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A fotografia como agente influenciador da construção histórica de povos semi-isolados : índios do Alto Xingu

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INSTITUTO DE ARTES

RICARDO MAGOGA GALLARZA

A FOTOGRAFIA COMO AGENTE INFLUENCIADOR DA

CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DE POVOS SEMI-ISOLADOS: ÍNDIOS DO

ALTO XINGU

CAMPINAS 2018

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RICARDO MAGOGA GALLARZA

A FOTOGRAFIA COMO AGENTE INFLUENCIADOR DA

CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DE POVOS SEMI-ISOLADOS: ÍNDIOS DO

ALTO XINGU

Tese apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutor em Multimeios.

ORIENTADOR: Prof. Dr. Ernesto Giovanni Boccara

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO RICARDO MAGOGA GALLARZA, E ORIENTADA PELO PROF. DR. ERNESTO GIOVANNI BOCCARA

CAMPINAS 2018

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Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Artes Silvia Regina Shiroma – CRB 8/8180

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Photography as an influential agent of the historical construction of

semi-isolated peoples: Indians of the Upper Xingu.

Palavras-chave em inglês:

Photography

Photography - History Nafukuá Indians Indians – Photographs

Área de concentração: Multimeios Titulação: Doutor em Multimeios Banca examinadora:

Ernesto Giovanni Boccara (Orientador)

Paulo Cesar da Silva Teles Felipe Mattos de Salles Simone Alcântara Freitas Fernando da Silva Ramos

Data de defesa: 28/02/2018

Programa de Pós-Graduação: Multimeios

Gallarza, Ricardo Magoga, 1962-

G135f Gal A fotografia como agente influenciador da construção histórica de povos semi-isolados : índios do Alto Xingu / Ricardo Magoga Gallarza. – Campinas, SP : [s.n.], 2018.

Orientador: Ernesto Giovanni Boccara.

Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes.

1. Fotografia. 2. Fotografia - História. 3. Índios Nafukuá. 4. Índios -

Fotografias. I. Boccara, Ernesto Giovanni, 1948-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes. III. Título.

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RICARDO MAGOGA GALLARZA

ORIENTADOR: PROF. Dr. ERNESTO GIOVANNI BOCCARA

1. PROF. DR. ERNESTO GIOVANNI BOCCARA 2. PROF. DR. PAULO CESAR DA SILVA TELES 3. PROF. DR. FELIPE MATTOS DE SALLES 4. PROFA. DRA. SIMONE ALCÂNTARA FREITAS 5. PROF. DR. FERNANDO DA SILVA RAMOS

Programa de Pós-Graduação em Multimeios do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da banca examinadora encontra-se no processo de vida acadêmica do aluno.

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do conhecimento, em especial para duas pessoas que foram determinantes na minha persistência e que também nortearam todo meu percurso de vida, meu filho, Felipe Hollweg Gallarza, e minha mãe, Iolle Magoga Gallarza, exemplo de determinação, uma pessoa predestinada a fazer o bem e que, como exemplo de professora que foi, deixa-me o legado da profissão de educador.

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poucas e sábias palavras, direcionar-me para um projeto que não seria só um motivo de estudo, mas uma transformação de vida. Agora eu entendo com clareza quando ele me disse que um bom pesquisador, um pesquisador de verdade, extrai o tema de pesquisa de dentro de si.

A Simone Alcântara de Freitas, a maior influenciadora por eu ter me aventurado neste projeto de doutorado. Amiga incondicional.

A Marcelo Nogueira Miguel por ter proporcionado o primeiro e definitivo contato com os índios do Xingu.

A indígena Diacui Kalapalo, pessoa única, que esteve ao meu lado nestes três últimos anos de vida e foi a grande inspiração para a minha imersão na cultura indígena.

Ao povo Nafukuá, na pessoa do Cacique Tirifé Nafukuá, que me acolheu com carinho.

A todos amigos e familiares que sempre me apoiaram a seguir minha jornada de vida e acreditaram no meu potencial acadêmico.

AGRADECIMENTOS INSTITUCIONAIS

UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas por me receber como acadêmico, possibilitando o desenvolvimento este projeto.

UNIVALI – Universidade do Vale do Itajaí por acreditar e me acolher durante toda a minha carreira acadêmica.

Museu Paranaense, na pessoa da antropóloga Maria Fernanda Campelo Maranhão, por gentilmente ceder imagens do seu acervo para o desenvolvimento deste trabalho.

FUNAI – Fundação Nacional do Índio por me apoiar no trabalho de campo.

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construção histórica dos povos semi-isolados, utilizando como população de estudo os indígenas da etnia Nafukuá, localizada na região sul do Território Indígena do Xingu, conhecida como Alto Xingu. Este relatório de pesquisa foi estruturado em seis blocos: (1) a introdução apresenta e contextualiza o trabalho; (2) o primeiro capítulo trata do processo imaginativo do ser humano, relacionando-o com a imagem e a oralidade; (3) o segundo capítulo faz uma relação entre a imagem técnica e a oralidade, associando-os com os estudos aplicados às ciências humanas; (4) o terceiro capítulo apresenta a condição histórica da etnia Nafukuá dentro do contexto social xinguano, tratando da sua condição de semi-isolamento; (5) o quarto capítulo apresenta a pesquisa de campo desde sua metodologia, passando pela coleta de dados, chegando à tabulação e análise. Por fim, (6) a conclusão, onde é realizado o cruzamento da análise com as hipóteses e objetivos do projeto. A pesquisa mostra que é inevitável e progressiva a relação de interdependência entre imagem e memória histórica destes povos. O estudo deixou claro que, mesmo fazendo uso do recorte visual realizado por pessoas que não fazem parte originalmente do grupo étnico, os povos semi-isolados são capazes de produzir uma lógica histórica muito próxima da que estabeleceriam intuitivamente através da oralidade que lhes é intrínseca. Em tese, o projeto apontou algumas possibilidades interpretativas, mas todas convergindo para os mesmos pontos. A relação da memória espontânea com o processo natural de oralidade se apresentou bastante fluido; por outro lado, a relação da memória quando estimulada por imagens fotográficas acabou por se mostrar diferenciada na sua forma de expor, mas ambas se mostraram similares quando percebidas a partir de experiências vividas. Portanto, a imagem técnica pode assumir o importante papel de influenciadora da construção histórica dos povos semi-isolados dentro da perspectiva do desenvolvimento natural de sua cultural.

Palavras-Chave: Fotografia; Fotografia-História; Índios Nafukuá; Índios -

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historical construction of the semi-isolated peoples, using as study population the Nafukuá Indians, located in the southern region of the Xingu Indigenous Territory, known as Alto Xingu. This research report was structured in six blocks: (1) the introduction presents and contextualizes the work; (2) the first chapter deals with the imaginative process of the human being, relating it to the image and the orality; (3) the second chapter makes a relation between the technical image and the orality, associating them with the studies applied to the human sciences; (4) the third chapter presents the historical condition of the Nafukuá ethnic group within the Xingu social context, treating its condition of semi-isolation; (5) the fourth chapter presents the field research from its methodology, through data collection, to tabulation and analysis. Finally, (6) the conclusion, where the analysis is crossed with the hypotheses and objectives of the project. The research shows that it is inevitable and progressive the relation of interdependence between image and historical memory of these peoples. The study made clear that even using the visual cut made by people who are not originally part of the ethnic group, the semi-isolated peoples are capable of producing a historical logic very close to the one that would establish intuitively through the orality that is intrinsic to them. In thesis, the project pointed out some interpretive possibilities, but all converging towards the same points. The relationship between spontaneous memory and the natural process of orality was quite fluid; on the other hand, the relation of memory when stimulated by photographic images turned out to be differentiated in the way it was exposed, but both were similar when perceived from experiences. Therefore, the technical image can assume the important role of influencing the historical construction of semi-isolated peoples within the perspective of the natural development of their culture.

Keywords: Photography; Photography-History; Nafukuá Indians; Indians –

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FIGURA 1: Localização geográfica da Aldeia Nafukuá na TI Parque

Indígena do Xingu... 54

FIGURA 2: 1ª reunião com comunidade Nafukuá... 65

FIGURA 3: 2ª reunião com a comunidade Nafukuá... 65

FIGURA 4: Atatiro Kalapalo acompanhado do tradutor em entrevista na etapa do pré-teste... 68

FIGURA 5: Imagem índio Amaka Akua Kalapalo (Milton Silva Santos)... 69

FIGURA 6: Cacique Tafukumã Kalapalo... 72

FIGURA 7: Índios do Alto Xingu em transporte de canoa artesanal... 73

FIGURA 8: Varal Fotográfico, Aldeia Kuikuro... 75

FIGURA 9: Painel Fotográfico, Aldeia Kuikuro... 75

FIGURA 10: Imagens fotográficas, oca da Aldeia Kuikuro... 76

FIGURA 11: Imagem fotográfica, oca da Aldeia Kuikuro... 76

FIGURA 12: Yamalui Kuikuro em palestra na UNIVALI... 77

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TABELA 2: Modelo de ficha de transcrição... 83 TABELA 3: Tabela de redução de conteúdo - 1ª etapa da pesquisa de campo 84 TABELA 4: Tabela de redução de conteúdo - 2ª etapa da pesquisa de campo 84

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CAPÍTULO 2: Fotografia, oralidade e as ciências humanas... 28

CAPÍTULO 3: A condição histórica e cultural da etnia Nafukuá... 38

3.1 Entendendo o conceito de cultura... 38

3.2 Contexto histórico do índio xinguano... 40

3.3 Os Nafukuás no contexto xinguano... 50

3.4 Os Nafukuás e sua condição de semi-isolamento... 52

CAPÍTULO 4: Pesquisa de campo... 55

4.1 Metodologia de pesquisa... 55

4.1.1 Definição da população de pesquisa... 57

4.1.2 Definição de imagens fotográficas a serem utilizadas em campo.... 57

4.1.3 Definição das abordagens pessoais... 58

4.1.4 Método de coleta de dados... 59

4.2 Desenvolvimento da pesquisa de campo... 60

4.2.1 Aspectos legais para o desenvolvimento da pesquisa... 60

4.2.1.1 Autorização da comunidade... 61

4.2.1.2 Autorização da Fundação Nacional do Índio – FUNAI... 61

4.2.1.3 Declaração do Mérito Científico... 62

4.2.1.4 Parecer do Comitê de Ética... 63

4.2.2 Processo de inserção na comunidade... 63

4.2.3 Realização da pesquisa... 67

4.2.3.1 Aplicação do pré-teste... 67

4.2.3.2 Abordagens pessoais e coleta de dados... 70

4.2.3.2.1 Imagens utilizadas em campo... 71

4.3 Observações de campo... 73

4.4 Análise e Tabulação dos dados... 80

CONCLUSÃO... 85

REFERÊNCIAS... 96

APÊNDICES... 99

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INTRODUÇÃO

Este trabalho tem a proposta de investigar o uso da fotografia como elemento ativo na construção da memória histórica de povos semi-isolados, focado nos povos indígenas do Alto Xingu, região ao sul do Território Indígena do Xingu - TIX1 que se localiza ao norte do Estado do Mato Grosso, na Região Centro-Oeste do

Brasil. Preocupado com a abrangência que a pesquisa poderia tomar considerando o grau de complexidade sugerido pelo assunto a partir de indagações exploratórias, foi necessário definir um recorte que permitisse atender às expectativas investigatórias deste projeto.

Após algumas incursões no TIX na tentativa de definição de uma comunidade que apresentasse atributos de semi-isolamento, se adequando ao que, posteriormente, se configuraria como objetivo do projeto, definiu-se a etnia dos índios Nafukuás como população que reúne as características ideais para o desenvolvimento da proposta deste trabalho. Características estas concentradas em aspectos que envolvem, prioritariamente, a localização da aldeia e suas formas de acesso, e que leve em conta o uso de tecnologia de comunicação utilizada pelos membros da comunidade, determinando, assim, o nível de relação com outras sociedades. Este assunto será mais detalhado no item que tratará da condição histórica e cultural da etnia Nafukuá e seu semi-isolamento.

A construção da lógica projetual passou por várias etapas de estruturação levando em conta as informações que foram sendo agregadas com a exploração e consequente conhecimento do tema. Como ponto de partida foi definido o principal problema de projeto, explicitado na seguinte indagação: a fotografia pode exercer uma ação influenciadora na construção histórica de povos semi-isolados, considerando sua natureza técnica, portanto, fruto da cultura industrial, contraposta aos hábitos milenares de transmissão oral de conhecimento destes povos? Neste questionamento inicial de projeto parece não ficar bem claro se é possível separar o que poderemos chamar de fotografia enquanto documento de

1 TIX – Território Indígena Xingu é a atual denominação que substitui o nome “Parque Indígena do

Xingu”, anteriormente utilizado para definir a Terra Indígena que reúne 16 etnias que vivem nas Terras Indígenas Batovi, Wawi, Pequizal do Narovôtu e o próprio Parque. O novo nome foi aprovado por mais de 200 lideranças que se reuniram para discutir o Plano de Gestão do Território Indígena do Xingu em 2016. FONTE: ISA (acesso em 10 de dezembro de 2017).

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observadores externos e fotografia protagonista, ou seja, fotografia desenvolvida pelos próprios indígenas; tampouco é possível separar, dentro da sua estrutura técnica, a tangibilidade da imagem, não definindo se se trata de uma imagem impressa ou virtual. Assim sendo, foi considerado, para fins de estudo, somente a natureza técnica da imagem, não importando o meio em que a mesma se apresenta. No que se refere à autoria, é importante destacar que no primeiro momento da pesquisa não foi realizada nenhuma distinção. No entanto, o trabalho aponta para uma possível diferenciação, em relação aos recortes produzidos, a partir da diferenças culturais naturalmente estabelecidas entre uma cultura teórica e tecnologicamente desenvolvida e uma cultura alicerçada na oralidade e no empirismo.

Decorrente desta primeira indagação surgiu outra que, de forma complementar, é projetualmente instigante. É claro que, se existe a preocupação com a influência exercida pela fotografia na construção de uma memória histórica, se torna decorrente querer entender se estes povos indígenas possuem a mesma percepção que a sociedade do homem branco2 em relação ao uso da tecnologia

como meio para estabelecer referenciais históricos.

Com o intuito de obter as respostas para estes questionamentos iniciais foi necessário estruturar o projeto como forma de nortear a pesquisa. Antes mesmo de uma definição de objetivos, hipóteses surgiram na perspectiva de que fosse encontrado o direcionamento mais adequado para as investigações tanto teórica quanto prática que deveriam resultar desta proposta projetual, permitindo, desta forma, a elaboração de um raciocínio conclusivo capaz de apontar perspectivas futuras neste campo de estudo. As hipóteses são:

a) Populações que historicamente utilizaram a oralidade como base de sua transmissão cultural passaram, a partir de um determinado momento muito atual, a fazer uso da fotografia como referência para o estabelecimento de sua memória histórica, mesmo que não estivessem familiarizados com os aspectos técnicos, plásticos e artísticos intrínsecos às imagens técnicas bidimensionais, em detrimento da oralidade tradicionalmente estabelecida;

2 “Homem Branco” e “Cultura do Branco” são termos utilizados pelos indígenas para se referir às

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b) A fotografia assumiu posição definitiva e transformadora como referencial na memória histórica dos povos semi-isolados com a inclusão de aspectos culturais provenientes da cultura do homem branco e que não encontram sustentação na história cultural destes povos;

c) É possível que povos semi-isolados produzam suas referências histórico-culturais iconográficas a partir de suas próprias percepções, considerando ao máximo a influência de seus hábitos cotidianos e das representatividades e significados culturais, minimizando o impacto de aspectos estéticos advindos da cultura do branco3.

Portanto, entender qual o papel da imagem técnica, em especial a fotografia, como agente influenciador da construção histórica de povos semi-isolados, com foco nos povos indígenas do Alto Xingu, se tornou o objetivo principal deste trabalho. Em decorrência deste, objetivos secundários se estabeleceram: (1) contribuir para que os povos semi-isolados utilizem a imagem técnica como elemento estimulante dos processos imaginativos relacionados à construção histórica, sem que isso assuma um papel nocivo em relação ao desenvolvimento natural de sua cultura; e (2) desenvolver a consciência, por parte da cultura do branco, sobre o uso adequado da imagem técnica junto aos povos semi-isolados, sustentando, desta forma, a elaboração de políticas justas que contribuam para o desenvolvimento cultural de tais povos, com vistas a minimizar os impactos culturais que lhes são impostos.

Fica evidente que as respostas para tais indagações, impulsionadas pelo anseio de produzir uma reflexão que atenda às expectativas delineadas nos objetivos deste trabalho, passam por uma bem estruturada trajetória de pesquisa que se divide, como dito, em duas vertentes: (1) a teórica, onde são exploradas as bases já consagradas do conhecimento humano como forma de sustentar, então, a (2) investigação de campo que se define como sendo a vertente prática da pesquisa.

3 A compreensão desta hipótese de projeto passa, necessariamente, pelo entendimento de que a

maioria expressiva das imagens técnicas produzidas ao longo da história são resultado da percepção do homem branco e que só recentemente os indígenas semi-isolados passaram a produzir suas próprias imagens em função da facilidade do acesso à tecnologia, o que, consequentemente, os faz despertar para o interesse em protagonizar esta forma de registro – assunto que será explorado no decorrer do projeto. (N.A.)

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Assim sendo, o desenvolvimento do trabalho se deu da seguinte forma. A exploração da complexidade teórica do assunto toma luz, num primeiro momento, na compreensão da gênese da imagem fotográfica e, para isso, autores como Boris Kossoy, Jacques Aumont, Susan Sontag e Vilém Flusser, entre outros, permitiram entender a natureza técnica, histórica e documental atribuída a este meio de registro de impressões sobre a realidade. A partir destes autores, também foi possível refletir sobre a natureza artística que é intrínseca ao fazer fotográfico e que pode influenciar no recorte proposto por cada fotógrafo. Esta exploração teórica inicial permitiu o entendimento do papel da fotografia enquanto documento, ou seja, fonte de estudos históricos, diferenciando-a da função de agente cultural ativo assumida por ela quando é incorporada ao processo natural de desenvolvimento cultural de uma determinada sociedade.

A continuidade deste processo teórico trata da capacidade imaginativa do ser humano a partir de reflexões consagradas, por exemplo, de autores como René Descartes, Baruch Espinoza, Gottfried Leibniz, Jean Paul Sartre e Jan Vansina, para que fosse possível compreender a relação de dependência existente entre pensamento, imagem e oralidade, e como tal relação pode constituir o pensar histórico de um determinado grupo de pessoas. Há que se considerar que, reconhecida a relação pensamento-imagem, o uso da fotografia poderá ser entendido não como uma etapa de rompimento entre a tradição oral de transmissão de conhecimento utilizada pelos povos semi-isolados, mas, sim, como uma forma evolutiva de consciência sobre as coisas do passado.

Como forma de contextualizar a pesquisa em seu espaço geográfico, bem como na escolha e definição do seu perfil populacional, autores da área da antropologia como Franz Boas, Darcy Ribeiro, Marina de Andrade Marconi, Zélia Maria Neves Pressoto e Roque de Barros Laiara sustentaram o apanhado teórico, permitindo a compreensão do estado atual da cultural de povos semi-isolados no Brasil, em especial da etnia dos índios Nafukuás utilizados neste trabalho como população de pesquisa. Dentro desta perspectiva teórica, foi necessário transitar no pensamento das correntes e conceitos da antropologia moderna, como forma de elucidar a compreensão da evolução cultural dos povos semi-isolados para que fosse possível fazer a devida relação entre as bases teóricas aqui elencadas com as percepções advindas do trabalho de campo. A apresentação da pesquisa de campo

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e de seus resultados se configura como quarta etapa do projeto, precedendo a apresentação da análise conclusiva que finaliza o trabalho.

Considerando a correlação dos assuntos aqui pretendidos como base teórica, a ordem em que são apresentados especificamente tais assuntos não determina uma lógica linear e definitiva de raciocínio, muito pelo contrário: a forma de relacionar tais conteúdos só se revela no momento em que cada pesquisador desenvolve sua pesquisa, deixando claro que, se um tema suporta mais de uma abordagem, isso significa que é possível fazer mais de uma relação teórica.

No que tange à pesquisa de campo (considerando a natureza subjetiva do tema), esta se serviu de dados qualitativos e foi fundamentada a partir do conceito de antropologia cultural, utilizando-se da etnologia como método de pesquisa e análise, pois se pretende que esta abordagem possibilite produzir generalizações para o conjunto da comunidade estudada e, desta forma, resultar em reflexões conclusivas. Esta abordagem que vem sendo aplicada e aprimorada ao longo de vários estudos sociais nos últimos anos, por se acreditar ser a maneira que mais efetivamente coloca o pesquisador no lugar do sujeito, creditando, assim, validade à investigação realizada, é apresentada também no quarto capítulo que trata da metodologia, bem como no último tópico que apresenta a conclusão.

Outro aspecto importante a ser considerado no desenvolvimento deste trabalho é o nível de aprofundamento do estudo em decorrência das limitações que a própria pesquisa revelou. Limitações, estas, que num primeiro momento foram definidas por variáveis externas que não estavam diretamente vinculadas no escopo gerencial do projeto e que, portanto, não permitiram total controle por parte do pesquisador; entre elas, destacam-se as decisões unilaterais por parte das comunidades indígenas nas tomadas de decisões referentes à pesquisa de campo e os entraves burocráticos advindos dos órgãos públicos que realizam a gestão das políticas relacionadas aos povos indígenas. Num segundo momento, as variáveis que se apresentam como decorrência do próprio método de pesquisa adotado e que não foram previstas, mas sim inevitavelmente incorporadas, foram administradas de maneira que seus impactos interferissem o menos possível nos resultados pretendidos, como, por exemplo, a escolha da etnia enquanto população de pesquisa e a reação dos entrevistados durante a abordagem de campo (conforme constará no Capítulo 4 que descreve a realização da pesquisa de campo).

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A tabulação apresentada no item 4.4 (Capítulo 4), que se utilizou de um protocolo previamente estabelecido e que validou o método de coleta de dados, subsidiou a análise conclusiva apresentada no item “Conclusão”. No entanto, a análise indicou que se trata de um tema de profunda complexidade e que o raciocínio conclusivo gerado não basta, por si só, para a elucidação das questões apresentadas, mas deixa claro que o objetivo de se entender o papel da imagem técnica como agente influenciador na construção histórica de povos semi-isolados foi alcançado, permitindo ao pesquisador vislumbrar possibilidades futuras de estudo nesta área.

A fotografia como área de conhecimento é muito recente, pois sua existência não ultrapassa os duzentos anos de suas primeiras experiências. Portanto, tem-se a consciência de que o tema de pesquisa aqui trabalhado preconiza uma complexidade que, por sua vez, permite afirmar que se trata de uma área de conhecimento de exploração infindável, considerando-se os mais variáveis e possíveis recortes e correlações com outras áreas do conhecimento humano. No entanto, consultas em bancos de dados acadêmicos permitem estabelecer o pretendido ineditismo da pesquisa no que diz respeito ao entendimento da fotografia como elemento ativo na construção histórica de povos semi-isolados.

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CAPÍTULO 1 - IMAGEM, ORALIDADE, IMAGINAÇÃO E AS ABSTRÇÕES DA REALIDADE

Para fins de compreensão da complexa relação do homem com o seu mundo exterior, se faz necessário o entendimento de alguns aspectos físicos e intelectuais que compõem o mundo imagético. Em uma abordagem conceitual da imagem e seus consequentes processos imaginativos, que se caracterizam como abstrações da realidade, é importante estabelecer a diferenciação de dois tipos de imagem: (1) a imagem fotográfica, que aqui será chamada de imagem técnica e que é representada em superfícies planas, ou seja, a imagem física ou digital em duas dimensões; e (2) a imagem orgânica, definida por três dimensões4 e que resulta em

um dos mais importantes meios de interação do homem com o mundo externo. Inicialmente, há que se esclarecer as diferenças básicas na construção destas duas formas de imagens. A imagem técnica se estabelece por um sistema óptico que apresenta semelhanças com o sistema de visualização humano, mas que consegue ampliar as possibilidades perceptivas através de recursos ópticos sofisticados, como, por exemplo, o uso variável da distância focal5 nas objetivas

fotográficas que amplia ou diminui o campo de visão. No entanto, a imagem técnica é restrita justamente em função de suas características técnicas de um sistema monocular, resultando na representação bidimensional da espacialidade do mundo real. Neste sentido, sua interpretação depende, necessariamente, de uma segunda imagem produzida pelo sistema visual humano, a imagem orgânica (definida a seguir). Portanto, a imagem técnica, que é o resultado de um processo de impressão da luz6, responsável pela materialização da imagem, assume características de

objeto autônomo do qual não fazem parte os processos mentais e interpretativos do ser humano inerentes à existência da imagem orgânica.

4 Cabe observar que o sistema binocular da visão humana resulta na percepção da terceira

dimensão, a profundidade, que não existe em uma imagem bidimensional que possui somente duas dimensões, isto é, altura e largura. (N.A)

5 Distância Focal é a distância entre o plano fotossensível e o centro óptico da lente que, quando

varia, possibilita abrir ou fechar o ângulo de visão, causando a sensação de aproximação ou afastamento do objeto. Esta variação da Distância Focal pode ser realizada pela troca de lentes ou através do mecanismos chamado de Zoom Óptico. (N.A.)

6 A expressão “impressão da luz” faz referência não só ao sistema analógico (revelação química

através de suportes fotossensíveis), mas, também, ao sistema de impressão de imagens produzidas por sistemas digitais. (N.A.)

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A imagem orgânica, por sua vez, se estabelece por um sistema físico binocular que é seguido por sucessivas operações químicas e nervosas, resultando em uma complexa percepção da realidade em um determinado espaço-tempo, concretizada nos processos interpretativos que dão ao ser humano a condição de compreender o meio ambiente no qual está inserido.

Quando se trata aqui de interpretação, ainda não se está falando dos significados resultantes do seu conteúdo informativo, mas na identificação de códigos como um padrão humano. Nesta abordagem, é necessário compreender que o sentido da visão, como forma de determinar padrões que possibilitam a percepção espaço temporal, não é um privilégio do ser humano, pois faz parte da natureza animal e, portanto, se estende a quase todas as outras espécies que se utilizam de uma visão binocular. Por sua vez, o uso da imagem como objeto detentor de conteúdo que pode ser decodificado além dos padrões e utilizado como meio de comunicação entre dois ou mais seres, este sim, a princípio, passa a ser um atributo exclusivo do ser humano.

Esta capacidade interpretativa, que tem sua comprovação aprimorada cientificamente ao longo do tempo, é muito bem sintetizada por Jacques Aumont ao explicar o papel do olho na formação da imagem e suas subsequentes transformações em padrões de visualização. Diz o autor:

(...) assim, a percepção visual é o processamento, em etapas sucessivas, de uma informação que nos chega por intermédio da luz que entra em nossos olhos. Como toda informação, esta é codificada – em um sentido que não é o da semiologia: os códigos são, aqui, regras de transformação naturais (nem arbitrárias, nem convencionais) que determinam a atividade nervosa em função da informação contida na luz. Falar de codificação de informação visual significa, pois, que nosso sistema visual é capaz de localizar e de interpretar certas regularidades nos fenômenos luminosos que atingem nossos olhos. (AUMONT, 1993: 22)

Não é possível desassociar a formação da imagem orgânica das variáveis temporais que, segundo o próprio Aumont (1993: 31), afetam diretamente a visão e, consequentemente, a percepção de padrões. Isso se dá pelo fato de que os estímulos visuais variam com sua duração, pois são produzidos continuamente, dependendo do movimento dos olhos, que são constantes, e também por considerar

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a irregularidade da percepção, podendo, esta, acontecer em estágios mais rápidos ou mais lentos.

Fisicamente, esta colocação do autor é explicada porque a imagem retiniana7 exige um determinado tempo desde o estímulo inicial percebido pelo

aparelho receptor até a excitação do córtex cerebral8. Portanto, é neste intervalo de

tempo que se estabelecem os padrões de visualização.

A partir do momento em que é possível estabelecer as diferenças construtivas da imagem técnica e da imagem orgânica, surge a necessidade de compreender a relação do ser humano com seus referenciais imagéticos. Por que não basta ao homem a imagem resultante do seu próprio e completo sistema fisiológico e psicológico? Por que o homem necessita produzir imagens técnicas de caraterísticas meramente representativas, sendo que as mesmas só se justificam no momento em que o próprio homem as visualiza?

É possível que as respostas para tais indagações estejam na elevada capacidade de compreensão permitida pelo sistema nervoso humano, o qual transporta o homem para um estágio de absoluta abstração do real. Ao tomar consciência de sua existência, o homem não se basta só em si, necessitando de referências para recriar suas memórias imagéticas e permitindo, assim, entender sua origem como meio de aceitar o presente, o real; e somente a partir deste estágio consegue projetar seu futuro na mesma dimensão imagética de suas memórias.

A criação da imagem tangível que representa as coisas como o homem é capaz de percebê-las foge dos padrões da fisiologia e do processo de imaginação inerente à memória. Esta é uma condição de existência da imagem desenvolvida pelo próprio homem, que, apesar de dotado de um complexo aparelho de visão e interpretação capaz de estabelecer o sentido da realidade fazendo-o tomar consciência em relação às coisas do mundo externo, a partir da perfeita dimensão de espaço e tempo, sente a necessidade de representação da própria realidade por ele percebida como forma de consolidar seus referenciais ligados ao pensamento.

7 Imagem retiniana é o resultado da ação da luz que reflete dos objetos quando atinge a retina,

formando, ali, a primeira configuração da imagem do sistema ocular ainda livre de qualquer tipo de interpretação. Esta imagem é o resultado puro da ação física da luz. (N.A.)

8 Para Aumont (1993: 31), o tempo entre a formação da imagem retiniana e o estímulo do cérebro

decorrem pelo menos de 50 a 150 milissegundos. Destes, cerca de 100 milissegundos é “perdido” na retina e pode variar conforme a circunstância.

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No entanto, esta compreensão seria fácil não fosse o fato de que hoje a humanidade presencia fenômenos que vêm mudando o comportamento humano de maneira até então não percebida. Trata-se da simultaneidade e da efemeridade atribuída à nova imagem técnica. Junto a estes fenômenos surge o conceito do que se convencionou chamar de “imagem em tempo real”, ou seja, imagem técnica que represente o “agora” no exato momento em que o fenômeno ocorre e que possa ser compartilhado instantaneamente com mais pessoas em diversos locais. Tudo indica que se tem aqui uma importante mudança de paradigma, pois não importa só o referencial imagético do passado, mas a forma em que o homem se percebe no presente, e isso se faz possível não mais com a tangibilidade da imagem, mas com a capacidade de registrar, mesmo que de maneira efêmera, uma forma de estabelecer o sentido de verdade da existência humana. Verdade, esta, que se concretiza na simultaneidade e na possibilidade de compartilhamento.

Na busca de um entendimento mais amplo no que diz respeito à relação dos processos imaginativos com a memória, é Aumont (1993: 78) ainda quem explica com clareza os aspectos funcionais da visão humana, ao destacar que a imagem sempre foi produzida pelos mais variados conjuntos sociais, para uso coletivo ou individual, como forma de intermediar a relação do indivíduo com a sociedade. Ora, se esta necessidade se fez presente ao longo da história, em alguns contextos mais intensamente e com características de aproximação do real e, em outros, de maneira menos intensa e com características mais abstratas, tudo leva a crer que o homem, independentemente do contexto em que vive, necessita do que podemos chamar de uma retroalimentação imagética do pensamento como forma de “fertilização” do seu processo imaginativo relacionado à memória.

No entendimento mais conceitual – mas que se completa quando relacionamos aos estudos científicos de Aumont – diz Descartes (apud SARTRE, 2011: 13) que a imagem é uma “coisa corporal”, se referindo à imagem percebida pelo espectador, a imagem orgânica. Em complemento, afirma ser a imagem o produto da ação dos corpos exteriores sobre o nosso próprio corpo por intermédio dos sentidos e dos nervos. No entanto, é o próprio autor que introduz o atributo da intelectualidade à percepção da imagem das coisas quando diz que somente o juízo e o entendimento permitem, a partir da coerência intelectual da imagem, percebê-la como correspondente a objetos. É exatamente este entendimento de dependência

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que retira da imagem retiniana o atributo de autonomia que encontramos na imagem técnica.

Este raciocínio de intelectualidade intrínseca atribuída à imagem orgânica produzida pelo sistema de visão humano evoluiu quando autores procuraram fazer a relação direta da mesma como a consciência (entendimento) em relação ao mundo exterior. Neste sentido, Espinoza (apud SARTRE, 2011: 15) afirma que a imaginação, diferentemente do entendimento, pode forjar ideias falsas e que só apresenta a verdade de forma truncada. Para ele, a imagem possui duplo aspecto, é distinta da ideia: é pensamento enquanto modo finito. Por outro lado, a ideia apresenta-se como fragmento do mundo infinito que é o conjunto de ideias.

Leibniz, igualmente citado por Sartre (2011: 15), evolui estabelecendo outro raciocínio, dizendo que imagem e pensamento são elementos contínuos – a imagem nele é penetrada de intelectualidade, e assim, assume um papel auxiliar do pensamento. Desta forma, é possível entender que o pensamento é o resultado de um processo de sistematização de imagens. Sintetizando todas estas percepções, Sartre (2011: 33), ao postular que não existe “pensamento sem imagem”, nos ajuda a compreender que não podemos perceber a imagem, seja de qual natureza for, técnica ou orgânica, desassociada da capacidade humana de interpretar. Considerando que “as imagens estão ligadas entre si por relações de contiguidade, de proximidade, que agem como ‘forças dadas’; elas se aglomeram segundo atrações de natureza em parte mecânica, em parte mágica” (SARTRE, 2011: 18), passamos a entender que o estabelecimento do pensamento consciente se dá pela organização das imagens por semelhança, o que nos leva à compreensão do todo a que elas correspondem, o estado de consciência. O autor complementa tal raciocínio acrescentando que a elaboração da ideia, que não tem outra existência senão a de objetos internos contidos no pensamento, ou seja, a memória – que nada mais é do que imagens mentais que agem como referenciais – nem sempre se dá de forma consciente, pois só desperta para sua ligação com a percepção do presente. Portanto, mentem na sua essência a condição de “objetos materiais” presentes no espírito, de maneira inconsciente.

É nesta capacidade de organizar e reorganizar o pensamento a partir de imagens contidas no espírito, de maneira consciente ou inconsciente, que se

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estabelece o potencial abstrato da memória, o qual se constitui como base da construção histórica. Sobre a memória, afirma Nélida Piñon:

(...) é uma entidade que persegue o ser humano e que não está a serviço do homem tanto quanto ele pensa. Ao mesmo tempo, a memória é a matéria mais irrenunciável do homem. A memória não tem coesão, não tem lógica, não tem simetria e é fragmentada, múltipla, confusa, um turbilhão que se apossa do seu ser, da sua integridade. (PIÑON apud FREITAS, 2002: 73)

Freitas (2002: 64), ao citar Henri Bergson como um expoente da psicologia científica a partir de 1880, diz que o autor se refere à “memória pura” como sendo aquela que se mantém subconsciente, ligada ao “eu profundo”, singular, sendo que só ela recuperaria o passado em sua totalidade e sem nenhuma intenção utilitária. Para que isso ocorra, porém, é necessário afastar a mente e distanciá-la da ação:

[...] e creio que todo o nosso passado lá está, subconsciente, isto é, presente a nós de tal maneira que nossa consciência, para revê-lo, não necessita sair de si mesma nem acrescentar-se algo estranho: ela só precisa, para perceber distintamente tudo que ela contém, ou melhor, tudo que ela é, afastar um obstáculo, levantar um véu. (BERGSON apud FREITAS, 2002: 65)

Tomando este raciocínio de Bergson como referência, é possível interpretar que, na sua origem, a memória tem a individualidade, mas, mais do que isso, no estado puro ela é um privilégio de quem a detém e seu manifesto independeria das ações externas. No entanto, outros autores acreditam que seja impossível desassociar a memória da relação homem/sociedade. Segundo Bosi (1983: 16), Maurice Halbwachs, um dos mais importantes estudiosos da relação entre memória e história, “desloca o eixo das investigações da psique e do espírito para as funções que as representações e ideias dos homens exercem no interior do seu grupo e da sociedade em geral”, e sobre a preexistência do predomínio do social sobre o individual, diz que esta deveria alterar substancialmente o enfoque dos fenômenos ditos psicológicos, como a percepção, a consciência e a memória. Para o autor, Halbwachs relativiza as ideias de Bergson no sentido de que lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar com imagens e ideias de hoje.

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A partir deste ponto de vista, “memória pura” se caracteriza como uma utopia e a realidade da memória assume definitivamente o caráter interpessoal, portanto, social. As experiências pessoais, por si só, já não podem ser consideradas verdades absolutas se não forem analisadas a partir do seu contexto social. É a memória coletiva determinando a revelação da memória individual. Ainda de acordo com Freitas (2002: 67), a reconstrução do passado irá depender da relação do indivíduo num grupo social que compartilha suas experiências; enfim, será o grupo que sustentará as lembranças.

Na provocação da memória, as imagens técnicas assumem o papel de representações de fatos acontecidos, num determinado espaço-tempo e dentro de um contexto social, servindo apenas como deflagradoras de um complexo processo imaginativo individual do homem a partir de uma consciência coletiva.

Mais especificamente sobre os estados de consciência, Felício (1994: 80) considera que “a percepção, a imaginação, a reflexão, a memória etc. são consciências. Cada qual é uma maneira diferente da consciência visar um certo correto – como percebido, imaginado, refletido, lembrado, etc.”. E complementa dizendo que “cada síntese da consciência com seu correlato produz um objeto: percepto, imagem, conceito, lembrança etc.”, concluindo que “por sua vez, a imagem não está contida na consciência, porque a consciência não é uma substância, mas um ato – um nada que visa a ser e que se preenche ao visá-lo”.

Antes desta abordagem sobre a consciência feita por Felício, no início do século XX, Ribot (apud SARTRE, 2011: 38-39) suscita um novo questionamento, a saber: quais são as formas de associação que dão lugar a novas combinações e sob que influências elas se formam? A partir deste momento o autor substitui o livre associacionismo por “associacionismos dirigido” [sic], apontando três fatores diretos para uma associação criadora: intelectual, afetivo e inconsciente – sendo os dois primeiros o resultado direto de um estado de consciência. Dentro desta perspectiva associacionista, o intelectual são estados de consciência que se combinam a partir de um sentimento afetivo comum; portanto, num ritmo repetitivo e sequencial, poderá existir a condensação, seguida da transferência que é deflagrada por um sentimento intenso, aproximando estados semelhantes ou análogos que, mais uma vez, se condensam e assim sucessivamente, formando novas relações. Quanto às

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associações inconscientes, o autor diz que podem ser da mesma natureza igualmente intelectual e afetiva, mas que não alcançam o estado de lucidez.

Ainda na busca do entendimento da relação do homem com a imagem, é possível constatar que, se a memória é fruto de novas associações dirigidas, é certo afirmar que a renovação imagética do pensamento está em constante evolução e transformação, pois, necessariamente, torna-se o resultado direto de condensação e da transferência. Este processo talvez explique a dissolução da imagem na memória, já que a imagem mesma deixa de estar no seu estado primário, “memória pura”, de lembrança, enquanto sobre ela se depositam tantas outras situações imagéticas resultantes de novas situações presenciadas e de novas relações racionalizadas ou mesmo inconscientes.

Portanto, se for considerado que a memória é o resultado direto de novas associações dirigidas, é procedente pensar ser ela um ato da existência; consequentemente, a lembrança de atos anteriores da consciência deve ser percebida como algo pertencente a uma suposta metafísica do real e, como tal, como realidade presente.

Apesar de o homem ter tratado tão intensamente a relação da consciência com os processos imaginativos na busca da compreensão da sua própria natureza, cabe lembrar que isso só foi possível a partir do surgimento da escrita, ou seja, por volta de três a dois milênios a. C. De acordo com Flusser (2011: 24), a escrita linear surge como forma de descrever as superfícies das imagens em linhas e alinhar os elementos da imaginação. O tempo circular passou a ser transcodificado em linear trazendo à tona, como verdade, o surgimento da consciência histórica que, de certa forma, foi balizada pela luta entre a escrita e a imagem, da consciência histórica contra a consciência mágica.

A questão central que buscamos elucidar é entender como povos em condições de semi-isolamento e que tiveram a oralidade como base de transferência de conhecimento, mas, antes disso, de manifesto da consciência da sua própria existência, lidam com novas referências que não só as imagens mentais, as imagens técnicas, sem antes terem sido experimentados na reflexão teórica, ou seja, no alinhamento dos elementos da imaginação – conforme refere Flusser –, diferentemente dos povos letrados que a praticam há mais de quatro mil anos.

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Este hiato evolutivo que separa o uso da oralidade e o uso da imagem técnica, e que foi imposto a estes povos em decorrência de uma evolução social chamada de modernidade, ainda tem consequências imprevisíveis no processo de aculturação em que estão inseridos. Submetê-los a um processo dependente de uma determinada tecnologia, considerando que esta, para eles, não se origina de uma necessidade de desenvolvimento social, mas sim de uma imposição motiva por um desejo de domínio cultural, pode significar a “morte” de sua consciência enquanto etnia, obrigando-os a uma integração social sobre a qual não tiveram plena consciência, e que sua memória não alcança por não terem vivenciado. Pois, sem a consciência, não há o entendimento, e sem o entendimento de quem são, não poderão vislumbrar um caminho para a sua própria cultura.

Portanto, outro importante aspecto que deve ser levado em conta no processo de imaginação é a oralidade como meio de manifesto do pensamento. Ao estabelecer uma relação entre a oralidade e a memória, Freitas (2002: 52) diz que a compreensão desta relação passa necessariamente pelo entendimento do próprio conceito de memória. Ora, se é possível definir memória como uma reorganização de imagens dos estados de consciência passados, como visto anteriormente, é possível designar à oralidade o status de um processo de audiodescrição de imagens orgânicas produzidas pelo estado de consciência do próprio homem, o qual carrega na sua essência a subjetividade como elemento construtivo.

Ampliando esta compreensão para o conceito de consciência coletiva, é possível entendê-la como o conjunto de experiências individuais manifestadas pelo estado de memória de cada indivíduo, e que são sobrepostas intencionalmente, conforme define Ribot (apud SARTRE, 2011) quando trata do conceito de “associacionismos dirigido” ao explicar o estado de consciência, mas que aqui são acrescidas de um contexto social que as condiciona. Isto é, podemos entender a consciência coletiva como um estado de reorganização de memórias individuais propositalmente associadas pelo processo de imaginação e que tem na oralidade sua forma essencial de manifesto e traz a subjetividade como elemento base de sua construção. A imagem técnica assume aqui o papel de referência da memória.

A subjetividade identificada na oralidade é, de certa forma, a mesma identificada na imagem técnica, porém se manifestam de maneira e intensidades diferenciadas. Uma fotografia, por exemplo, ao ser construída, está baseada na

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seletividade intencional do fotógrafo e na interpretação seletiva do “leitor”, se assemelhando à seletividade intencional dos fatos que são reorganizados na oralidade quando expressa a memória individual.

O resultado não poderia ser diferente: a sociedade, que a partir de um determinado momento histórico priorizou a tecnologia em detrimento do desenvolvimento intelectual da maioria da população, é a mesma que renega a sua capacidade intrínseca de relatar oralmente fatos a partir da ativação da memória. Mas é esta mesma sociedade que se contradiz ao colocar em dúvida a imagem técnica por ela desenvolvida, não a aceitando como prova cabal de uma realidade passada. O mesmo valor de subjetividade existente na oralidade foi entendido como forma de manipulação na imagem técnica e, desta forma, a oralidade e os processos imaginativos foram colocados em um patamar inferior ao do texto, que reinou com supremacia por mais de três mil anos, ditando regras aos elementos que o sustentam.

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CAPÍTULO 2 - FOTOGRAFIA, ORALIDADE E AS CIÊNCIAS HUMANAS

Neste capítulo, busca-se estabelecer as diferenças do uso da fotografia como ferramenta e como objeto de pesquisa, bem como o entendimento do uso da oralidade nos processos de construção histórica, a fim de sustentar o trabalho realizado em campo e sua consequente conclusão. Embora muito próximas e sinérgicas, a fotografia e a oralidade são utilizadas na busca deste entendimento por caminhos distintos.

O entendimento da fotografia ligada aos processos investigatórios remete aos estudos antropológicos e sociológicos que buscam a compreensão do homem e da sociedade em que ele está inserido; nas palavras de Kossoy (2001: 55): “Trata-se da fotografia como instrumento de pesquisa, prestando-se à descoberta, análise e interpretação da vida histórica”. Para tanto, faz-se necessário compreender minimamente a evolução do pensamento antropológico através de seus métodos de pesquisa, o que permite entender a fotografia enquanto ferramenta, culminando com a compreensão do que se passou a chamar, a partir da segunda metade do século XX, de Antropologia Visual.

A fotografia como objeto de estudo não despreza o seu próprio uso como ferramenta de pesquisa, mas se concentra no conteúdo iconográfico9, na

capacidade que ele possui de estimular o pensamento produzindo consciência do mundo real através de referências do tempo passado. Não se preocupa necessariamente com a cronologia dos fatos, mas sim, com a influência que suas representações possam ter no pensamento construtivo da memória.

No entanto, relacionar a fotografia com a capacidade humana de se “apropriar” do tempo passado parece ser o caminho necessário para o entendimento da possível influência que ela exerce sobre mentes que se desenvolveram autônomas, em contrapartida ao que Flusser (2011: 35) remete como sendo a “fusão da sociedade em massa amorfa” promovida pela imagem técnica. Tal colocação do

9 A compreensão contemporânea do significado de Iconografia está relacionada ao estudo das

imagens produzidas pelas Artes Visuais, embora sua origem esteja vinculada às Artes Plásticas tradicionais, tais como a pintura e suas variações, a escultura e a arquitetura. Por sua vez, as Artes Visuais possuem um significado mais amplo e contemporâneo, abrangendo toda a forma de representação do real ou do imaginário humano através de técnicas e ou tecnologias que estejam vinculadas à visão, sem, com isso, desprezar os outros sentidos do corpo humano. Portanto, as Artes Visuais associam as imagens ao som, por exemplo. (N.A.)

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autor diz respeito à homogeneidade nociva produzida na sociedade em consequência dos padrões resultante dos princípios tecnológicos desenvolvidos pela indústria com o objetivo, primeiro, de introduzir a imagem técnica na vida cotidiana. Padrões, estes, que na maioria das vezes agem em detrimento da liberdade do ser humano criando uma falsa ilusão de liberdade criativa, quando não passa de uma exploração de um sistema previamente estabelecido do qual o homem é apenas um operador.

A natureza destas duas formas peculiares de uso da fotografia relacionada à investigação, instrumento e objeto de pesquisa, revela o caráter indissociável entre elas, sendo que ambas se utilizam dos mesmos atributos, qual seja, a representação visual dos fatos em um determinado espaço e tempo além da sua iconografia produzida a partir de sua estrutura morfológica e simbólica, e de suas relações com o homem. Contudo, a real dimensão da fotografia como objeto de pesquisa e, mais objetivamente, como influenciadora no processo de construção histórica, requer a clareza de sua relação com outros aspectos que circundam sua existência.

Kossoy (2001: 55) esclarece ainda que o conteúdo documental contido em fotografias que retratam diferentes aspectos da vida passada é importante para o estudo histórico concernente às mais diferentes áreas do conhecimento, afirmando que, se submetida a um prévio exame técnico-iconográfico e interpretativo, a fotografia é capaz de recuperar informações. Diz também que, sobretudo, as imagens assumem a importante função de meio de conhecimento da cena passada, permitindo, assim, a possibilidade de resgate da memória visual do homem e do seu entorno sociocultural.

Se considerarmos, em síntese, tais pensamentos de Kossoy junto ao que foi exposto no capítulo inicial sobre o processo imaginativo do homem, somos conduzidos a entender que existem duas relações bem definidas de leitura que podem ser estabelecidas com o objeto fotográfico. Uma relação diz respeito à leitura deste objeto fotográfico como forma de compreensão do desenvolvimento do homem em sociedade a partir do prisma do observador, a saber, uma terceira pessoa, onde, a princípio, não existe relação afetiva direta do leitor (pesquisador) com o estabelecimento do conteúdo iconográfico, embora ele não se exima da relação interpretativa, ou seja, imaginativa. A outra relação é o entendimento de

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como o homem percebe seu próprio desenvolvimento enquanto centro de uma história a partir de uma imagem técnica que está impregnada de conteúdo afetivo e representativo da sua própria existência, mas que não corresponde mais ao seu espaço e tempo e sim, claramente, à sua memória; vale dizer, afotografia enquanto meio de autoconhecimento. É aqui que o processo imaginativo toma sua maior relevância, pois acontece a partir de estímulos emotivos, ou seja, é o ser humano dando sentido à imagem técnica e é a imagem técnica ressignificando o homem.

Sobre a função e o sentido da imagem no pensamento humano, Susan Sontag traça um paralelo entre imagem técnica, religião e política:

A realidade sempre foi interpretada por meio das informações fornecidas pelas imagens; e os filósofos, desde Platão, tentaram dirimir nossa dependência das imagens ao evocar o padrão de um modo de entender o real sem usar imagens. Mas, quando em meados do século XIX, o padrão parecia estar, afinal, ao nosso alcance, o recuo das antigas ilusões religiosas e políticas em face da investida do pensamento científico e humanístico não criou – como se previra – deserções em massa em favor do real. Ao contrário, a nova era de descrença reforçou a lealdade às imagens. A crença que não podia mais ser concedida a realidades compreendidas na

forma de imagem passou a ser concedida a realidades

compreendidas como se fossem imagens, ilusões. (SONTAG, 2004: 169, grifo da autora)

Observa Feuerbach (apud SONTAG, 2004: 169), a respeito da “nossa era”, que ela “prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser”. Complementando tal raciocínio, Sontag (2004: 169) diz que o pensamento gerado no século XIX, portanto, contemporâneo ao surgimento da câmera fotográfica, tornou-se um “prognóstico amplamente aceito”, e, ratificando este mesmo pensamento, afirma:

Uma sociedade se torna “moderna” quando uma de suas atividades principais consiste em produzir e consumir imagens, quando imagens que têm poderes excepcionais para determinar nossas necessidades em relação à realidade e são, elas mesmas, cobiçados subtítulos da existência em primeira mão se tornam indispensáveis para a saúde de economia, para a estabilidade do corpo social e para a busca da felicidade privada. (SONTAG, 2004: 170)

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É importante entender que, antes mesmo de lhe atribuir a condição de magia, de recriação do real, como se cria quando de seu surgimento, a fotografia é fruto de um processo industrial que permite um recorte a partir de padrões técnicos inerentes à existência do equipamento, como, por exemplo, a sua visão monocular. Ainda assim, é muito mais do que isso, pois ela é parte da “coisa”, é o objeto na sua condição metafisica. A fotografia só é possível quando registra a luz que reflete do corpo. Portanto, ao registrar a reflexão de uma superfície, ela está assumindo a função do objeto reconfigurado, mesmo que parcialmente, a partir do resultado da ação do próprio objeto, respeitando sua existência. Esta condição, que lhe é peculiar como processo de registro da luz, permite entender o quanto ela assume, na sua própria existência, a expansão transcendente do objeto fotografado, e, como o objeto além do seu corpo físico, também assume a capacidade de influenciar diretamente a memória humana. É esta representatividade exercida pela fotografia que permite o que podemos chamar de uma “arqueologia visual”, pois remete o leitor, através do sentido da visão, a um tempo passado que, ao ser entendido como tal, reconstrói, isoladamente ou associada a outros elementos imagéticos, diferentes lógicas históricas com diferentes pontos de vista que levam à tomada de consciência do próprio homem. Este raciocínio serve como base do que contemporaneamente se entende como Antropologia Visual.

Avançando na compreensão da imagem técnica, sobre a fotografia como tomada de consciência do real através dos elementos iconográficos, Benjamin (1944: 174) diz que “com a fotografia, o valor ao culto começa a recuar em todas as frentes em relação ao valor da exposição”, identificando no rosto humano “sua última trincheira”, pois foi o “culto da saudade, consagrada aos amores ausentes e nos defuntos” que fez do retrato, não por acaso, o tema principal das primeiras fotografias. Observa-se que Benjamin, com esta abordagem, faz uma relação direta entre a imagem técnica e o pensamento humano, então, quando ambos conseguem transgredir em relação à natureza da fotografia enquanto objeto físico e alcançam a capacidade de “transportar” o homem a um tempo passado. O autor amplia esta percepção quando cita Eugène Atget10, o qual teria dito que suas fotografias se

10 Eugène Atget, fotógrafo francês nascido em Libourne em 1857 e falecido em Paris em 1927. Iniciou

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“transformavam em autos do processo da história” por fazerem registros que não mais contemplavam o homem como elemento explícito da imagem, uma vez que, ao fazê-lo, ele explorava de maneira radical o ato de fotografar, a exposição, em detrimento ao culto do fotografado.

O que talvez não estivesse bem claro para Atget é o fato de que, ao registrar no início do século XIX as ruas de Paris, muitas vezes desprovidas da presença humana, estava dando início a uma abordagem que levaria a fotografia ao patamar de ferramenta tecnológica a serviço da compreensão do todo social, tirando de foco, mas não excluindo de maneira definitiva, a presença explícita do ser humano. Dá-se aqui, talvez ou indiretamente, uma das primeiras experiências da fotografia como elemento denotativo de uma condição social da existência humana, ou seja, a fotografia como instrumento documental de um espaço em um tempo passado. Esta colocação não significa que as fotografias da segunda metade do século XIX11 não tenham assumido inicialmente o papel documental, mas tudo indica

que é neste momento histórico que a objetiva fotográfica, de forma geral, se foca em outra possibilidade de recorte da realidade. Como forma de ratificar o que foi exposto, cabe lembrar que curiosamente a primeira fotografia aceita como tal, e que foi realizada por Joseph Nicéphore Niépce, em 1826 na França, e consolidada como técnica em 1839 por Louis Daguerre, registrou ocasionalmente uma paisagem a partir de uma janela (EDITORA ABRIL, 1981: 10-11). Parece, com isso, que o surgimento da imagem técnica estava preconizando o que, com o passar do tempo, seria realizado por Atget e seus contemporâneos e muito bem observado por Benjamin.

Outro raciocínio articulado por Benjamin (2014: 175) esclarece que, com o advento técnico de criação de imagem, o estado da arte assume um outro status. É neste momento que a arte deixa de ser única e passa a ser reproduzível na sua essência: “nunca as obras de arte foram reprodutíveis tecnicamente, em tal escala e amplitude como em nossos dias”. Adotando uma nova função, em outras palavras, pode-se dizer que a fotografia não foi um mero advento industrial que

mas, principalmente, edifícios em vias de demolição. FONTE: Fotografia do Século XX, Museum Ludwig de Colónia, 2007: 24.

11 Outros importantes fotógrafos desempenharam um papel determinante na fotografia do século

XVIII, antecedendo Atget, ou mesmo “contemporaneizando” com ele o ato de fotografar, entre eles: Camille Silvy, Hyppolyte Bayard, Timothy H. O’Sullivan, George N. Barnard, Mathew Brandy, Roger Feton, Alexandre Gardner, Alfred Stieglitz, entre outros. FONTE: EDITORA ABRIL,1981.

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permitiu a “eternização” do momento e nem o homem estava apenas a serviço de uma tecnologia. O surgimento da fotografia ressignificou o estado da arte e, como tal, exerceu e ainda exerce influência direta na construção de uma estética social e política que está, junto e a partir dela, se transformando permanentemente.

O entendimento do homem e o mundo que o circunda atingiu novos patamares com o advento da imagem técnica. Ela permitiu não só o registro do mundo percebido visualmente, mas também de um mundo imperceptível que foge ao alcance da visão humana. Permitiu, a partir da sua característica reprodutível e manipulável – é o caso do cinema, por exemplo – estabelecer novas formas de observação e, porque não dizer, de relações, criando novas possibilidades de interpretações dos fatos e do próprio ser humano.

O ser humano sempre foi observado pelos seus pares em busca de respostas que permitissem entender sua própria existência. No entanto, os estudos eram considerados como história natural física do homem e do seu processo evolutivo, e somente há pouco mais de cem anos a antropologia passa a ser considerada como ciência independente (MARCONI; PRESSOTO, 2010: 2). A antropologia surge, então, como sendo

[A] ciência da humanidade e da cultura. Como tal, é uma ciência superior social e comportamental, e mais, na sua relação com as artes e no empenho do antropólogo de sentir e comunicar o modo de viver total de povos específicos, é também uma disciplina humanística. (HOBEL; FROST, 1981: 3)

Ribeiro (2005: 2-3) diz que apesar de contemporânea ao surgimento da fotografia, e posteriormente do cinema, na primeira metade do século XX a antropologia se manteve com o passar do tempo essencialmente textual, tendo a imagem técnica como suporte ilustrativo e meio de popularização da própria ciência. Diz ainda o autor que, neste período, as sociedades e a culturas permaneceram divididas entre observadas e observadoras. É neste momento histórico que acontece um significativo estreitamento entre a ciência e a cultura, pois, se as viagens entre continentes permitam alcançar a visão efêmera do outro, é a câmera fotográfica e posteriormente a câmera cinematográfica que tornaram possível armazenar estas visões.

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Na segunda metade do século XX, o uso de ferramentas de registro visuais toma uma importância muito grande nos estudos antropológicos. A partir de 1960, o registro de som sincronizado com a imagem e a possibilidade de registro de planos de longa duração12, associados à praticidade de uso e transporte de

equipamentos, provoca a separação da escrita como corrente dominante da produção científica em antropologia.

A produção científica assiste neste momento, portanto, o início de uma nova era na pesquisa. A imagem passa ser protagonista deste novo cenário, por conta de toda uma nova tecnologia digital que estrutura e transforma a maneira de perceber a realidade. A imagem que antes era reproduzível na sua essência tecnológica, a partir deste momento passa a assumir a simultaneidade como atributo e deixa de ser exclusividade de poucos para passar a ser compartilhada com muitos. É o início de uma profunda e definitiva transformação na maneira do homem interagir com a informação científica.

Por outro lado, e também fruto do uso de tecnologia, novas metodologias de pesquisas baseadas na oralidade ganham espaço nas investigações voltadas para o entendimento do homem e seu comportamento. Apesar da oralidade ser um instrumento primário de comunicação, seu caráter interdisciplinar dificulta sua separação dos demais meios de investigação. Sua relação intima com áreas como a música, o cinema (analógico e digital), a etnografia e o folclore, por exemplo, torna difícil definir seus limites. Por conta desta característica interdisciplinaridade, sua utilização sistemática vem sendo percebida em várias áreas das ciências humanas como a antropologia, sociologia, linguística, psicologia, história, entre outras. A imagem já não está isolada da oralidade: ambas se fundem numa importante e definitiva ferramenta de registro.

A oralidade, em si, não deve ser confundida com a História Oral, a qual, segundo Freitas (2002: 18), “é um método de pesquisa que utiliza a técnica de

12 Aqui é feita menção aos processos digitais que começam a se desenvolver nos anos de 1960. Mas

a invenção do cinema, como é sabido, se deu oficialmente em 1895, na França, com a criação do Cinematógrafo pelos irmãos Louis e Auguste Lumière. O cinematógrafo era ao mesmo tempo filmador, copiador e projetor, e foi considerado o primeiro aparelho realmente qualificado de cinema. Louis Lumière foi o primeiro cineasta a realizar documentários em curta metragem na história do cinema. O primeiro se intitulava “Sortie de L’usine Lumière à Lyon” (Empregados deixando a Fábrica Lumière), e possuía 45 segundos de duração. Neste mesmo ano de 1895, Thomas Edison projeta seu primeiro filme, “Vitascope”. FONTE: COLL, C.; TEBEROSKY, A. Aprendendo Arte. São Paulo: Ática, 2000.

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