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CAPÍTULO 4: Pesquisa de campo

4.3 Observações de campo

Conforme explicado anteriormente, a incursão preparatória na cultura indígena, como forma de ambientação para aplicação da pesquisa de campo, teve início alguns meses antes. Neste período, algumas aldeias foram visitadas sendo possível realizar anotações de campo, coletar alguns depoimentos espontâneos e fazer registros fotográficos que se mostraram tão importantes quanto a pesquisa de campo em si, então, para a compreensão da problemática projetual, bem como para a conclusão final do trabalho.

A seguir são apresentados alguns importantes aspectos observados e registrados pelo pesquisador:

a) Varais e painéis fotográficos: entre as aldeias visitadas no período que

compreende setembro de 2014 e janeiro de 2016, a aldeia Kuikuro foi a única que apresentou uma relação mais íntima e cotidiana com a imagem técnica. Esta aldeia é conhecida por possuir um dos mais conhecidos núcleos de cinema indígena do país, encabeçado pelos irmãos Takumã e Jair Kuikuro. Nela foi observado que, em algumas ocas, são mantidos painéis e varais fotográficos (FIGURAS 8 e 9), os quais, em conteúdo, se assemelham a um álbum de família tradicional. Quase todos estes apresentam registros das pessoas realizados na última década, com imagens muito recentes que fazem referência, no máximo, a duas gerações.

Observada como uma exceção, a oca do segundo cacique, Jakalo Kuikuro, é a única que mantém em seu ambiente imagens mais antigas (FIGURAS 10 e 11), que datam bem mais de uma década, mas que, em conteúdo e igualmente às demais, fazem referência às pessoas da família. Não foi observa nenhuma imagem que tivesse a intenção prioritária de registrar algum outro aspecto da cultura, e, no entanto, aparecem como decorrência do registro pessoal – como é o caso, por exemplo, da Figura 11, que registra o pai do cacique Jakalo Kuikuro com outros dois indígenas em uma dança específica.

FIGURA 8: Varal Fotográfico, Aldeia Kuikuro.

FONTE: Acervo do autor, 2015.

FIGURA 9: Painel Fotográfico, Aldeia Kuikuro.

FIGURA 10: Imagens fotográficas, oca da Aldeia Kuikuro.

FONTE: Acervo do autor, 2015.

FIGURA 11: Imagens fotográficas, oca da Aldeia Kuikuro.

b) Depoimentos espontâneos: além do registro fotográfico de varais e painéis,

foram coletados depoimentos espontâneos na aldeia Kuikuro que não estavam previstos na metodologia, mas que assumiram fundamental importância na pesquisa. Entre eles, três se destacaram:

Depoimento do índio Yamalui Kuikuro: Em seu depoimento relatou ser

colaborador de pesquisas realizadas com pesquisadores vinculados ao Museu do Índio do Rio de Janeiro, para os quais realiza inventários culturais em pesquisas de cunho antropológico. No entanto, Yamalui definiu a si mesmo como fotógrafo na aldeia, definição esta que acabou resultando em uma palestra desenvolvida por ele na Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) no Estado de Santa Catarina, a convite do pesquisador, na qual ele explicou para os presentes como era sua ação enquanto fotógrafo junto a sua comunidade (FIGURA 12). Ainda na sua fala, Yamalui relatou o processo fotográfico como forma de descrever sua cultura, explicando atividades como pesca e dança a partir das imagens que mostrava.

FIGURA 12: Yamalui Kuikuro em palestra na UNIVALI.

Depoimento do cacique Jakalo Kuikuro: Em seu depoimento ele relata como fez o

resgate de uma imagem de seu pai (FIGURA 11). Conta que esta imagem foi resgatada por ele no dia em que circulava por uma feira de rua localizada na Avenida Paulista, na cidade de São Paulo (SP), e se deparou com um pôster no qual havia um índio dançando e tocando flauta. Ele se dirigiu ao expositor e disse “esta fotografia é minha”, explicando em seguida que o índio que aparecia tocando flauta era seu pai, e que, por isso, a fotografia era dele. Conta, ainda, que imediatamente o expositor deu a ele a fotografia, que até hoje está exposta na sua oca como uma relíquia que “contém” parte de sua memória individual e da memória coletiva do povo Kuikuro, pois seu pai também foi cacique da aldeia.

Depoimento do índio Kamilo Kuikuro: de aproximadamente 20 anos e filho do

cacique Jakalo Kuikuro, Kamilo Kuikuro relatou duas significativas situações que mostram o seu envolvimento com a fotografia. Na primeira, definindo a si mesmo como fotógrafo, comentou que, apesar de no momento não ter nenhum equipamento fotográfico, ele também fotografava. Questionado pelo pesquisador onde estavam suas fotografias e se ele poderia mostrá-las, respondeu que não as guardava em arquivo pois não tinha computador, e também que sua prática fotográfica consistia em fotografar e deletar as imagens. Na segunda situação, Kamilo contou que ao fazer uma pesquisa na internet36 de algumas referências de tatuagem indígena (pois

tinha intenção de tatuar no corpo) se deparou com a imagem de um cacique tatuado em uma perna. Ao mostrar a imagem ao seu pai, o mesmo se reconheceu como sendo o índio tatuado. No entanto, Kamilo não identificou quem havia postado a imagem da tatuagem, muito menos localizando em que local do planeta esta imagem foi produzida e posteriormente publicada. Este relato se dá a partir da imagem sendo mostrada em um iPad, que é um dos símbolos da tecnologia digital no mundo (como mostra a FIGURA 13).

36 As maiores aldeias do Alto Xingu possuem ponto de cultura indígena que lhes dá acesso à internet.

No entanto, o funcionamento depende da energia que, em alguns pontos, chega através de placa solar, e em outros através de motor a diesel; neste caso, é limitado a aproximadamente uma hora (1h) diária, conforme a disponibilidade de combustível na aldeia. (N.A.)

FIGURA 13: Kamilo Kuikuro mostrando imagem de tatuagem.

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