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4.4.1 primeiro dia : encontrar

Ao chegar em Barra Grande, nossos objetivos foram ecologizando-se com o lugar. Ao entrar em contato com a organização do festival, fomos informados que as inscrições para a oficina, ainda eram muito pequenas, pois os interessados não sabiam do que se tratava. Nós havíamos divulgado um escopo de trabalho um tanto formal, e de fato aquelas palavras não comunicavam muita coisa para os habitantes daquela localidade: Oficina de

Arquiteturas Ambulantes? O que seria isso?

A coordenação do festival criou uma medida de engajamento a fim de mobilizar o público, divulgando junto aos jovens, que a oficina realizaria uma formação em teatro, mas coordenada de forma muito diferente do que

39Tentávamos encontrar meios para se fazer perceber que estas matérias, ao invés de serem

reinseridas e reutilizadas, poderiam também deixar de serem consumidas. Ao invés de inventar meios para reutilizar, que acabam por criar a necessidade de tê-los, estimulávamos a percepção e uso de matérias locais disponíveis, criando uma atenção para os recursos naturais renováveis da localidade.

usualmente eles conheciam. Talvez estimulados por uma curiosidade ao diferente, surgiu um grupo heterogêneo e generoso, interessado em partilhar conosco as experiências do teatro e das Arquiteturas Ambulantes, que para nós revelou-se como uma prática repleta de aprendizagens e reavaliações de nossas atuações artísticas e de formação.

Na primeira tarde da oficina, a ação inicial junto ao grupo de trabalho foi

conhecê-los. Para tanto, inventamos uma forma de apresentação, que

relacionava nosso próprio desconhecimento daquela localidade, seus habitantes e os espaços em que eles habitavam.

Criamos um mapa, proposto como uma maquete-relacional, ajuntando alguns retalhos de plástico disponíveis para compor uma superfície suficientemente grande, onde se pudesse andar sobre ela. Apresentamos essa maquete-superfície como o mapa de Barra Grande, localizando inicialmente o mar e o continente, e com ajuda de uma bússola, os pontos cardeais. Instalamos também uma pequena ponte feita com palitos de bambu. Essa ponte era um porto exíguo por onde aportávamos em Barra Grande, depois de uma hora e meia de trânsito em barco saindo de Camamu. Era também um modo de localizar e dar a ver a situação de baía onde Barra Grande estava localizada, e criar escalas corporais e engajamentos com aquele objeto-mapa- relacional.

A apresentação de cada participante articulava-se por meio do seguinte procedimento: o participante recebia três papéis adesivos, e deveria escrever sobre cada um deles uma sensação corpórea percebida a partir de sua saída de casa até a chegada ao local onde nos encontrávamos. Deveria afixar sobre o mapa estes adesivos marcando o local de sua habitação. Cada participante seguia sua apresentação, contando pra nós as particularidades de sua habitação e do trajeto que cumpria para chegar até o local da oficina, apontando no mapa este possível deslocamento.

Nós, os coordenadores, fazíamos algumas observações sobre o posicionamento corporal que acontecia durante estes relatos, estimulando uma presentificação corpórea afirmativa e nos relacionando com a expectativa comum a todos, a almejada formação em teatro.

Os participantes foram, um a um, se apresentando, e sobre o mapa- maquete-relacional iam se formando as relações de vizinhança entre as habitações, as proximidades com os marcos referenciais do povoado e os diferentes caminhos usados em cada trajeto (fig. 24).

FIGURA 24 – Cartografia afetiva de Barra Grande FONTE: Arquivo particular do autor

O mapa de Barra Grande foi se construindo, e tornou-se visível para todos quem morava perto de quem, as distâncias relativas e intuitivas, o tempo estimado que cada participante levava para chegar até o local em que estávamos abrigados.

Feita esta apresentação, passamos então à tarefa de tornar inteligível para nós e para os participantes a abordagem daquela oficina e como tentaríamos realizar nosso intento de construção de uma Arquitetura

Ambulante.

Começamos primeiro por analisar os dois termos separadamente. A pergunta, que viabilizava esta primeira aproximação, interrogava pelo entendimento do que é arquitetura. Os jovens se posicionaram, relatando as suas percepções particulares sobre esse objeto cultural. As idéias circularam, como era de fato esperado, em torno de especulações sobre a casa e a morada, mas rapidamente evoluíram para outras edificações, como os bares,

escolas e as vendas. Tentávamos não criar consensos, mas sim expandir as possibilidades de compreensão, sem de fato produzir uma idéia fechada. Relevamos sobretudo que estas construções mediavam relações entre o dentro e fora, o privado e o público.

A pergunta seguinte foi sobre o termo ambulante. O que era entendido por eles sobre o nome ambulante? As respostas foram mais esparsas, mas tinham em comum a referência à ação de andar e deslocar-se por um espaço; porém surgiu também uma outra percepção, que especulava sobre a pessoa que vende coisas, como objetos artesanais ou alimentos. Neste momento a nossa intervenção foi de circular a idéia de deslocamento, de percursos e trânsitos, viabilizados pelo movimento corporal e pelo desejo de fazer circular coisas.

Como seqüência destas abordagens, associamos então as duas palavras: arquitetura e ambulante. Inicialmente, esta associação não parecia ser inteligível para os participantes; buscamos, então, relembrar o personagem ambulante, aquele que vendia coisas na praia, e começamos a pesquisar sobre o que ele necessitava para realizar essa atividade. Os participantes apontaram então, as caixas de isopor e as cestas em que guardavam as mercadorias dos vendedores da praia, e rapidamente outras percepções foram se fazendo, partindo de análises sobre as atividades que aconteciam neste ambiente, tão familiar para todos.

Surgiram, então, diversas arquiteturas ambulantes, apontadas pelos participantes: o carrinho que vendia coco, o conjunto (guarda-sol, esteira de palha, sacola e cadeira), o carrinho do catador de latinhas, a sombrinha usada em dias de chuva ou de muito sol, entre outros. Para nossa surpresa estes posicionamentos foram ampliando-se em outras escalas, sem que conduzíssemos nenhuma conclusão sobre o que de fato era a arquitetura

ambulante. Foram mencionados então, o barco que conduzia as pessoas de

Camamu até Barra Grande, o avião que cruzava de quando em vez o horizonte, os jipes que conduziam os turistas até a barreira de corais de Taipús de Fora (localidade turística próxima ao povoado de Barra Grande).

Situando algumas colocações esparsas sobre as impressões do grupo, passamos, Thiago e eu, a um procedimento que havíamos inventado para

poetizar a visualização de uma arquitetura ambulante e possibilitar que as idéias se expandissem para além de uma construção utilitária ou de abrigo. Anunciamos então que iríamos construir uma primeira arquitetura ambulante, muito estimada por nós. Andando sobre o mapa de plástico, e realizando alguns movimentos coreográficos a esmo, recortamos então um fragmento do mapa-maquete, e montamos, performaticamente, com a ajuda de varetas de bambu e linhas, uma pipa.

Apresentamos então o objeto para o grupo, como uma arquitetura

ambulante, ressaltando que se tratava de uma construção técnica porém

afetiva, ressaltando suas propriedades de mobilidade, interação e jogo com quem a usava. Nossa fala colocava-se, no entanto, como apenas uma proposição, sem muitas considerações assertivas sobre o objeto. Queríamos que a pipa fosse um estímulo para apropriações e questionamentos particulares. Convidamos então a todos para um passeio na praia para testarmos a arquitetura ambulante, mas devido aos muitos afazeres de todos esta proposição não se realizou. Porém uma das participantes aceitou a pipa como um presente, e a levou pra casa na intenção de doá-la a seu irmão.