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Capítulo II Família, Escola e Educação

1. Família e Educação…sem esquecer a Escola

1.3 A relação e o papel do pai

“I

O pai é o melhor amigo das crianças. É de fácil utilização, pode estar sempre à mão (em última instância, pela rede Telecel, Optimus ou TMN) e tem um período de garantia ilimitado.

II

O pai é um brinquedo fácil de manusear, de acordo com as regras da CEE… e recomendado para todas as idades.

III

O pai não deve ser guardado em local frio, hermeticamente fechado e fora do alcance das crianças. […]

V

O pai é ergonómico e deve ser acondicionado, sem cuidado, nos braços das crianças. Quanto mais intimidante o pai pareça mais rótulos de “frágil” deve ter. […]

VII

O pai que não chora, que não “perde a cabeça”, ou que não brinca pode ter “defeito de fabrico”…ou requerer instruções quanto à sua melhor “utilização”.

VIII

O pai ‘rabugento’ é uma criança que nunca pôde dizer aos seus pais ‘quando for grande faço tudo aquilo que quiser’. De preferência, deve agitar- se…antes de se “usar”.

IX

O pai que, quando joga, se deixa perder, não é pai, mas batoteiro. Deve ficar três vezes sem jogar… […]

XI

O pai que se esforça por ser bom pai é esforçado… mas não é pai! […] XIII

O pai sempre certinho está, geralmente, dentro do prazo de validade, mas requer alguns cuidados dos seus utilizadores, nomeadamente quanto ao perigo de explosão. […]

XV

O pai em excelente estado de conservação é pai à prova de choque e, ultrapassando todas as garantias, é pai para sempre, o que, em verdade, talvez seja a mais inestimável qualidade da sua utilização” (Sá; 1999).

Este excerto do livro de Eduardo Sá, “Manual de instruções para uma família feliz”, é bastante interessante pois, apesar do seu carácter jocoso, faz-nos pensar em alguns aspectos da relação entre a criança e o pai, como por exemplo o facto de o pai ser “recomendado para todas as idades”. Sem dúvida que as relações que mantemos com os nossos pais são insubstituíveis e à medida que vamos crescendo eles vão ocupando diferentes papéis na nossa vida e, com eles, sabemos que podemos sempre contar, o que nos transmite uma imensa segurança. Os pontos VII e XIII são bastante importantes pois alertam-nos para a necessidade de as crianças verem nos pais seres humanos que também erram, que também choram, que também brincam. Caso contrário, os filhos vão

olhar para eles como se fossem um vazio incapaz de transmitir o que quer que seja. O ponto VIII alerta-nos para a influência que a relação que tivemos com os nossos pais tem na educação que damos aos nossos filhos e na forma como nos relacionamos com eles. O ponto XI parece-me bastante importante visto que muitos pais, tentando ser pais perfeitos, acabam por deixar para trás papéis que só a eles pertencem: como deixarem de exercer a sua autoridade para não contrariar os filhos ou correrem o risco de quererem ser tão amigos que acabam por começar a ser olhados como qualquer outro colega. E um pai deve ser muito mais que isso.

“Because fathers are less involved with their children, particularly when it comes to day-to- day care, does this mean that they are less competent parents? It seems not” (Golombok; 2000: 18). De facto, o pai tem vindo a ser considerado como um elemento familiar que pouco ou nada tinha a ver com a educação dos filhos, com a excepção de proporcionar o desenvolvimento económico da família e de encarnar um papel de autoridade. Esta concepção do pai era ainda reforçada pelos estudos que afirmavam a importância da mãe para a criança, e o seu papel inegável, que contrasta com a superficialidade do papel do pai.

O pai é perfeitamente capaz de cuidar dos filhos e de se responsabilizar mesmo pelas necessidades mais básicas como a alimentação, a higiene e mesmo o carinho. A questão é que a maioria dos pais não se esforça muito por diversificar as formas de se relacionar com os filhos8. Quanto mais os pais se envolvem nos cuidados e na educação dos filhos, mais estes sentirão necessidade e vontade de os procurar e de buscar neles apoio. No entanto, temos que concordar que, principalmente nos primeiros anos de vida da criança, a mãe desempenha e continuará a desempenhar o papel principal na educação dos filhos. Mas não podemos dizer que a presença do pai seja dispensável, apesar da influência destes dois intervenientes ser diferente em qualidade e variável em importância dependendo da idade da criança. “O amor materno e a autoridade paterna são dois dos fundamentos indispensáveis para o bom equilíbrio das relações familiares” (Porot; 1970: 128). O que não significa que a mãe não possa exercer também autoridade e tomar mesmo o cuidado de pequenas sanções que serão melhor aceites pela criança, sentindo esta que não põe em perigo o amor materno. E o que também não significa que o pai não possa exteriorizar a sua ternura e carinho pelos filhos. Aliás, não podemos deixar de dizer

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“So it seems that fathers are as capable as caring for their children as mothers – they just do it less” (Golombok; 2000: 19).

que para exercer o papel paternal é necessária uma grande dose de ternura e de compreensão, de saber ouvir e de ser capaz de ver o ponto de vista da criança.

Porém, o papel mais directamente associado ao pai na educação da criança é o da autoridade, apesar de este termo estar a enfrentar uma profunda crise, concretamente ao nível familiar. Actualmente os pais demonstram sentir um imenso receio em exercer a sua autoridade, pois não querem ser apelidados de autoritários. É preciso distinguir entre autoridade e autoritarismo e é muito importante que o pai não renuncie a este seu papel na educação dos filhos. “A criança necessita de uma autoridade porque isso a faz sentir segura e protegida. Mas de uma autoridade flexível, dialogante e, sobretudo, justa” (Flores; 1994: 44). Há mesmo quem diga que a autoridade do pai e a sua presença moral estão na base da harmonia familiar e do respeito mútuo entre os seus membros. Assim, neste contexto, devemos dizer que não há verdadeira autoridade sem amor como diz o provérbio popular “quem bem ama bem castiga”.

Em virtude do que nos diz César Flores na citação acima descrita, o pai, como detentor da autoridade, é-o também da justiça, que é talvez um dos aspectos mais difíceis e mais delicados de desempenhar. O pai deve esforçar-se por ser justo, já que nada fere mais o filho do que uma injustiça dos pais. O julgamento que faz das situações deve ser dotado de imparcialidade, principalmente numa família com mais do que um filho. O pai tem, ainda, a possibilidade de contribuir para a felicidade no lar, não só pelo dinheiro que traz para casa mas também pelas atitudes nos momentos que afligem a família. Um dos argumentos que mais tendencialmente relegam o papel do pai para secundário é o facto de ele ter poucos momentos livres ao longo do dia para estar com os filhos. Porém, facilmente contrapomos que, actualmente, a maioria das mães também exerce uma profissão fora de casa e nem por isso se deu menor importância ao papel da mãe.

Mas não é só o pai que influencia a criança, pois não restam dúvidas quanto às mudanças que se colocam na vida de um homem o nascimento dos filhos, e não há nenhum homem que fique indiferente a este facto. Isto pode dever-se à novidade ou às esperanças futuras depositadas no filho por exemplo. Quando a criança nasce, a mãe ocupa a grande parte do campo da afectividade na vida do filho, o que nos leva a dizer que nos primeiros anos de vida da criança é mais de uma forma indirecta que o pai faz sentir a sua influência sobre o filho. Assim, uma das suas funções indirectas é ajudar a que a esposa se sinta feliz e amada, sem preocupações preferencialmente. Uma mulher

que se sinta bem consigo e com o marido, tem tranquilidade suficiente para dar ao filho todo o afecto de que ele necessita de uma forma serena e equilibrada. Parece lógico que uma mãe que tem que sobreviver à brutalidade ou à indiferença do marido sentirá maior dificuldade em ser uma mãe meiga e carinhosa sendo os maus maridos muitas vezes responsáveis por fazerem das suas esposas mães abusivas. De facto, é muito importante que o pai apoie a mãe em todas as situações, não só quando a criança é muito jovem mas também quando é mais crescida. Quando surge alguma situação em que a mãe sentiu necessidade de tomar uma atitude em relação ao filho, o pai deve obrigar-se a aprovar, mesmo que não concorde com a medida, pois para a criança não é positivo ver discordâncias entre os pais e muito menos para a imagem e o respeito que tem por eles. “Assim, convém que o pai, em todas as circunstâncias e em todas as hipóteses, seja qual for a sua opinião pessoal, aprove cegamente e sustente, sem quaisquer reticências, as opiniões e as decisões maternas diante dos filhos; e deixe para depois a discussão com a mãe, frente a frente” (Porot; 1970: 131).

Alexander Mitscherlich, numa perspectiva muito pessimista, publicou um livro que se intitulava “A caminho de uma sociedade sem pais” e que reflectia precisamente a forma como o pai se tinha tornado invisível. Mas, na minha opinião, não podemos continuar a ignorar o importante papel que desempenha o pai na educação dos filhos, como um modelo de identificação para o filho e um objecto de dedicação para a filha. “Um rapaz com cerca de três anos de idade já compreende que o seu destino é ser um homem. Observa o pai, identifica-se com ele e tenta imitá-lo” (Spock; 1988: 51). Espera-se que o pai apresente um comportamento e atitudes válidas e correctas que permitam ao filho começar a identificar-se com ele e a assumir-se no seu papel de homem. É importante que o pai procure corresponder a estas exigências pois a identificação será mais fácil se o modelo for atractivo. Podemos dizer, então que o pai mais carinhoso e compreensivo é mais facilmente tomado para exemplo do que o pai agressivo ou indiferente. O que poderá tornar mais difícil esta identificação é uma ausência prolongada do pai, quer seja por motivos de doença, de emigração, de divórcio ou porque faleceu.

É muito prejudicial à criança que o pai se ausente muito do lar, pois a partir de certo momento é como se deixasse de fazer parte da rotina do mesmo. É também prejudicial que o pai opte por uma das seguintes atitudes extremas: excessiva condescendência ou excessiva autoridade. Os pais que passam muito tempo longe dos filhos têm tendência a ser demasiado condescendentes com eles na tentativa de os compensarem, o que não é

positivo. Mas também não é positivo se, pelo contrário, o pai exerce uma autoridade desmedida e descontrolada que pode vir mesmo a causar um sentimento de dominação e de anulação do filho. “Para que o pai exerça uma influência favorável sobre os filhos, estes devem sentir que o pai está, de facto, interessado neles, que os ama e que, essencialmente, os aprova, não importando as vezes que tem de corrigi-los” (Spock; 1988: 53). O pai não deve ter preferências, pois, para além de isso destabilizar profundamente a relação entre irmãos, pode ter uma influência muito negativa na saúde mental dos filhos preferidos. Assim, já não se compreende que, a desempenhar tantos papéis importantes, o pai continue a ser relegado para segundo plano. “A sua figura é indispensável para que os filhos se desenvolvam em segurança, confiança e otimismo, ele que simboliza força, proteção e ação” (Nérici; 1977: 108).