léxico. Jogo de ação, postura e movimento

Função: executar uma ação, postura ou movimento especificado linguisticamente.

Jogo de descrição de evento

Função: descrever um evento e as funções dos participantes (objetos, pessoas e locais).

INTEPRETAÇÃO Jogo de ativação e acionamento de frames Função: ativar, acionar e entrelaçar frames.

FEEDBACK

Jogo de adivinhação

Função: Fornece o feedback corretivo (para jogos da etapa de aterramento)

Fonte: baseado em Duque (no prelo).

Apesar de os jogos estarem distribuídos por fases, colocados em uma sequência, esse processo não se dá de forma linear, mas, sim, cíclica. Ou seja, a cada tentativa de conseguir um feedback positivo, objetivo de todo jogo de linguagem, a qualquer momento pode ser necessário recorrer aos jogos anteriores. Assim, durante um jogo, podemos ter que voltar várias vezes as fases anteriores para alcançar o resultado positivo. Quanto mais um jogo é jogado com a intenção de categorizar ou recategorizar, mais precisaremos voltar à fase do aterramento, ou seja, utilizar jogos de linguagens mais simples.

Duque (no prelo) aponta que de todos os jogos citados, há quatro jogos básicos aos quais recorremos frequentemente para organizarmos a nossa forma de ver o mundo, o que acontece desde a infância: jogo de discriminação; jogo de ação, postura e movimento; jogo de identificação de objetos e construção de protótipo; e jogo de descrição de evento, conforme Quadro 7.

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Quadro 7 – Descrição de jogos responsáveis pela categorização Tipo de jogo de linguagem Descrição Jogo de discriminação

Desenvolve a capacidade de identificar e reconhecer propriedades de objetos (STEELS, 2006): detectar propriedades, segmentar o ambiente, selecionar item ou propriedade tópico do jogo de linguagem, identificar por meio de propriedades a cena de um jogo de evento.

Jogo de ação, postura e movimento

Desenvolve a capacidade de identificar e reconhecer ações, posturas e movimentos executados pelo corpo humano e suas partes (STEELS; SPRANGER, 2012). Implica também em discriminação.

Jogo de identificação de

objetos e construção de

protótipo

Desenvolve a capacidade humana de organizar itens em torno de um protótipo na configuração de uma categoria (VOGT, 1999).

Jogo de descrição de evento

Desenvolve a capacidade humana de categorizar eventos (VAN TRIJP, 2012). Evento: processo que relaciona um estado prévio a um posterior, em que experiências provocam mudança de estado.

Fonte: autoria própria baseada em Duque (no prelo).

É a partir desses quatro jogos de linguagem responsáveis pela categorização que analisarei o corpus desta pesquisa, com o intuito de demonstrar que por meio deles nós realizamos a construção e a reconstrução dos sentidos, mediante as rupturas dos jogos de linguagem complexos. Assim, detalharei os jogos que foram identificados nas análises do material audiovisual que lastreou esta pesquisa: esquetes do coletivo Porta dos Fundos.

1.1.3.2 Jogos de linguagem em termos de Sistema Complexo Adaptativo (SCA) Há uma grande diversidade de definições de Sistema Complexo Adaptativo (SCA), como a defendida por Palazzo ([201?]). O autor declara que um sistema complexo é todo aquele que possui dois ou mais elementos interdependentes, mas ao mesmo tempo relacionados de forma estável em uma estrutura. Nessa perspectiva, a dinâmica da relação entre esses elementos exige uma ordem, possibilitada por invariâncias de sua macroestrutura, o que permite mudanças nos elementos em um nível interno, microestrutura. Isso significa dizer que há estabilidade da estrutura maior

Referências

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