4. CENÁRIO DE ESTUDO
4.2. Ocupação da região e exploração dos recursos naturais
A ocupação do Alto Vale do Ribeira, assim como na porção litorânea,
remonta ao período pré-colonial. DE BLASIS (1996) relata a existência de
assentamento habitacional de bom tamanho onde hoje se encontra Bairro da Serra.
Vestígios líticos e cerâmicos indicam a ocupação de grupos de agricultores que
certamente também faziam uso de outros recursos da floresta como caça e coleta de
frutos. Estes ameríndios se enquadram ao contexto definido no planalto meridional
do Brasil, especialmente à tradição Itararé. Nesse sentido, DE BLASIS (1996) afirma
que o Vale do Rio Betarí fora ocupado de três maneiras distintas em cronologia de
1250 anos atrás para a atualidade. Inicialmente grupos de caçadores coletores
estiveram na região, posteriormente os grupos ceramistas agrícolas acima citados e
finalmente os ocupantes contemporâneos, associados ao processo colonial. Contudo,
registra-se em passado mais distante a presença de grupos caçadores coletores há
cerca de 10.000 anos atrás, evidenciados por sítios concheiros, demonstrando um
longo hiato temporal entre datações arqueológicas mais recentes.
No tocante à dinâmica contemporânea, ou seja, pós-colonial de
ocupação da região do Bairro da Serra observa-se estreita relação com processos
extrativistas de recursos naturais, tanto de minérios como também de produtos
florestais.
Relevante a esse processo de ocupação, menciona-se que a mineração
no Vale do Ribeira é uma atividade que pode ser dividida em três diferentes estágios:
1
o) ouro – iniciado no século XVI se estendeu até o século XVIII; 2
o) chumbo-prata
– desde os idos de 1800 até 1992; e 3
o) minerais não metálicos, principalmente
calcário e dolomita – iniciado na década de 1950 e com duração até a atualidade
(SHIMADA & LEMOS 1999 apud PISCIOTTA 2002).
De grande importância econômica na região do Vale do Rio Betarí foi
mineração do ouro e posteriormente a mineração do chumbo. Esse vale teve
ocupação iniciada como caminho para levar ouro de Apiaí até Iporanga, visando o
escoamento pelo Rio Ribeira de Iguape. Com isso, inicial concentração de moradores
deu-se devido ao comércio para atender necessidades dos tropeiros com gêneros de
produção local como cachaça, farinha e rapadura (LINO 1978). Posteriormente, com
o declínio da mineração de ouro ocorreu ocupação que remete ao processo de busca
de terra para agricultura de subsistência.
Dentre os ocupadores mais antigos também tiveram importância os
remanescentes quilombolas na região do Vale do Rio Betarí. Verifica-se forte
influência da raça negra e a miscigenação com presença de mulatos entre as famílias
ocupadoras. Registra-se ainda um remanescente quilombola conhecido como
Bombas, situado nos arredores do Bairro da Serra, em área de abrangência do
PETAR.
Foto 19: Domicílio no Bairro de Bombas no interior do PETAR
A agricultura praticada no local até a atualidade apresenta forte
influência de técnica utilizada pelos indígenas desde antes da chegada do homem
europeu. Conhecida como agricultura de coivara ou roça de capuava, esta técnica
queima da vegetação de floresta primária ou da capoeira em regeneração natural.
Vale ressaltar que a agricultura de coivara é um autêntico método de utilização de
recursos naturais, pois se baseia na utilização de nutrientes advindos do ciclo de
regeneração da cobertura florestal nativa. Ou seja, para a perpetuação dessa prática
durante tanto tempo foi necessária a conservação da floresta.
As culturas mais tradicionais da região até a atualidade são arroz,
feijão, milho, mandioca, cana-de-açúcar e banana (QUEIROZ 1983). Vale ressaltar
que os grupos indígenas ceramistas do passado utilizavam para a agricultura as
mesmas áreas baixas e de encostas utilizadas na atualidade e provavelmente
cultivavam gêneros como feijão, milho e mandioca (DE BLASIS 1996).
A descoberta de uma importante jazida de chumbo e prata associada a
ouro ocorreu entre 1915 e 1917, onde mais tarde fora instalada a mineração Furnas
cujo desenvolvimento exploratório ocupou 5.680 metros (KOTEZ 1998). Consta que
um pesquisador alemão levantando dados geológicos e geográficos na região em
1954 relatou que na então chamada de “Freguesia de Sant’Anna de Yporanga”, hoje
arredores onde se encontra o Bairro da Serra, havia pouco mais de 30 casas (KRUG
193 apud FIGUEIREDO 2000a).
Um grande avanço no sentido da ocupação local ocorreu em 1937
com a abertura da estrada Apiaí-Iporanga e a implantação de duas mineradoras de
chumbo na região, contribuindo também para a oferta de emprego e geração de renda
local, mas por outro lado, propiciando o desinteresse dos jovens pelo modo de vida
tradicional (CAMPOS 1990 apud BONDUKI 2002).
Nota-se que apenas com nova dinâmica econômica foi possível
constituir bairros com maior concentração populacional, pois de acordo com
PETRONE (1961), as aglomerações sustentadas pelo regime primitivo de agricultura
não seriam viáveis, uma vez que os moradores teriam grandes viagens para chegar
aos sítios agrícolas.
Na década de 1940 começa a ter destaque uma nova alternativa
econômica para a região, trata-se da indústria extrativista vegetal, que com a
exploração do palmito (Euterpe edulis) desenvolveu-se enquanto ainda prevalecia a
mineração. Consta que na década de 1950 já ocorria o declínio da mineração do
chumbo, bem como a mineração do calcário não representava relevante expressão na
região do Alto Vale do Ribeira (FIGUEIREDO 2000a).
Nessa época, grande parte da população local, que ainda praticava a
agricultura de subsistência, passa a ter o corte do palmito como principal atividade
econômica. Esse extrativismo tomou maior extensão após a abertura da rodovia
Eldorado-Iporanga. Com o estabelecimento desse novo ciclo econômico ocorreram
mudanças na ocupação regional, pois os antigos sitiantes fixos passaram a se
deslocar em busca do palmito, vivendo de maneira mais dispersa e afastada,
dependendo desse único recurso para atender as necessidades da família, uma vez
que os alimentos ora produzidos na agricultura teriam sido trocados por gêneros
comprados com a venda do palmito (QUEIROZ 1983).
O extrativismo passou a crescer por duas razões básicas, primeiro é
que o produto da extração pode ser imediatamente convertido em dinheiro, segundo
porque cresceu a demanda das indústrias de palmito que foram se instalando nas
sedes municipais da região, como na cidade de Iporanga (SÃO PAULO 1986).
Um dedicado levantamento histórico realizado por NESTLEHNER
em 1981 assinala que atividades de caça e pesca, associadas ao extrativismo do
palmito, ainda representavam importância mesmo dentre os moradores da cidade
daquela época. Da mesma forma, a extração de frutas e outros alimentos da floresta
também era relevante para o sustento dos moradores locais.
Sobre esse aspecto, ressalta-se que a caça de animais silvestres tanto
para comércio ilegal como para alimentação pode representar uma ameaça aos ciclos
de regeneração florestal. Animais de porte, como o mono carvoeiro, são alvo de
caçadores que indiscriminadamente dizimam grupos inteiros dos mesmos.
Salienta-se novamente a interdependência entre animais e espécies vegetais quanto à
perpetuação da floresta, como no caso da herbivoria desses primatas e a dispersão de
sementes grandes, típicas de estágios finais de sucessão ecológica na Mata Atlântica
(PETRONI 2000).
madeira e a continuidade da retirada de palmito nas áreas de entorno e mesmo no
interior dessa unidade de conservação (CAPOBIANCO 1987).
Mesmo na atualidade prevalece a atividade de extração de palmito, no
entanto o pequeno extrator tem sua condição se deteriorando em razão da escassez
deste recurso florestal, além de longas distâncias a se percorrer e proibições por
conta da legislação ambiental vigente.
Ressalta-se que a exploração madeireira, o corte indiscriminado de
palmito, a agricultura de coivara e a difícil regeneração da floresta propiciaram a
composição de uma mata secundária diferente da primária sob aspectos florísticos e
ecológicos na região do PETAR (GT PETAR 1980).
Contudo, ressalta-se que o extrativismo, assim como a agricultura de
coivara são práticas necessárias à sobrevivência de populações, e que se devidamente
planejadas podem permitir a conservação das florestas. Assim, o manejo de recursos
florestais pode ser alternativa adequada para as zonas tampão de entorno das
unidades de conservação de proteção integral do Alto Vale do Ribeira (ROMEIRO &
col. 1996).
Com base em diversos exemplos em que o conhecimento tradicional e
respectivas práticas de subsistência permitiram a perpetuação da floresta e
manutenção da biodiversidade, DIEGUES (2000) afirma que para a criação de uma
nova ciência da conservação é necessário promover uma síntese entre o
conhecimento científico e o tradicional. Fortalecendo tal afirmativa, esse autor
suscita que populações tradicionais, sobretudo indígenas, possuem diversas técnicas
de manejo de acordo com o etnoconhecimento adquirido por gerações que habitaram
o meio natural.
Em termos de manejo de recursos florestais temos que o palmito, por
exemplo, é indicado economicamente viável por REIS et al (1994), que também
registram o potencial ecológico desta palmeira, cujo fruto possui importância
nutricional para grande variedade de espécies animais, sendo espécie de destaque na
retomada da dinâmica da floresta em áreas de formação secundária.
A utilização dos recursos florestais dessa região de valiosíssimo
patrimônio natural deve ser muito bem planejada, sendo pertinente a busca de
alternativas diferenciadas de geração de renda como a prestação de serviços
vinculados ao turismo.
No documento
Ecoturismo e impactos ambientais na região de Iporanga – Vale do Ribeira – São Paulo
(páginas 87-92)