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Os procedimentos performáticos apresentados na seção anterior, possibilitaram então em 2005, a criação de uma série fotográfica que se seguiu, desdobrando a prática anterior e utilizando as imagens capturadas para tecer um discurso imagético e crítico sobre essas experiências.

Durante as caminhadas pelos ambientes urbanos, uma ação corporal recorrente e identificada, foi o direcionamento do olhar para o alto. Pelos lugares percorridos, esta ação repetitiva endereçava-se, particularmente, aos edifícios em construção, que apresentavam as alvenarias de tijolos ainda expostas; a paisagem urbana verticalizada produzia em meu corpo uma situação corporal específica: a cabeça inclinada para trás e o olhar direcionado para o cimo das edificações.

Como forma de elaborar um registro desta percepção, iniciei uma série fotográfica recortando apenas os topos das edificações do entorno. A imagem produzida configurava-se como um engajamento entre meu corpo e o dispositivo fotográfico em mãos, revelando por meio daquela imagem uma posição corporal específica estimulada naquele lugar e por aquela situação.

Esses registros compuseram assim a série fotográfica, nomeada de

UFOS -Unidades Formais de Organização Social, realizada a partir de 2005,

como um procedimento infinito, reprodutível e genérico, construído através de dois métodos diferenciados. Parte desta série foi apresentada na exposição

Control-C + Control-V, realizada na unidade paulista do SESC Pompéia, em

novembro de 2007.

O primeiro método para composição desta série fotográfica era a própria itinerância pelo espaço urbano, a fim de registrar, a proliferação destas arquiteturas em processo na paisagem. Este procedimento me possibilitava

observar a reincidência destas construções assentadas em modos de produção genéricos, descontextualizadas de considerações ambientais com o entorno e construídas por empresas corporativas, que replicavam estes empreendimentos em áreas de expansão ou renovação da cidade.

Minhas impressões me levaram a relacionar estes empreendimentos imobiliários a uma espacialidade tecnológica e fantasiosa, as espaçonaves dos filmes de ficção científica. A meu ver, estas espacialidades eram ocupações densas no horizonte, que também conjugavam a condição de invasoras -

objetos ambulantes alienados e alienantes.

Durante os meus deslocamentos, foi freqüente encontrar panfletos com a divulgação das imagens destes empreendimentos imobiliários, distribuídos nas paradas dos sinais ou espalhados pelo chão. No entanto, as imagens divulgadas eram simulações geradas em programas de modelagem tridimensional, e apresentavam inserções ficcionais destes objetos na paisagem. Freqüentemente estas imagens ilustravam também elaboradas estratégias de marketing, que procuravam associar a suas imagens-ficções uma idéia de bem estar corporal e ascendência social.

As observações que relato aqui me levaram a destacar algumas práticas que ao meu ver, estruturavam a lógica de divulgação e comercialização destes empreendimentos imobiliários. Geravam-se imagens ficcionais, digitalmente

produzidas e incumbidas de seduzir o transeunte a adquirir um bem imaginário

a ser habitado, inserido em uma paisagem falseada e ficcional.

Identificando estes procedimentos, iniciei um trabalho de edição digital das imagens recolhidas, a fim de pesquisar e testar possibilidades que viessem a expressar estas percepções, desenvolvidas ao observar essas construções e entender seus modos de produção. Esses procedimentos buscavam uma sintonia com as operações de especulação, praticadas nos mercados imobiliários contemporâneos: remasterizar e espelhar tipologias.

Utilizei, para este intento, um software de tratamento de imagens, o

Photoshop, amplamente conhecido e empregado para diversos fins, artísticos,

científicos ou comerciais. O trabalho desenvolveu-se através da manipulação digital dos registros, descobrindo uma forma de edição que fosse tecnicamente genérica, e que através da visualidade gerada revelasse uma posição crítica particular sobre as formas de produção e inserção imagética destas ficções no imaginário coletivo. As ferramentas do software Photoshop foram tomadas como um modo de viabilização de uma produção crítica de visualidades de arquiteturas.

A partir deste posicionamento, foi estruturado o segundo método de criação destas imagens. Os recursos escolhidos no software Photoshop, foram as ferramentas que realizavam três procedimentos sobre os registros: rotação, duplicação e espelhamento.35 Abaixo seguem-se algumas das imagens da série produzida( fig 20 e 21).

FIGURA 20 – NV # 03, impressão digital sobre PVC, Maurício Leonard, 2005 FONTE: Arquivo particular do autor

35A rotação girava a imagem a noventa graus, deslocando o seu eixo vertical de observação. A

duplicação, reproduzia esta mesma imagem, gerando uma cópia, e sobre esta era procedido um espelhamento. As duas imagens ajuntadas, então, criavam uma visualidade terceira, que assemelhava-se a um objeto ficcional denso, pairando sobre o horizonte, uma espaçonave.

FIGURA 21 – KRULL, impressão digital sobre PVC, Maurício Leonard, 2005 FONTE: Arquivo particular do autor

Ao gerar esta série fotográfica, me incomodava o fato de ter dúvidas quanto a sua forma expositiva. Tinha interesse em expô-las, mas buscava, em minhas pesquisas, criar percepções engajadas sensorialmente, coordenadas por algum dispositivo tridimensional a ser instalado no exposição, que agenciasse uma interação direta com o corpo.

Em trabalhos realizados anteriormente, buscava estes engajamentos por meio da performance, um conjunto de ações e intervenções espaciais que se incumbiam de produzir uma sensação corpórea no outro. Porém, desta vez, o desafio era coordenar alguma sensação, por meio da imagem bidimensional, apesar de duvidar de sua eficácia.

A pesquisa seguinte encaminhou-se, então, na busca por uma forma de instalar essas fotografias no espaço expositivo que viesse a engajar o corpo do visitante com elas, criando um deslocamento corporal e encaminhando uma situação performática.

A possibilidade experimentada por mim foi investir em uma relação com o suporte parede, e minha questão era agenciar, por meio deste elemento arquitetônico, uma corporeidade, uma conformação corporal específica que

propiciasse ao observador visualizar aquela imagem instalada de uma forma não habitual.

Como uma tentativa, dispus as imagens acima do nível indicado para se observar uma fotografia36. As imagens instaladas desta forma faziam com que os visitantes as observassem com a cabeça inclinada pra trás e olhos erguidos para o alto, replicando novamente o gesto coreográfico que eu havia experimentado ao me relacionar com estas edificações durante os percursos.

Entendi que aquela forma de instalá-las criava, sim, uma interação com o corpo do observador, agenciada por um dispositivo bidimensional. Porém, ao apreciar as qualidades desta relação dada com os visitantes durante a exposição, entendi que o meu interesse se dirigia a uma outra atenção com o corpo.

De fato, eu não gostaria de replicar aquela conformação corporal restrita, pois acabava definindo um modo genérico para a observação das imagens. Estava interessado em criar margens mais espontâneas e engajadas sensorialmente. E mesmo que compreendesse o potencial crítico que essas imagens agenciavam, percebi que poderiam haver outras iniciativas formais que viessem a desenvolver os meus interesses, de maneira mais ampla e participativa, engajadas ambientalmente.

Porém, esta experiência repleta de possibilidades me apontou um trânsito possível entre as categorias arte e arquitetura. A produção fotográfica encaminhava um posicionamento crítico sobre a produção massificada e alienante, praticada nos empreendimentos imobiliários. No entanto, percebi que fatalmente essa produção cairia numa lógica de circulação de bens artísticos e era obscuro para mim até onde iria a sua inserção crítica.

36A altura recomendada, ou seja a marcação de um ponto de vista genérico, a 1, 5 metros, que

concidiria com uma idealizada linha do horizonte, foi erguida para a altura próxima a de um teto domicilar, ou seja a 3,0 metros

O posicionamento político que eu pretendia encaminhar com estas imagens, me parecia embotado ao expô-las; eu desejava uma inserção mais engajada. Tornou-se então necessário para mim praticar também outras experiências, que abordassem questões mais pertinentes neste contexto, e vinculadas a participação, bem como a uma sensorialidade mais abrangente do corpo.