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CAPÍTULO 4: Pesquisa de campo

4.2 Desenvolvimento da pesquisa de campo

4.2.1 Aspectos legais para o desenvolvimento da pesquisa

4.2.1.4 Parecer do Comitê de Ética

Embora não exigido pela FUNAI, o projeto foi encaminhado através da Plataforma Brasil antes da realização da pesquisa de campo, e até o momento não recebeu nenhuma comunicação oficial.

4.2.2 Processo de inserção na comunidade

O processo de inserção na Comunidade Indígena deve ser realizado levando em conta a estrutura social e cultural da comunidade. De forma geral, os índios do Alto Xingu, região onde se localiza a aldeia Nafukuá, possuem uma estrutura social simplificada composta de algumas funções bem definidas. São elas: cacique, segundo cacique, pajé, raizeiro, parteira e professor. No entanto, algumas funções dentro da estrutura social, dependendo do tamanho da aldeia, podem ser exercidas simultaneamente por mais de uma pessoa, como é o caso dos Nafukuás, cuja função de pajé é exercida por duas pessoas, sendo uma delas também o raizeiro da comunidade.

Dentro da estrutura social das aldeias do Alto Xingu, as decisões mais importantes são atribuídas ao cacique que normalmente é assessorado pelo segundo cacique. No entanto, os Nafukuás, assim como a maioria dos povos indígenas, são regidos socialmente por decisões coletivas. Em decorrência disso, a função de segundo cacique se confunde muito com a função da liderança que é composta por homens influentes dentro da comunidade.

Esta hierarquia social, entre outras situações culturais, reflete na estrutura física das próprias aldeias, onde as ocas são posicionadas em círculo, existindo, no centro, o que a comunidade denomina de Casa dos Homens (FIGURA 3). É neste espaço que, entre outras atividades, são tomadas decisões mais importantes. Trata-se de um espaço culturalmente masculino, mas que nos últimos

tempos tem concedido mais acesso às mulheres, principalmente para tomadas de decisões que dizem respeito à comunidade. O acesso só é notado quando se trata de uma Casa dos Homens aberta, sem parede, como é o caso dos Nafukuás, pois quando é totalmente fechada o acesso das mulheres é proibido. Neste caso, o acesso de uma mulher ao ambiente a coloca em condição de desprezo, podendo, inclusive, resultar em sua desonra frente à comunidade.

No caso desta pesquisa, o procedimento de inserção na comunidade obedeceu ao seguinte trâmite: (1) autorização expressa do cacique para a realização da pesquisa (ANEXO 2). Inicialmente o pesquisador se dirigiu à oca do cacique que acolheu a solicitação33, na ocasião houve troca de presentes (roupas e

artesanatos). Neste momento, o cacique dos Nafukuás exigiu uma declaração expressa do cacique Kalapalo (ANEXO 6) de que o mesmo estava ciente da transferência que o pesquisador estava fazendo de aldeia para a realização da pesquisa, por conta da FUNAI haver autorizado o trabalho junto à etnia Kalapalo e a troca de campo de pesquisa, sem consentimento prévio, poder ocasionar constrangimentos futuros entre etnias e entre os Nafukuás e a FUNAI; (2) primeira reunião com alguns representantes (liderança) e importantes formadores de opinião da comunidade, como o cacique, os professores, alguns jovens e algumas mulheres (FIGURA 2). Nesta reunião foi necessário expor o projeto apontando possíveis contrapartidas; e (3) segunda reunião (FIGURA 3) realizada com a comunidade na Casa dos Homens, onde todos (homens, mulheres e jovens) foram convocados através de chamado sonoro (gritos), emitidos pelo cacique, para deliberarem sobre a proposta da pesquisa e suas possíveis contrapartidas (APÊNDICE 1 e 2). Foi solicitado ao pesquisador que posteriormente informasse à FUNAI sobre esta alteração, considerando que a mesma aconteceu de maneira emergencial, pois a negação dos Kalapalos foi um imprevisto no processo de pesquisa, levando o pesquisador a ter que optar por transferir o trabalho de campo, adequando-a à outra comunidade indígena que se enquadrasse no perfil exigido pela pesquisa.

33 A autorização foi concedida em função de que o pesquisador estava acompanhado da indígena

Diacui Kalapalo, filha de índio Milton Kalapalo que havia sido amigo pessoal do cacique dos Nafukuás, Cacique Tirifé.

FIGURA 2: 1ª reunião com a comunidade Nafukuá.

FONTE: Acervo do Autor, 2016.

FIGURA 3: 2ª reunião com a comunidade Nafukuá.

O processo de autorização descrito foi apenas a parte inicial da inserção na comunidade, ou seja, ser aceito oficialmente e poder transitar livremente entre os membros da aldeia. Antes mesmo de dar início à pesquisa, foi necessário que o pesquisador dedicasse um tempo para que se fizesse conhecido e conhecesse minimamente as pessoas, definindo quem faria a tradução e quais as pessoas que poderiam ser eventualmente abordadas na pesquisa. Embora a metodologia previsse a abordagem aleatória, o mínimo conhecimento das pessoas se faz necessário. Desde a chegada pela primeira vez na comunidade até o início das entrevistas, foram transcorridos cerca de oito dias. Neste período, o pesquisador se dedicou a estreitar os laços pessoais com os moradores da comunidade, fazendo visitas a todos em clima de cordialidade como forma de merecer confiança.

A Aldeia Nafukuá, embora seja uma comunidade autônoma, faz parte de uma região com hábitos culturais muito próximos, o Alto Xingu. Neste sentido, os povos do Alto Xingu, além de possuírem hábitos culturais muito semelhantes, como, por exemplo, a alimentação e as festividades34, estabelecem uma inter-relação de

cumplicidade política junto aos órgãos legais do governo federal, o que os faz serem percebidos como uma grande nação indígena, diferenciando-os até mesmo dos povos que habitam a região conhecida como Baixo Xingu, ou mesmo os conhecidos como Povos do Leste, ambos dentro do Território Indígena do Xingu.

Esta condição de proximidade cultural dos Nafukuás e as demais etnias do Alto Xingu fez com que a inserção na comunidade fosse parte de um processo que durou aproximadamente quinze meses, e que exigiu do pesquisador incursões em várias aldeias. O início deste processo ocorreu em setembro de 2014, quando foi realizada a primeira visita a uma aldeia indígena do Alto Xingu, a saber, a Aldeia Yawalapiti, durante a realização de um Kuarup. Foi um período de cinco dias de visita que não possuía uma relação direta com a pesquisa, mas que foi definitivo para o amadurecimento do projeto. Naquele momento, o contato direto com a cultura indígena acabou por estabelecer novos rumos para a pesquisa de doutorado.

Após esta primeira viagem, e já com a linha de pesquisa delineada, outras duas viagens foram realizadas (no período entre dezembro de 2015 e janeiro

34 O Kuarup, por exemplo, é a mais emblemática manifestação cultural praticada por todas as

de 2016)antes da viagem definitiva para o desenvolvimento da pesquisa. A primeira delas foi para as aldeias Kuikuro e Kuluene; no entanto, outras três pequenas aldeias foram visitadas: Tanguro, Tangurinho e Lagoa Azul. Neste período, todas as viagens realizadas tinham como objetivo inicial a motivação pessoal de conhecer uma nova cultura, a partir do convite realizado pela indígena Diacui Kalapalo, filha do indígena Amaka Akua Kalapalo (FIGURA 5), mas que acabaram servindo como forma de aproximação cultural preparatória para a pesquisa de campo. Todas as viagens foram acompanhadas por Diacui Kalapalo.

4.2.3 Realização da pesquisa

4.2.3.1 Aplicação do pré-teste

Todo o processo de realização da pesquisa descrito a seguir teve início com a aplicação de um pré-teste realizado na aldeia Kuluene, no mês de abril de 2015, tendo como entrevistado o índio Atatiro Kalapalo (FIGURA 4), que não fala o português fluente, e como tradutor o índio Waykumã Kalapalo (FIGURA 4).

As imagens utilizadas (ANEXO 8), exemplificadas mais abaixo (FIGURA 5), são do acervo particular de Diacui Kalapalo e foram selecionadas aleatoriamente. O pré-teste demonstrou que o método de abordagem previsto para ser utilizado na pesquisa permitia ao entrevistado se expressar livremente, sem se preocupar com as diferenças culturais ou qualquer outro impedimento que pudesse resultar da presença do pesquisador. As entrevistas foram realizadas após cinco dias de permanência do pesquisador na aldeia, tempo suficiente para promover sua aceitação na comunidade, e foram aplicadas em dois dias subsequentes. A tradução seguiu o previsto no planejamento, em relação aos critérios de escolha do tradutor, demonstrando a perfeita adequação ao método. O pesquisador estava ciente de que o intervalo entre as duas abordagens não respeitaria o tempo ideal como previsto na metodologia; porém, como não estava em questão o resultado interpretativo, mas, sim, o método de aplicação da pesquisa, este fator não influenciou em sua validação, que se mostrou eficiente.

FIGURA 4: Atatiro Kalapalo acompanhado do tradutor na etapa do pré-teste.

FIGURA 5: Imagem índio Amaka Akua Kalapalo (Milton Silva Santos).

4.2.3.2 Abordagens pessoais e coleta de dados

Após a validação do método através do pré-teste, a realização da pesquisa, como previsto no planejamento de campo, se deu em duas etapas. A primeira foi composta de abordagens aleatórias em relação às pessoas entrevistadas. No entanto, o pesquisador teve a preocupação de diversificar a faixa etária a fim de que a análise dos dados refletisse a maior imparcialidade frente a um possível padrão de resposta resultante da percepção de uma determinada geração em relação à imagem técnica. Neste sentido, acredita-se que seja possível maior entendimento da relação da imagem técnica com os povos semi-isolados a partir de percepção das diversas gerações existentes na comunidade estudada. Esta primeira etapa se deu a partir de falas sobre temas que estavam contemplados nas imagens selecionadas. Os temas eram escolhidos por interesse do entrevistado, identificados anteriormente pelo pesquisador em conversas informais.

A segunda etapa se configurou através de abordagens realizadas com as mesmas pessoas que haviam sido entrevistadas na primeira etapa; aqui, porém, a ordem foi estabelecida a partir da disponibilidade de cada um dos entrevistados. Neste momento da pesquisa, as pessoas foram convidadas a falar sobre os mesmos assuntos tratados na primeira entrevista, só que desta vez a fala foi estimulada por fotografias relacionadas aos temas da primeira etapa. A escolha das fotografias se deu de forma aleatória a partir de uma seleção prévia realizada pelo pesquisador.

No que diz respeito à duração das etapas e ao intervalo entre ambas, a primeira etapa durou nove dias e a segunda etapa teve a duração de cinco dias. Esta diminuição do tempo de aplicação é atribuída à ambientação do pesquisador na comunidade. O Intervalo entre as etapas foi de dez dias. A pesquisa toda foi aplicada no mês de janeiro de 2016, mas o ingresso no Território Indígena do Xingu teve início a partir do dia 20 de dezembro de 2015.

Todos os depoimentos foram traduzidos por um membro da comunidade, o que facilitou muito o acesso às pessoas. O tradutor recebeu orientações prévias de como se portar tendo em vista a imparcialidade necessária no processo de registro de campo. Em outras palavras, ele deveria – e assim o fez – se limitar única e exclusivamente a traduzir, sem colocar na sua fala opiniões próprias sobre o fato, e também não deveria lembrar e nem comentar a fala do entrevistado, garantido o máximo de isenção no processo de tradução.

A escolha do tradutor se deu a partir de três principais critérios: (1) fluência no idioma indígena e suas variações linguísticas mais usuais na comunidade, (2) fluência no idioma português como forma de facilitar a tradução, e (3) capacidade de acesso às pessoas e a seus ambientes familiares. Para tanto, foram selecionados previamente o índio Kamã Kalapalo, Mestre em Linguística pela Universidade de Brasília, e o índio Kahihi Nafukuá, professor de ensino fundamental na aldeia. A escolha final para tradutor das entrevistas recaiu sob este último, Kahihi, por sua disponibilidade e por demonstrar uma comunicação menos formal em português, o que facilitou em muito a fidedignidade dos registros.

4.2.3.2.1 Imagens utilizadas em campo

Para as abordagens de campo foram utilizadas imagens de duas fontes secundárias, uma vez que foram retiradas de dois acervos diferentes: um acervo particular da indígena Diacuí Kalapalo (ANEXO 9), que as obteve em função da comemoração do Kuarup realizado em homenagem ao seu pai no ano de 2007, na aldeia Kalapalo; e o outro acervo pertencente ao fotógrafo e indigenista Vladimir Kozak35, que está sob a guarda do Museu Paranaense (ANEXO 10). As imagens

foram previamente selecionadas tomando como referência as etnias do Alto Xingu, pois neste momento ainda não estava definida qual seria a aldeia em que a pesquisa seria desenvolvida (embora houvesse a intenção de realizá-la na aldeia Kalapalo).

As imagens do acervo de Diacui Kalapalo, além da relativa aleatoriedade na sua escolha, atenderam ao pré-requisito de conter possíveis conteúdos afetivos, como previsto no planejamento; por conta disso, foram solicitadas imagens mais recentes, a partir dos anos 2000 (a exemplo da FIGURA 6). Outra preocupação do pesquisador foi a de que, no grupo de imagens a serem utilizadas na pesquisa de campo, o sistema colorido fosse representado na mesma intensidade do sistema preto e branco (utilizado prioritariamente por Vladimir Kozak).

35 Vladimir Kozak foi um importante indigenista, artista, fotógrafo e cineasta austro-húngaro. Nascido

em 1897, migrou para o Brasil em 1926, onde realizou importantes expedições científicas como fotógrafo e cinegrafista do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Paraná. Todo seu acervo está sob a guarda do Museu Paranaense, localizado na cidade de Curitiba-PR. FONTE:

Desta forma, foi evitado o estímulo tendencioso no que se refere à linguagem fotográfica como definidora do período de obtenção da imagem.

FIGURA 6: Cacique Tafukumã Kalapalo.

FONTE: Acervo de Diacui Kalapalo, 2008.

A seleção das imagens de Vladimir Kozak respeitou o critério estipulado no planejamento da pesquisa que também previa o uso de imagens sem relação de afetividade direta. Para isso, foram solicitadas pelo pesquisador imagens que antecedessem a institucionalização do TI Parque do Xingu como forma de distanciar o entrevistado de uma possível identificação das pessoas nelas representadas, concentrando a recepção mais na questão do imaginário coletivo em relação à cultura e aos hábitos (conforme exemplo na FIGURA 7).

Durante as abordagens de campo, o pesquisador utilizou imagens selecionadas conforme o assunto sobre o qual o entrevistado havia se sentido mais à vontade para falar na primeira etapa da pesquisa, e que faziam parte do conjunto

resultante da primeira seleção (ANEXOS 9 e 10) realizada por pessoas que não estavam envolvidas diretamente com a pesquisa. As imagens foram numeradas e posteriormente relacionadas com as entrevistas como forma de identificação na etapa da análise. No que diz respeito ao uso ou não de imagens coloridas no momento das abordagens, não foi utilizado nenhum critério previamente estabelecido.

FIGURA 7: Índios do Alto Xingu em transporte de canoa artesanal.

FONTE: Acervo de Vladimir Kozak, Museu Paranaense. Ano de 1952.

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