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Capítulo II Família, Escola e Educação

1. Família e Educação…sem esquecer a Escola

1.7 Onde fica a escola nesta relação

A sociedade contemporânea para além de ser uma sociedade de contrastes, de diversidade e heterogeneidade é uma sociedade de crises: crise económica, crise de valores e crise de afecto já nos dizia Fernando Pessoa:

Nevoeiro

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra, Define com perfil e ser

Este fulgor baço da terra Que é Portugal a entristecer Brilho sem luz e sem arder, Como o que o fogo fátuo encerra. Ninguém sabe que coisa quer, Ninguém conhece que alma tem, Nem o que é mal nem o que é bem. (que ânsia distante perto chora?) Tudo é incerto e derradeiro. Tudo é disperso, nada é inteiro. Ò Portugal, hoje és nevoeiro… É Hora!

Fernando Pessoa

Como parece evidente, estas três crises e outras que nos afectam são transversais à educação, quer ela venha de casa, quer venha da escola e reflecte-se inevitavelmente na qualidade do ensino e da aprendizagem. A sociedade é cada vez mais exigente e a escola tem demonstrado uma forte inadequação para fazer frente a estas demandas. É urgente que a escola abandone os seus modelos estáticos e se posicione dinamicamente, aproveitando as interacções com a própria sociedade e com as outras instituições. Grande parte do tempo das crianças é passado na escola. Esta é um espaço, tempo e contexto de aprendizagem e de desenvolvimento por excelência e que nunca deixará de existir por mais que as tecnologias evoluam, pois precisamos sempre de aprender dentro de um determinado contexto socio-cultural que só a escola é capaz de proporcionar. O que queremos também, com isto dizer, é que a sociedade de hoje em dia constitui um cenário de mudança permanente e profunda, ideológica, cultural, social e profissional e a escola é colocada no centro do desenvolvimento humano, logo implicando novas funções e papéis para a mesma, e para os dinamizadores que a ela se associam: os professores. Estes não podem continuar a resumir a sua linha de acção à simples transmissão de conhecimentos científicos estáticos. “Torna-se então necessário promover mudanças quer na concepção quer nas práticas educativas” (Santos; 1997:

80). Mas não é apenas à escola que a sociedade tem imposto alguns parâmetros de exigência, também a família tem sido alvo de vários reptos da sociedade e tem demonstrado estar cada vez mais longe de atingir um glorioso protagonismo na educação dos filhos. É importante que nesta nova sociedade que está em constante mudança se tenha consciência de que os pais, tal como a escola assumem um papel completamente novo e têm demonstrado estar a sentir alguma dificuldade em estar à altura das exigências.

“Estudos recentes demonstraram já que o sucesso escolar e a capacidade de desenvolvimento da criança e do jovem não está relacionado com o QI e o nível sócio-económico, como se poderia imaginar. Estão, isso sim, correlacionados com o ambiente em que estes são educados e com o número e a qualidade de interacções” (56).

A instabilidade socio-profissional que afronta a grande maioria da população; as crescentes exigências da sociedade; as mães que passaram a acumular funções; o aumento das famílias monoparentais e as famílias fragmentadas são apenas alguns dos problemas com que a família se tem confrontado, o que tem implicado também que depositem muita esperança na escola e no papel que esta desempenha no desenvolvimento dos seus filhos. Há mesmo já alguns pais que começam a entregar-se a uma acção cooperativa escola-família que seria acima de todas a mais indicada neste contexto. Mas depois de alguns capítulos em que já foi discutida a relação afectiva entre pais e filhos e as suas complexidades, importa saber então que papel se destina à escola e aos professores neste contexto de desenvolvimento humano das crianças.

Dedicando-nos primeiramente ao que é esperado dos professores no seguimento do que já foi dito antes neste capitulo, recapitulamos que é essencial que os professores contrariem a tendência do que lhe é incutido na formação e que conduz a que muitos deles resistam à mudança. É essencial que os professores não se deixem cair numa rotina estática de transmissão de conhecimentos científicos também eles estáticos, e operem numa mudança nas mentalidades, nas atitudes, nos comportamentos e nas práticas educativas. Os professores devem olhar os seus alunos como portadores de um potencial que depende em muito de si para ser estimulado, explorado de forma progressiva rentabilizando ao máximo as suas capacidades e recursos inerentes e potenciais. Nesta complexa prática, é muito importante que o professor adopte uma postura reflexiva que será útil não só ao aluno, que receberá um apoio personalizado e adaptado às suas necessidades, mas também ao professor que vai reconstituindo a sua forma pessoal e profissional de conhecer e de ser e que lhe permite uma tomada de decisões conscientes e oportunas e implementação de soluções legitimas. Cada

professor desempenha um papel importantíssimo nesta requalificação do ensino e das práticas educativas e educacionais, pois as mudanças reais só são possíveis graças às acções também elas reais dos professores numa dimensão colaborativa e em parceria, dependem de cada professor e não de órgãos como o Ministério da Educação. “O professor, como protagonista de uma nova era educativa, tem de se projectar no futuro, jogar com estratégias alternativas, aceitar correr riscos e desafios como tarefa do presente” (Santos; 1997: 81/82). Um professor do século XXI deverá ser alguém que procure ser o mais completo possível não só ao nível dos seus conhecimentos científicos, mas também ao nível pessoal e inter-pessoal. Deve ser acima de tudo um profissional capaz de refletir sobre si, sobre os outros, sobre si junto dos outros, sobre a sociedade e sobre o mundo. Deve ser alguém sempre disposto a mudar e a crescer. Um professor “crescido” ao nível inter-pessoal é alguém que sabe relacionar-se com cada aluno individualmente e com o grupo, respeitando as diferenças que distingue em cada um. Uma atitude deste nível implica uma profunda educação dos sentimentos, dos valores e do amor. Um professor “crescido” ao nível cientifico é alguém que compreende a necessidade de ser um “eterno estudante”, alguém que já tomou consciência que tem que estreitar ligações com a investigação, a formação, e as práticas pedagógicas para ver os seus conhecimentos numa dinâmica de actualização permanente. Para além de tudo isto, temos que estar conscientes de que o professor hoje em dia acaba por ser a continuidade da família, com todas as responsabilidades e princípios que lhe estão inerentes.

Deixando um pouco o papel dos professores e passando ao papel das escolas como instituições privilegiadas de educação, é importante dizer que de facto, as funções da escola actualmente passam a incluir não propriamente a substituição da família já que esta é insubstituível, mas a sua complementarização, principalmente com a ocupação educativa dos tempos livres.

“A razão principal pela qual a escola se vê obrigada a desempenhar novas funções é a falta de tempo, disponibilidade e de saber de muitas famílias, sobrecarregadas com horários de trabalho extensos e obrigadas a perder muitas horas por dia para se transportarem para o emprego “(Marques; 1998: 16)”.

De facto, o ritmo de vida a que os pais se vêem obrigados a circular, impede-os de darem aos filhos toda a atenção, carinho, apoio e tempo que estes necessitam e leva-os a enfrentarem um problema que muito os preocupa que é onde deixar os filhos quando eles não têm aulas. As famílias da classe média e média alta solucionam este problema recorrendo a escolas privadas que aceitam responsabilizar-se pelos alunos no período

em que os pais estão a trabalhar. Às famílias mais carenciadas, não podendo recorrer a esta solução, resta-lhes contar com a escola para resolver o problema e o que passa, em grande parte, pelas actividades de enriquecimento curricular, que ocupam os alunos no período de tempo que resta até ao horário que os pais poderão ir buscá-los.

Uma outra função da escola é promover uma educação partilhada que vá de encontro à cultura, experiências e interesses dos alunos e favorecer a criação de espaços, tempos e ocasiões para o encontro entre a criança, a escola, a família e a comunidade, cumprindo assim, com o objectivo de se tornar mais humanizada e humanizante. “compete à escola proporcionar condições de promoção de aprendizagens de acordo com a natureza e o desenvolvimento dos alunos, tendo como objectivo a sua formação global, harmoniosa mas gradual” (Santos; 1997: 77).

“Há já alguns anos que a escola vem deixando de ser “armazém” de crianças comodamente utilizado pelos pais logo de manhãzinha ou depósito de saber que os professores pomposamente transmitem” (Tavares, 1993: 57). Muitas coisas mudaram com a formação das associações de pais, com a massificação da escolaridade e com a atenção de muitos pedagogos. Porém, hoje em dia, pais e professores continuam a olhar- se com desconfiança e os professores queixam-se do abandono que a escola sofre por parte da família. É essencial que tenhamos a noção de que a participação dos pais na escola é indispensável, mas esta vinda terá de ser voluntária. A educação escolar será muito mais eficiente se for realizada numa estreita colaboração com a família e se queremos um cidadão com formação e consciente das suas responsabilidades sociais. Se tivermos em conta o enquadramento legal do nosso sistema educativo, podemos dizer que estão criadas as condições legislativas para a participação das famílias na vida da escola.

A escola impõe ainda alguns constrangimentos aos pais de que os “tempos” são exemplo. Assim que os filhos vão para a escola, a família começa a ritmar a sua vida através dos tempos de estudo e prova disso é que o tempo começa a ser contado em anos escolares e o futuro pensado numa progressão em cursos.

“A escola tem sido encarada, muitas vezes, como uma ameaça ao lar, pelo menos em dois sentidos: no enfraquecimento da influência parental e dos valores familiares, substituindo-a pela diferente e talvez muito estranha influência dos professores; e no enfraquecimento do sentido de responsabilidade dos pais, ao assumir os deveres dos cuidados infantis que, legitimamente, deveriam caber aos pais” (Musgrove; 2001: 25).